Dentro
do Evangelho
(Re Jo III, 21)
6 Aquilo
que nasce da carne é carne, e aquilo que nasce do Espírito é espírito. 7 Não te
admires por Eu te ter dito: Vós tendes de nascer do Alto. 8 O vento sopra onde
quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim
acontece com todo aquele que nasceu do Espírito. 9 Nicodemos interveio e
disse-lhe: ‘Como pode ser isso?’ 10 Jesus respondeu-lhe: Tu és mestre em Israel
e não sabes estas coisas? 11 Em verdade, em verdade te digo: nós falamos do que
sabemos e damos testemunho do que vimos, mas vós não aceitais o nosso
testemunho. 12 Se vos falei das coisas da terra e não credes, como é que haveis
de crer quando vos falar das coisas do Céu? 13 Pois
ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem. 14 Assim
como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho
do Homem seja erguido ao alto, 15 a fim de que todo o que nele crê tenha a vida
eterna. 16 Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a
fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. 17 De
facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que
o mundo seja salvo por Ele. 18 Quem nele crê não é condenado, mas quem não
crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. 19 E a
condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à
Luz, porque as suas obras eram más. 20 De facto, quem pratica o mal odeia a Luz
e não se aproxima da Luz para que as suas acções não sejam desmascaradas. 21 Mas
quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os
seus actos são feitos segundo Deus.
Comentários:
O
Evangelista São João ocupa praticamente um capítulo – o XIII - do Evangelho que
escreve a discorrer sobre a conversa de Jesus com o fariseu Nicodemos. É muito
importante que o faça para que fique bem claro que o Senhor não Se exime a discorrer
em termos e com argumentação de cariz mais elevado – por assim dizer – mas que
é o mais indicado para a cultura do ouvinte. Também nós, seguidores de Cristo
encarregados por Ele de disseminar por todas as partes a Sua Palavra, temos de
fazer um verdadeiro esforço para nos adaptarmos quer às circunstâncias quer às
audiências e não nos limitarmos a “papaguear” frases feitas e argumentos
genéricos. Uma homilia, palestra ou conferência, tem de ser preparada e pensada
detidamente sem o que se estará a faltar ao respeito aos ouvintes como, talvez,
as nossas palavras não tenham o impacto e acolhimento que deveriam ter. Não
temos que ser “doutores” nem ter qualidades oratórias especiais, bastará sermos
honestos, sinceros e pedir a assistência do Espírito Santo.
Há
um pormenor interessante na declaração inicial de Nicodemos: ‘sabemos que
foste enviado por Deus». Este "sabemos" permite-nos pensar que
haveria outros Fariseus e outros principais entre os judeus que partilhavam a
mesma opinião que Nicodemos a respeito de Jesus Cristo. É uma conclusão que
além de lógica nos deve alegrar muito e, sobretudo, a não aceitar a opinião que
TODOS estes estavam contra Cristo.
Não
sabemos porque prevaleceu a vontade de dar a morte ao Senhor se por maioria,
por temor, ou outra razão qualquer, seja como for, pelo menos dois – José de
Arimateia e Nicodemos – demonstraram uma coragem e desassombro que de alguma
forma “redime” a atitude dos outros. Ao pedirem a Pilatos o corpo do Senhor e
dar-lhe sepultura condigna, obtiveram um lugar entre os que o Senhor
consideraria Seus amigos.
Renascer!
A resposta de Jesus a Nicodemos que não a compreende de imediato. As pessoas
estão mais habituadas a falar das coisas temporais que das do espírito e,
portanto, vêm com maior facilidade com os olhos do corpo que com os olhos da
alma. O que se trata aqui é do chamado "homem novo" que aparece, por
assim dizer, com a ressurreição de Cristo, assumindo com pleno direito a
filiação divina. Mas, argumenta-se, antes o homem não era filho de Deus? Realmente,
antes, o homem era uma criatura pertencente a Deus, depois, com a Ressurreição,
assume o estatuto de Filho deixando de ser uma "posse" para passar
afazer parte de uma família: a Família Divina.
Nicodemos
não entende que Cristo lhe fala de uma vida nova, a vida dos filhos de Deus. E,
naturalmente, fala-lhe da fé imprescindível para acreditar e para, acreditando,
renascer. Garante-lhe que o Seu sacrifício na Cruz será o sinal e o penhor
dessa nova vida.
A
conversa de Jesus com Nicodemos não pode ser mais esclarecedora. O fariseu é,
sem dúvida, uma pessoa bem-intencionada e com evidente vontade de conhecer em
profundidade a doutrina de Jesus e a Sua Pessoa. Por isso mesmo o Senhor o
esclarece num tom e com argumentos que deixam antever uma especial relação
entre os dois. Nicodemos é um homem sereno e justo e, para Jesus Cristo, estas
são qualidades absolutamente necessárias a quem quer intimar com Ele. Podemos
legitimamente presumir que as conversas entre os dois foram inúmeras e que
Jesus se comprazia em atender e acolher aquele homem bem-intencionado que O
procurava com honestidade intelectual e sinceros desejos de compreender para
poder acreditar.
A
Cruz – a Cruz de Cristo – ficará para todo o sempre como o sinal do Amor Maior,
da Doação Suprema. Não se pode separar Cristo da Cruz porque foi nela que deu a
Sua Vida para redenção dos homens e salvação da humanidade. No deserto, os que
eram mordidos por serpentes olhavam para a serpente de bronze que Moisés
colocara no alto de um poste e ficavam curados, nesta nossa vida corrente,
olhamos para a Cristo na Cruz e ficamos curados das nossas dúvidas e medos,
sentimos a tranquila certeza de que Ele vela por nós. Ninguém, seja quem for,
fica imune ou indiferente a Cristo na Cruz, atrai o olhar de todos, todos têm
de O ver.
Esta
afirmação de Jesus Cristo: «Deus não
enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja
salvo por Ele» contém toda a razão que moveu a Vontade de Deus em enviar o
Seu Filho Unigénito ao mundo. O Criador via a que, a criatura humana estava
irremediavelmente perdida depois do pecado de Adão e Eva, por si só, fizesse o
que fizesse, não poderia salvar-se porque o “fosso” aberto pelo pecado original
lhe era impossível de transpor. O Amor de Deus pelas criaturas é de tal ordem
que unicamente prevê a sua salvação, ou seja, a sua companhia por toda a
eternidade. Mas, esta “decisão” do Senhor tem, talvez, um objectivo principal:
teria de ser de tal forma grandiosa, excedendo todo o amor de forma total e
definitiva que, a partir desse momento, acontece uma clivagem tão profunda e
marcante que a criatura jamais será a mesma. Mantendo a sua liberdade dá-lhe a
possibilidade se ser Seu filho verdadeiro e com Ele gozar a bem aventurança
eterna.
A Bíblia relata que Deus mandara Moisés colocar no
alto de um poste uma serpente de bronze de modo a que quantos fossem mordidos
por serpentes a olhassem e ficassem curados. Aqui, Jesus Cristo faz como que
uma analogia entre este episódio e a Sua própria crucificação. «Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia
traham ad meipsum.» O Crucificado atrai o olhar de toda a humanidade,
contemplar a Cruz de Cristo onde nos salvou e redimiu, é um acto de fé e de
amor, de gratidão e confiança, é como que o “emblema” que o cristão transporta
consigo onde quer que vá, onde quer que esteja. Tal como a tradição refere,
“com este sinal… vencerás”, é o estandarte que nos guiará sempre à vitória
final que é a conquista do Reino dos Céus.
Já o
dissemos, mas, repetimos: Cristo e a Cruz são inseparáveis. Parece que alguns
arquitectos ou decoradores de Igrejas, ignoram esta afirmação e, então, vemos
imagens de Cristo pendendo de uma parede ou uma Cruz simples, sem o
Crucificado. Não pode ser e NUNC COEPI chama a tenção para este assunto. Junto
do altar onde se celebra a Santa Missa, - seja de lado, em cima do próprio
altar ou atrás deste – tem de existir um Crucifixo bem visível por toda a
assembleia.
Também
a nós o Senhor nos diz constantemente:
Levanta-te, sai desse torpor, desse comodismo em que estás mergulhado e anda,
vem comigo! Muitos estão à tua espera para que os assistas nas suas
necessidades, fales de salvação e de esperança, de amor e solidariedade, de fé
e confiança. Não fiques deitado quando podes andar, não te detenhas metido em
ti mesmo e nos teus problemas. Estão à tua espera para que os ajudes a resolver
os deles. Levanta-te! Anda!
A atracção autêntica, real que a Cruz exerce sobre a
humanidade torna-se irresistível quando está presente o Amor. Sim, o amor autêntico
tal como o do próprio Deus Criador que quis salvar-nos de nós próprios
dando-nos o Seu Próprio Filho como garantia desse mesmo Amor. E o Filho levou
ainda mais longe – se assim se pode dizer – esse Amor ao oferecer em holocausto
a Sua Vida na Cruz. Por mais que alguns tentem fugir-lhe ou negá-la, a Cruz de
Cristo está sempre presente e assim permanecerá até ao final dos tempos.
São
João é radical, não deixa nada por dizer e escreve o que ouviu da própria boca
de Jesus. Então, podemos dizer, que O Senhor É radical? Se radicalismo
significa dizer a absoluta verdade sem qualquer desvio ou "nuance"
então, podemos dizer que sim. Mais... penso que não poderia ser de outro modo
porque, sendo Ele Próprio a Verdade, como poderia dizer e agir diferentemente? A
Verdade não se compadece com "meias palavras", talvez para não
"chocar" ou não desagradar a alguns, a Verdade é, por isso mesmo, a
expressão completa da justiça e, uma vez mais afirmamos, que Deus é a própria
Justiça.
São
João enfatiza, mais uma vez, que o Amor de Deus pelos homens não conhece
limites.Podemos perguntar que Deus é Este que quer, deseja e “paga um preço”
tremendo para salvar as criaturas que Lhe pertencem – porque as criou? A
resposta parece clara: É um Deus de Amor! Que o homem se salve ou não, passa a
depender exclusivamente da vontade própria, Ele, o Criador, pôs à sua
disposição os meios necessários e suficientes para que o consiga. Este Deus de
Amor também É um Deus de Liberdade! A salvação do homem não acrescenta em nada
a Sua Glória Incomensurável, mas compraz o Seu Amor Infinito.
Este
mistério da Santíssima Trindade tem sido, ao longo dos tempos, desde que Jesus
Cristo o revelou, estudado e meditado por inúmeras pessoas, algumas de enorme
craveira, de escassa cultura, outras. Mas, a verdade, é que a revelação de
Jesus se dirigia a quantos O escutavam, o povo simples, anónimo, como a todos
os outros, incluindo, por exemplo, os Doutores da Lei. Assim devemos pensar que
todos estamos incluídos e, sobretudo, acreditar na revelação divina e que um
dia tudo se tornará claro e transparente.
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