Dentro
do Evangelho – (cfr:
São Josemaria, Sulco 253)
(Re Lc XVIII)
Personagem
A vítima dos ladrões
Sou um judeu natural de Jerusalém, no
exercício da minha actividade desloco-me a várias povoações de Israel,
nomeadamente Jericó. O que faço? Bem… sou um cobrador de impostos, o que chamam
depreciativamente: um Publicano. Não tenho muitos amigos… na verdade… não tenho
sequer alguém a quem possa chamar: AMIGO! A princípio incomodava-me muito a
forma suspeitosa e, até, o desprezo com que me tratam e, tenho de reconhecer,
que um cobrador de impostos – sobretudo quando os impostos são cobrados em nome
do invasor da nossa Pátria – não pode esperar outra coisa dos seus
conterrâneos. Mas… é a minha vida… que hei-de eu fazer! Acordei hoje manhã, já
um pouco tarde, numa estalagem. Levei algum tempo a lembrar-me de quanto
acontecera na véspera. Como que em cenas pouco nítidas vi-me no caminho de
Jericó para Jerusalém com os alforges da minha montada, carregados com o
produto da cobrança. Sou assaltado por uns meliantes – três, parece-me – e
tentai defender-me como pude, só que eles não me deram tréguas e, talvez por se
aperceberem quem eu era, atacaram-me com tal violência que fiquei prostrado no
caminho. Não sei quanto tempo ali fiquei inconsciente e cheio de dores dos
golpes sofridos; lembro-me vagamente de
alguém que se aproximou de mim e me prestou assistência, tratou como pode as
minhas numerosas feridas deitando-lhes azeite e vinho. Nisto, o estalajadeiro aparece no meu quarto
e pergunta-me como me sinto, fico a olhar para ele. Como se percebesse da minha
confusão conta-me o que aconteceu, como tinha chegado na noite anterior trazido
por um Samaritano – o mesmo que me encontrara prostrado no caminho – que
tratara de mim e me instalara na cama. Tinha partido há pouco mas dissera que
voltaria passados dois dias. Na minha surpresa, perguntei: ‘Mas tens a certeza
que era um Samaritano?’ Compreendo a tua surpresa pois, na verdade, também eu
fiquei atónito. Disse-lhe: ‘Eu sou um Publicano e fui roubado e espoliado de
quanto trazia, não sei como vou pagar-te a minha estadia.’ Não te preocupes com
isso – responde-me – o teu “salvador” deixou-me dinheiro para cuidar de ti e
até me disse que se não fosse suficiente, no seu regresso me pagaria o que
faltasse.’ Quando o estalajadeiro saiu do meu quarto não pude deixar de pensar
no estranho e insólito e toda a situação. Como era possível? Um Samaritano e um
Judeu, ainda por cima, Publicano? Na minha vida tenho cometido alguns – talvez
bastantes – erros. Sobretudo abusos nas cobranças aproveitando-me das
circunstâncias para guardar para mim uma boa parte. Isto nunca me incomodou…
afinal é o que fazem todos os Publicanos! Bem sei que há pouco tempo atrás, um
colega, nos surpreendera a todos quando resolvera abandonar a profissão que
exercia precisamente em Jericó e devolver aos lesados o quádruplo do que se
apropriara e, como se não bastasse, oferecera aos pobres metade do que possuía.
Aliás circulava uma história sobre um encontro com um tal Jesus da Galileia a
quem oferecera um banquete depois do que passou a fazer parte do grupo dos que
o seguiam por todo o lado. Mas, confesso, não dei muita importância ao assunto.
Agora, porém, parece que um incómodo estranho está a revirar-me as entranhas e
começo a pensar que logo que possível tenho de encontrar-me com ele para que me
conte quanto aconteceu. Conheço-o bem e, se ele, tomou tais decisões é porque
algo muito especial aconteceu e, conhecendo-o como conheço, só posso concluir
que terá escolhido uma vida muitíssimo melhor que a que tinha antes. Estando
assim decidido, parece que as dores no meu corpo abrandaram e voltei a
adormecer.
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