02/08/2023

Publicações em Agosto 02

  


Dentro do Evangelho –  (cfr: São Josemaria, Sulco 253)

 

(Re Mc XII…)

 

Dentro do Evangelho –  (cfr: São Josemaria, Sulco 253)

«Clamei bem alto e não me ouvias! No denso nevoeiro da doença, mergulhado num mar povoado de estranhos seres, sem saber se estava acordado ou adormecido, sem ter a noção onde começava e acabava o meu corpo: a cabeça... os pés... as mãos...; “aparafusado” numa cama que fazia parte de mim... os calcanhares...? (como é possível doerem tanto, os calcanhares?!...), clamei por Ti e não me ouvias! E, eu, mergulhava outra vez naquele oceano de perdição e voltava à superfície e de novo me perdia. Havia uma espécie de estratificação dos pensamentos, tinha tudo ordenado, muito bem organizado na minha cabeça: azuis, encarnados, verdes... dois azuis, três verdes... não... agora é um verde e depois... três ou quatro doutra cor qualquer. (decidi que as cores não eram importantes). Nada fazia sentido, estava vivo...?; morto...?; moribundo...? calado...?; aos gritos...? e o ar? Sim o ar: era solene, composto, digno ou, pelo contrário tinha a boca retorcida num esgar, os olhos vítreos esbugalhados, o gesto descontrolado? ‘Ne timeas!’’ Ouvi-te, finalmente! Percebi, então, só então, que estava tão preocupado com a minha doença, o meu sofrimento, que ficara incapacitado para Te ouvir...

Tranquilo, fui repetindo até adormecer: Ofereço..., ofereço..., ofereço!

Faça-se, cumpra-se a Tua Justíssima e Amabilíssima Vontade sobre todas as coisas. Ámen. Ámen.» ([1])

 

Como somos pequenos… e fracos… e débeis… Tantas coisas que nos afectam o espírito e condicionam a vontade! Por vezes há como que um alheamento da realidade, pretendemos conseguir resolver as dificuldades ignorando-as, na esperança, fútil, que elas se resolvam por si mesmas. Outras vezes dizemos para nós mesmos que já rezámos pelo assunto – até fizemos uma novena – e, portanto, tudo se resolverá.

Que tentação! ‘Já rezaste… deixa lá…’

O maligno sabe muito bem por onde pegar, e, embora não possa conhecer o nosso íntimo, pelos sinais exteriores apercebe-se da nossa fragilidade, talvez momentânea, e não perde ocasião de a aproveitar.

«Os espíritos imundos não podem conhecer a natureza dos nossos pensamentos. Unicamente lhes é dado adivinhá-los mercê de indícios sensíveis, ou examinando as nossas disposições, as nossas palavras ou as coisas que indicam uma propensão da nossa parte. Ao invés o que não exteriorizamos e permanece oculto nas nossas almas, é-lhes totalmente inacessível. Inclusive os próprios pensamentos que eles nos sugerem, o acolhimento que lhes damos, a reacção que nos causam, tudo isto não o conhecem pela própria essência da alma (...) mas, em todo o caso, pelos movimentos e manifestações externas. ([2])

 

Temos sempre de pôr todos os meios na procura do que necessitamos. O Senhor não espera de nós nada que vá além das nossas forças e das nossas capacidades. Mas espera que as utilizemos, todas, com critério e sem desfalecimentos.

Jesus não é uma espécie de milagreiro a quem recorremos nas aflições, nas dificuldades, resolvendo as coisas, ou concedendo sem demora aquilo que pedimos. É verdade que Deus é infinitamente bondoso, mas também é infinitamente justo.

A Sua justiça pede, portanto, um empenhamento pessoal, dedicado e completo.

Atrever-me-ia a dizer que, muitas vezes, o Senhor concede a graça que pedimos, não pela graça em si, pelo bem em que ela consiste, mas movido pelo esforço, empenho e persistência que pusemos da nossa parte em conquistá-la.

O contrário será, talvez, uma espécie de tentação a Deus, apresentar-nos assim, miserandos, aflitos e até chorosos, ante o Senhor, pedindo-lhe que nos conceda isto ou aquilo. Com Deus não se fazem chantagens ou exercem pressões, ou se fazem negócios do género: ‘se me concederes isto eu, faço aquilo’.

 

No nosso mar “particular”, que é a nossa vida, não estamos nunca sozinhos. Na margem, Jesus espera uma oportunidade de subir para a nossa barca para nos indicar o melhor rumo a seguir. Quer que vamos mar adentro «duc in altum», mas sabe muito bem que somos incapazes, por nós mesmos, de o fazer. E, então, dispõe-se a dar-nos as instruções precisas, fundamentais que, só um timoneiro divino pode dar. Remar sem descanso, com um ritmo certo e vigoroso, levantar as velas quando houver vento favorável, recolhê-las, cautelosamente, quando a tempestade se aproxima, corrigir o rumo quando as correntes nos desviam da rota e, finalmente, lançar a rede onde só Ele sabe que há peixe para recolher. É um trabalho de uma vida, sem descanso nem distracções, somos pescadores não do “nosso mar” mas do oceano divino e, o mandato que recebemos é bem preciso: Pescadores de homens!

‘Quais homens?’ pergunto-me às vezes. E a resposta é sempre a mesma: ‘Todos os homens, todos são Meus filhos, por todos dei a Minha Vida’.

Há para aí alguns – muitos, infelizmente – que andam perdidos, embrulhados nas redes das paixões deste mundo, confundidos com as correntes das opiniões dos outros, desnorteados com os rumos que lhe sugerem. ‘Tu – diz-me Ele a mim – és importante, imprescindível para os trazeres de volta à praia. Aqueles que esperam por ti, se não os encontrares e salvares, perder-se-ão porque não há substitutos para a tua missão.’

 

«Por cima do meu mar revolto levantou-se um nevoeiro espesso que me envolvia como num manto ou, talvez, como uma mortalha bem à minha medida já que não conseguia mexer-me minimamente. Queria muito tocar o nevoeiro, a sua textura, perceber de que era feito. Parecia-me como que uma espuma das ondas do mar bravio, mas, ao mesmo tempo, também se apresentava como uma nuvem etérea de uma tarde de Inverno, mas as minhas mãos não me obedeciam. Estavam onde deviam estar, nas extremidades dos braços, aparentemente prontas e disponíveis para o que fosse preciso, mas... não…, não conseguia movê-las, ou melhor, moviam-se como se tivessem vontade própria, para coçar uma comichão no nariz, a mão direita ia “viajar” até à nuca, depois ao pescoço e, quando lhe parecia, lá tocava, então, no nariz. Entretanto, a esquerda, para carregar no botão do telemóvel para atender uma chamada, encarava o serviço como algo tão difícil e custoso que, normalmente, quem me chamava, desistia.

‘Nevoeiro e mar... Que mais, Senhor, que mais mandas? Olha que eu... não posso, sou fraco, débil, tenho medo!’

 

Ne timeas!

Ouvi-Te e... deixei-me “ir” murmurando como podia: 'Gratias tibi, Gratias tibi'.» ([3])

 

O medo! O medo paralisa.

O medo revela, sempre, uma atitude de cobardia pessoal. Assumir as consequências das nossas atitudes, dos actos que praticamos é, muitas vezes difícil, nomeadamente quando, por um motivo ou outro, temos a percepção que merecemos crítica ou reparo.

Faz parte da vida de todos os dias, a vida corrente de cada um, ter de assumir responsabilidades, grandes ou pequenas, dar respostas, tomar decisões. Fugir ou pretender ignorar, ou, muitas vezes, adiar para uma ocasião que consideremos mais oportuna ou favorável, não resolve nada, bem pelo contrário, talvez agrave e complique, desnecessariamente, a questão.

Quantas vezes nos sentimos ufanos de comentários favoráveis a nosso respeito e nos deixamos invadir por uma confortável sensação de bonomia quando, complacentemente, ouvimos um elogio? Não pensamos que, o elogio que nos é feito vem de alguém que não nos conhece verdadeiramente, isto é, não imagina sequer os muitos defeitos do nosso carácter?

Então, surge o medo que se venha a saber, que de alguma forma descubram esses defeitos, essas deficiências que conhecemos bem. 

Medo da vida… sim… medo da vida, do futuro, do dia de amanhã. O dia de hoje, este dia concreto em que estamos, é que é importante e tem de ser vivido com plenitude, não descurando nenhuma oportunidade que se nos apresente de fazer algo bom, de emendar algo errado que fizemos ontem, de concretizar aquele plano que tínhamos guardado.

Hoje é o tempo oportuno, a ocasião favorável.

Medo do comprometimento em algo que exija de nós desprendimento, serviço, doação. Daquilo que pode alterar a tranquilidade do nosso viver, o ritmo a que estamos habituados do esquema de vida que fomos construindo ao longo dos anos e onde nos sentimos confortáveis.

Medo de corrigir o que está mal nos outros de, com caridade, mas com desassombro, apontar o erro, o engano.

Medo de “ficar mal” se nos mantivermos firmes nas nossas convicções bem informadas e não transigirmos com o erro – propositado ou fruto da ignorância – que outros divulgam à nossa volta.

Medo de procurar conselho, ajuda quando pensamos que esse conselho, essa ajuda, vem exigir de nós novas atitudes de correcção interior.

Medo, finalmente, de não sermos ouvidos nas nossas preces quando consideramos a nossa total falta de merecimento.

Não revelam, todos estes “medos” falta de coragem, ou seja, cobardia?

 

Jesus Cristo deu-nos numerosos exemplos do que é não ter medo.

Por exemplo, quando pegou num azorrague expulsou os vendilhões do templo, não teve medo de ser mal interpretado, nem então nem nos séculos futuros, e poder ser considerado um arruaceiro intransigente e fanático.

Fez o que achou que deveria ser feito, exactamente para nos ensinar o que, em situações semelhantes de adulteração e profanação do sagrado – e tantas há nos nossos dias – devemos fazer.

As Suas atitudes eram tão desassombradas que Lhe perguntavam: «Com que autoridade fazes estas coisas» E, Jesus, não ficou “mal”, bem pelo contrário.

A Sua resposta é a adequada às pessoas preconceituosas que o interrogam: «Também Eu vos farei uma pergunta; respondei-me e dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas: O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-me([4])

 

Links sugeridos:

 

Opus Dei

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Santa Sé

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[1] AMA, memórias do Hospital, Synesthesia,

[2] Cassiano, Collationes, VI 17.

[3] AMA, memórias do Hospital, Synesthesia,

[4] Cfr. Mc 11, 27-33.

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