Dentro
do Evangelho – (cfr:
São Josemaria, Sulco 253)
(Re
Mc XII…)
Dentro do Evangelho – (cfr: São
Josemaria, Sulco 253)
«Clamei bem alto e não me
ouvias! No denso nevoeiro da doença, mergulhado num mar povoado de estranhos
seres, sem saber se estava acordado ou adormecido, sem ter a noção onde
começava e acabava o meu corpo: a cabeça... os pés... as mãos...; “aparafusado”
numa cama que fazia parte de mim... os calcanhares...? (como é possível doerem
tanto, os calcanhares?!...), clamei por Ti e não me ouvias! E, eu, mergulhava
outra vez naquele oceano de perdição e voltava à superfície e de novo me
perdia. Havia uma espécie de estratificação dos pensamentos, tinha tudo
ordenado, muito bem organizado na minha cabeça: azuis, encarnados, verdes...
dois azuis, três verdes... não... agora é um verde e depois... três ou quatro
doutra cor qualquer. (decidi que as cores não eram importantes). Nada fazia
sentido, estava vivo...?; morto...?; moribundo...? calado...?; aos gritos...? e
o ar? Sim o ar: era solene, composto, digno ou, pelo contrário tinha a boca
retorcida num esgar, os olhos vítreos esbugalhados, o gesto descontrolado? ‘Ne
timeas!’’ Ouvi-te, finalmente! Percebi, então, só então, que estava tão
preocupado com a minha doença, o meu sofrimento, que ficara incapacitado para
Te ouvir...
Tranquilo, fui repetindo até
adormecer: Ofereço..., ofereço..., ofereço!
Faça-se, cumpra-se a Tua Justíssima
e Amabilíssima Vontade sobre todas as coisas. Ámen. Ámen.» ([1])
Como somos pequenos… e fracos…
e débeis… Tantas coisas que nos afectam o espírito e condicionam a vontade! Por
vezes há como que um alheamento da realidade, pretendemos conseguir resolver as
dificuldades ignorando-as, na esperança, fútil, que elas se resolvam por si
mesmas. Outras vezes dizemos para nós mesmos que já rezámos pelo assunto – até
fizemos uma novena – e, portanto, tudo se resolverá.
Que tentação! ‘Já rezaste…
deixa lá…’
O maligno sabe muito bem por onde
pegar, e, embora não possa conhecer o nosso íntimo, pelos sinais exteriores
apercebe-se da nossa fragilidade, talvez momentânea, e não perde ocasião de a
aproveitar.
«Os espíritos imundos não podem
conhecer a natureza dos nossos pensamentos. Unicamente lhes é dado adivinhá-los
mercê de indícios sensíveis, ou examinando as nossas disposições, as nossas
palavras ou as coisas que indicam uma propensão da nossa parte. Ao invés o que
não exteriorizamos e permanece oculto nas nossas almas, é-lhes totalmente
inacessível. Inclusive os próprios pensamentos que eles nos sugerem, o
acolhimento que lhes damos, a reacção que nos causam, tudo isto não o conhecem
pela própria essência da alma (...) mas, em todo o caso, pelos movimentos e
manifestações externas. ([2])
Temos sempre de pôr todos os
meios na procura do que necessitamos. O Senhor não espera de nós nada que vá
além das nossas forças e das nossas capacidades. Mas espera que as utilizemos,
todas, com critério e sem desfalecimentos.
Jesus não é uma espécie de
milagreiro a quem recorremos nas aflições, nas dificuldades, resolvendo as
coisas, ou concedendo sem demora aquilo que pedimos. É verdade que Deus é
infinitamente bondoso, mas também é infinitamente justo.
A Sua justiça pede, portanto, um
empenhamento pessoal, dedicado e completo.
Atrever-me-ia a dizer que,
muitas vezes, o Senhor concede a graça que pedimos, não pela graça em si, pelo
bem em que ela consiste, mas movido pelo esforço, empenho e persistência que
pusemos da nossa parte em conquistá-la.
O contrário será, talvez, uma
espécie de tentação a Deus, apresentar-nos assim, miserandos, aflitos e até
chorosos, ante o Senhor, pedindo-lhe que nos conceda isto ou aquilo. Com Deus
não se fazem chantagens ou exercem pressões, ou se fazem negócios do género:
‘se me concederes isto eu, faço aquilo’.
No nosso mar “particular”,
que é a nossa vida, não estamos nunca sozinhos. Na margem, Jesus espera uma
oportunidade de subir para a nossa barca para nos indicar o melhor rumo a
seguir. Quer que vamos mar adentro «duc
in altum», mas sabe muito bem que somos incapazes, por nós mesmos, de o
fazer. E, então, dispõe-se a dar-nos as instruções precisas, fundamentais que,
só um timoneiro divino pode dar. Remar sem
descanso, com um ritmo certo e vigoroso, levantar as velas quando houver vento
favorável, recolhê-las, cautelosamente, quando a tempestade se aproxima,
corrigir o rumo quando as correntes nos desviam da rota e, finalmente, lançar a
rede onde só Ele sabe que há peixe para recolher. É um trabalho de uma vida,
sem descanso nem distracções, somos pescadores não do “nosso mar” mas do oceano
divino e, o mandato que recebemos é bem preciso: Pescadores de homens!
‘Quais homens?’ pergunto-me
às vezes. E a resposta é sempre a mesma: ‘Todos
os homens, todos são Meus filhos, por todos dei a Minha Vida’.
Há para aí alguns – muitos,
infelizmente – que andam perdidos, embrulhados nas redes das paixões deste
mundo, confundidos com as correntes das opiniões dos outros, desnorteados com
os rumos que lhe sugerem. ‘Tu – diz-me Ele a mim – és importante,
imprescindível para os trazeres de volta à praia. Aqueles que esperam por ti,
se não os encontrares e salvares, perder-se-ão porque não há substitutos para a
tua missão.’
«Por cima do meu mar revolto
levantou-se um nevoeiro espesso que me envolvia como num manto ou, talvez, como
uma mortalha bem à minha medida já que não conseguia mexer-me minimamente.
Queria muito tocar o nevoeiro, a sua textura, perceber de que era feito.
Parecia-me como que uma espuma das ondas do mar bravio, mas, ao mesmo tempo,
também se apresentava como uma nuvem etérea de uma tarde de Inverno, mas as minhas mãos não me obedeciam. Estavam onde
deviam estar, nas extremidades dos braços, aparentemente prontas e disponíveis
para o que fosse preciso, mas... não…, não conseguia movê-las, ou melhor,
moviam-se como se tivessem vontade própria, para coçar uma comichão no nariz, a
mão direita ia “viajar” até à nuca, depois ao pescoço e, quando lhe parecia, lá
tocava, então, no nariz. Entretanto, a esquerda, para carregar no botão do telemóvel
para atender uma chamada, encarava o serviço como algo tão difícil e custoso
que, normalmente, quem me chamava, desistia.
‘Nevoeiro e mar... Que mais,
Senhor, que mais mandas? Olha que eu... não posso, sou fraco, débil, tenho
medo!’
‘Ne timeas! ‘
Ouvi-Te
e... deixei-me
“ir” murmurando como podia: 'Gratias tibi, Gratias tibi'.» ([3])
O medo! O medo paralisa.
O medo revela, sempre, uma
atitude de cobardia pessoal. Assumir as consequências das nossas atitudes, dos
actos que praticamos é, muitas vezes difícil,
nomeadamente quando, por um motivo ou outro, temos a percepção que merecemos
crítica ou reparo.
Faz parte da vida de todos
os dias, a vida corrente de cada um, ter de assumir responsabilidades, grandes
ou pequenas, dar respostas, tomar decisões. Fugir ou pretender ignorar, ou,
muitas vezes, adiar para uma ocasião que consideremos mais oportuna ou
favorável, não resolve nada, bem pelo contrário, talvez agrave e complique,
desnecessariamente, a questão.
Quantas vezes nos sentimos
ufanos de comentários favoráveis a nosso respeito e nos deixamos invadir por
uma confortável sensação de bonomia quando, complacentemente, ouvimos um
elogio? Não pensamos que, o elogio que nos é feito vem de alguém que não nos
conhece verdadeiramente, isto é, não imagina sequer os muitos defeitos do nosso
carácter?
Então, surge o medo que se
venha a saber, que de alguma forma descubram esses defeitos, essas deficiências
que conhecemos bem.
Medo da vida… sim… medo da
vida, do futuro, do dia de amanhã. O dia de hoje, este dia concreto em que
estamos, é que é importante e tem de ser vivido com plenitude, não descurando
nenhuma oportunidade que se nos apresente de fazer algo bom, de emendar algo
errado que fizemos ontem, de concretizar aquele plano que tínhamos guardado.
Hoje é o tempo oportuno, a
ocasião favorável.
Medo do comprometimento em
algo que exija de nós desprendimento, serviço, doação. Daquilo que pode alterar
a tranquilidade do nosso viver, o ritmo a que estamos habituados do esquema de
vida que fomos construindo ao longo dos anos e onde nos sentimos confortáveis.
Medo de corrigir o que está
mal nos outros de, com caridade, mas com
desassombro, apontar o erro, o engano.
Medo de “ficar mal” se nos mantivermos
firmes nas nossas convicções bem informadas e não transigirmos com o erro –
propositado ou fruto da ignorância – que outros divulgam à nossa volta.
Medo
de procurar conselho, ajuda quando pensamos que esse conselho, essa ajuda, vem
exigir de nós novas atitudes de correcção interior.
Medo, finalmente, de não
sermos ouvidos nas nossas preces quando consideramos a nossa total falta de
merecimento.
Não revelam, todos estes
“medos” falta de coragem, ou seja, cobardia?
Jesus Cristo deu-nos
numerosos exemplos do que é não ter medo.
Por exemplo, quando pegou
num azorrague expulsou os vendilhões do templo, não teve medo de ser mal
interpretado, nem então nem nos séculos futuros, e poder ser considerado um
arruaceiro intransigente e fanático.
Fez o que achou que deveria
ser feito, exactamente para nos ensinar o que, em situações semelhantes de
adulteração e profanação do sagrado – e tantas há nos nossos dias – devemos
fazer.
As Suas atitudes eram tão
desassombradas que Lhe perguntavam: «Com
que autoridade fazes estas coisas» E, Jesus, não ficou “mal”, bem pelo
contrário.
A Sua resposta é a adequada
às pessoas preconceituosas que o interrogam: «Também Eu vos farei uma pergunta; respondei-me e
dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas: O baptismo de João era
do Céu, ou dos homens? Respondei-me.» ([4])
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