Dentro
do Evangelho – (cfr:
São Josemaria, Sulco 253)
(Re Mt XVVIII)
Personagem
Desta vez vou
“meter-me” neste trecho de São Mateus personificando a figura do Rei.
Tenho por hábito –
assim me ensinou o Rei meu Pai – acudir às necessidades dos meus súbditos e,
por vezes, vou algo mais além do que seria aconselhável ou, até, prudente. Aconteceu
exactamente com um homem que, sei, possuía razoáveis meios de fortuna, mas que
por motivos que não averiguei se viu numa situação muito delicada. Veio à minha
presença várias vezes com pedidos de ajuda que nunca lhe neguei. Concedi-lhe
sempre o que me pedia. Acontece que
ontem mesmo, o meu administrador veio ter comigo para me expor um problema que
me deixou… atónito. Começou por dizer-me que o erário real estava francamente
desfalcado e que os empréstimos que vinha fazendo não poderiam continuar no
mesmo ritmo e, sobretudo, montantes, sob pena de correr risco de forte
recessão. Concretamente referiu-me o tal servo de que falava cuja dívida
atingia a enormidade de dez mil talentos!
Rapidamente fiz as ”contas”: Dez mil talentos, uns sessenta milhões de
denários! Sendo um denário o salário diário de um trabalhador… Tive de
reconhecer que me excedera e de algum modo não fora justo para com os outros
meus súbditos entregando a um o que poderia ter repartido por muitos. Mandei
chamar o homem e, sem mais, disse-lhe que era tempo de me devolver o que lhe
emprestara. A reacção foi surpreendente: disse-me pura e simplesmente que não
tinha como pagar-me. Perguntei-lhe o que fizera com tanto dinheiro que lhe
emprestara para reconstruir a sua vida, mas… não me deu resposta. Ao meu ouvido o administrador dizia-me que
este súbdito não era muito boa pessoa, descurava os seus deveres até para com a
família e, tudo isto porque tinha o terrível vício da avareza. No fim e ao cabo
o dinheiro que eu lhe dava graciosamente servia para empresta-lo a outros
cobrando juros elevadíssimos, praticando uma usura miserável com o que não era
de facto seu. Fiquei naturalmente indignado e lavrei uma sentença que, em suma,
decretava que se vendesse quanto tinha, se apreendessem todos os seus bens, se
necessário vendessem a mulher e os filhos até reunir a quantia em dívida. Mas o
desgraçado – não posso chamar-lhe outra coisa – lavado em lágrimas e gemendo
pediu-me encarecidamente que lhe desse um pouco mais de tempo, que conseguiria resolver
a sua vida e reunir o necessário para satisfazer a dívida. Tive pena do pobre
homem, é verdade! Senti uma enorme pena de uma pessoa que, não obstante a sua
má conduta, talvez merecesse que lhe concedesse o que me pedia. Mas eu tinha
bem a noção da enormidade da dívida e que nunca lhe seria possível devolver-me
o que lhe emprestara. Assim, para acabar com o assunto e na esperança que
realmente se corrigisse, perdoei-lhe toda a dívida e mandei-o embora em paz.
Confesso que fiquei muito contente com a minha decisão, afinal de que me serve
ser Rei se não posso fazer o que quero com o que é meu?
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