POR
DENTRO DOS EVANGELHOS
Re. Mc XII
Voltamos ao início, a caminho do porto do nosso
destino que não sabemos muito bem qual seja, mas como vamos na Sua companhia,
podemos ter a certeza que, se deixarmos que nos guie, havemos de chegar, sãos e
salvos. E o caminho é difícil, cheio de obstáculos, rondando, por vezes,
precipícios, à nossa vista, inultrapassáveis?
Não importa. Ele dá-nos o Seu braço, apoiamo-nos no
Seu ombro cuja robustez suportou a Cruz, iluminando com a claridade do Seu
olhar amabilíssimo os dias mais escuros quando a tristeza, a preocupação, a
dúvida, nos assaltam.
Sabemos isto tão bem e, não poucas vezes, desprezamos
auxílio tão excelente!
Pelo caminho, contemos-Lhe o que se passa connosco,
digamos-Lhe o que nos acontece, com pormenor humilde e confiado, não nos
fiquemos por generalidades, com toda a franqueza e sinceridade, abramos o
coração sem medo que Ele não nos compreenda ou que, aquilo que Lhe revelamos,
seja um disparate, se o que desejamos parece inacessível, se o que pensamos que
nos falta não é na verdade necessário.
Ele sabe, conhece, entende e… compreende.
Cumprir a Vontade de Deus é o caminho para a nossa
salvação, não duvidamos disto. Perante a “enormidade” da tarefa, pensemos
simplesmente que, afinal, fazê-lo se resume a caminhar com Jesus.
Não duvidamos porque Ele é a Verdade. Temos a certeza
porque Ele é o Caminho. Salvar-nos-emos porque Ele é a Vida.
«Acompanhava-o grande multidão, que o
apertava».
A multidão segue, sem hesitar, Jesus que caminha. Há à Sua volta como que
um ar de mistério, algo grande, extraordinário, fora do comum. As pessoas estão
ansiosas, não obtêm respostas para as suas preocupações, não só o futuro, mas
também o imediato é difícil, problemático.
A ocupação romana é um peso insuportável e a cada momento surgem paladinos
mais ou menos exaltados que procuram nas multidões a força que lhes falta. Uns
têm carisma e conseguem arrastar durante algum tempo alguns seguidores, outros,
nem isso, são apenas uns ladinos em busca de apoios e sustento. Destes todos,
nenhum se enfrenta com os Fariseus ou os Príncipes dos Sacerdotes que, supostamente,
estarão do seu lado. Vituperam contra o povo que os domina e explora e, que, na
sua exaltada apreciação, representa todo o mal sobre a terra. E, a verdade é
que o conquistador romano os deixa bastante à vontade. Não se preocupa com as
suas disputas estéreis sobre problemas duma religião que, de resto, não
entende. As coisas parecem-lhe muito complicadas, com leis contraditórias que,
numa grande parte, apenas servem para sobrecarregar ainda mais o povo anónimo
com regras e mais regras muitas das quais tocam o ridículo e absurdo.
De vez em quando, se a agitação for maior e houver sedição, atiram para os
calabouços com dois ou três dos mais notórios, castigam-nos para “dar exemplo”
e, depois, devolvem-nos às ruas.
Mas as gentes continuam a seguir estas luminárias, sempre na esperança de
algo melhor. Há séculos que lhes dizem que há-de vir um Salvador, alguém que,
empunhando um facho de luz irresistível, guiará o povo rompendo as trevas do
cativeiro, devolvendo a honra, o orgulho, a alegria à população espezinhada.
Com o passar dos séculos, este personagem anunciado
pelos profetas foi-se transformando num ser fantástico, mítico, com poderes e
capacidades extraordinárias, um guerreiro imbatível capaz de levar de vencida o
maior e mais poderoso império da terra. Foram-se desvanecendo os sinais
anunciados como prenúncio da chegada deste salvador, esqueceram-se a maior
parte das profecias que falavam de morte, sacrifício, imolação.
O Salvador será um vencedor, um atleta, um líder de
atracção irresistível.
Com Jesus é diferente. Não fala de vitórias, nem de
batalhas, nem de guerras e, muito menos de vinganças, de desforra.
A Sua voz serena e grave, tem um tom de suave
reconvenção, de apaziguamento. Não faz acepção de pessoas, não nega a atenção a
ninguém. Move-o o sofrimento, a dor, a angústia dos que d’Ele se acercam.
Emociona-Se quando contempla as praças das cidades pejadas de estropiados,
coxos, cegos, destroços humanos na mais gritante miséria.
Fala em Seu nome. Diz sempre: «Eu digo-vos»!
E, não obstante a serenidade da Sua voz, este «Eu digo-vos»! tem uma força, um poder
que convence, arrasta, entusiasma.
Muitos têm assistido a coisas extraordinárias: cura de
doentes graves, leprosos que ficam limpos, cegos que passam a ver, possessos
tranquilizados e em paz, tempestades que se convertem em bonança, vagas
alterosas que se abatem em ligeira ondulação e uns milhares de pessoas saciadas
com uns poucos de peixes e de pães. E, não menos estranho, é que todos O ouvem
quando fala, não importa a distância a que esteja e, mais estranho ainda, todos
O entendem como se falasse nas suas próprias línguas.
Os Evangelhos nunca o referem expressamente, mas é
evidente, numa multidão de uns milhares de pessoas alguns ficarão a uma
distância considerável do orador, ou quando vêm gentes de tantos lugares e
países, é mais que provável que muitos não falem ou entendam aramaico. Quando
penso nisto, considero que, de facto, hoje se passa exactamente a mesma coisa.
E, tal, não se deve às tecnologias modernas.
Não! Jesus fala comigo, sempre, particularmente,
esteja eu onde estiver e, ao mesmo tempo, fala com quem está do outro lado do
mundo. Entende a minha língua, entende todas as línguas. Penso que isto
acontece, porque este Jesus não é meu, é de toda a humanidade.
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