(Re Mt
XVIII)
O
servo de Zaqueu
Há
muitos anos que sirvo em casa de Zaqueu. Confesso que não é um trabalho muito
agradável e não fora o excelente salário há muito teria procurado outro. Mas…
também tenho de reconhecer que me afeiçoei ao meu amo não só porque me trata
bem, mas principalmente porque tenho a noção que sou o único amigo – e, às
vezes, confidente – que tem.
O
meu amo é «chefe dos publicanos» o que não lhe granjeia grandes
simpatias junto do povo pelo que tem muito poucos amigos.
Não
obstante ser «um homem rico» e possuir uma excelente casa, onde nada
falta, e uma mesa farta, vive de facto quase isolado e só.
Claro
que eu sei muito bem que todos suspeitam que os meios de fortuna lhe vêm
directamente do exercício da sua profissão de cobrador de impostos e não só das
“comissões” que os romanos lhe pagam para os cobrar, mas também porque muitas
vezes se “aproveita” de algumas situações cobrando mais do que o devido,
arrecadando para si esses dinheiros. Talvez, até, os seus colegas lhe entreguem
parte do que eles próprios também cobram a mais. Aconteceu, porém, que um dos
seus subordinados – um tal conhecido por Mateus – tinha subitamente abandonado
a profissão e, isto, em circunstâncias relatadas por muita gente do povo. Claro
que Mateus veio ter com o seu chefe – o meu amo – e contou-lhe o que sucedera e
o levara a tal decisão de mudar de vida.
Desde
então, o meu amo nunca mais teve sossego por causa de uma ideia fixa que se lhe
instalara no espírito: tinha de conhecer esse homem a que chamavam Jesus o
Nazareno, esse mesmo que fora “o responsável” pela mudança de vida de Mateus
que agora o seguia para onde quer que fosse. De facto, «procurava conhecer
de vista Jesus» porque, julgava ele,
um contacto pessoal não seria possível: um judeu falar com um publicano!!!
Um
dia, no mercado da cidade próxima, Jericó, deparei-me com uma agitação fora do
comum e informaram-me que esse Jesus ia passar por ali pelo que toda a gente se
juntava no caminho à saída da cidade para o ver e, se possível, fazer-lhe algum
pedido. Voltei a toda a pressa para casa e informei o meu amo dizendo-lhe que
ali estava a oportunidade porque tanto ansiava.
Ele
não hesitou um minuto sequer e «Correndo adiante, subiu a um sicómoro para O
ver» quando passasse por ali. Confesso que fiquei espantado com tal atitude
e percebi-me que o seu desejo de ver Jesus era de tal forma genuíno que não se
importou com o que outros pudessem dizer por se colocar, assim, empoleirado
numa árvore, algo inesperado por parte de uma pessoa tão importante.
O
cortejo que seguia Jesus aproximava-se e, então, aconteceu uma coisa
extraordinária: Jesus parou mesmo debaixo do sicómoro onde o meu amo se
empoleirara e «levantando os olhos disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa,
porque convém que Eu fique hoje em tua casa».
O
meu amo, radiante «desceu a toda a pressa, e recebeu-O alegremente»
Foi
um dia memorável que jamais esquecerei. Os dois, Jesus e Zaqueu, conversaram longamente
como se fossem “velhos amigos” e era bem notória a alegria e, ao mesmo tempo, a
serenidade que o meu amo ostentava. Não lhe importando os murmúrios que os
circunstantes deixavam escapar, as críticas e os “remoques”, pondo-se
subitamente «de pé diante do Senhor, disse-Lhe: Eis, Senhor, que dou
aos pobres metade dos meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém,
restituir-lhe-ei o quádruplo». Os murmúrios cessaram de repente e as
pessoas comentavam admiradas e algo incrédulas o que acabavam de ouvir. Mas, a
verdade, é que logo que Jesus se afastou o meu amo começou a tratar das coisas
tal como tinha dito e prometido.
O
que posso dizer é que o meu amo nunca mais foi o mesmo homem; a mudança na sua
vida, no seu modo de proceder foi tal que, aos poucos muitas pessoas que – como
atrás disse – evitavam qualquer contacto, passaram a ser visitas de sua casa e,
muitas vezes assisti, com pedidos de auxílio e assistência que nunca lhes
negava.
(AMA,
2018)
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