24/12/2020

LEITURA ESPIRITUAL Dez 24

 

Evangelho

 

Mt XIV 22 – 34

 

Jesus anda sobre as águas

 

22 Depois, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. 23 Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. 24 O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. 25 De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26 Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27 No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28 Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29 «Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30 Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» 31 Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» 3 2E, quando entraram no barco, o vento amainou. 33 Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus, dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!»

 

Outras curas operadas por Jesus

 

34 Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. 35 Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região. Trouxeram-lhe todos os doentes, 36 suplicando-lhe que, ao menos, os deixasse tocar na orla do seu manto. E todos aqueles que a tocaram, ficaram curados.

 

 

 


 

  Existe, de facto, em cada um de nós um crítico em serviço permanente, comportamo-nos como se fosse-mos uma ilha isolada no meio de um vastíssimo oceano, onde afloram todas as águas trazendo com elas inúmeros detritos, objectos dos mais diversos, coisas que não são identificáveis, até, por vezes, cadáveres de afogados.

Dedicamos então, o nosso tempo livre, que é muito, a apreciar tudo isto, a tentar identificar, descobrir a origem, a causa, o porquê daquilo que nos veio às mãos.

Quer dizer, estamos de facto sozinhos nessa ilha, não temos ninguém que nos controle a ânsia de investigação, não temos, em suma, que dar contas a ninguém do que fazemos e, muito menos, das conclusões a que chegamos.

  Vamos guardando para nós, dentro de nós, um acervo interminável de opiniões, descobertas, conceitos. Conseguimos arranjar espaço para arquivar um enormíssimo catálogo que, no fim e ao cabo, não vai servir, nunca, para nada.

Talvez cheguemos à conclusão que, pelo menos, estamos a perder tempo na construção – manutenção – de tal armazém no qual nunca ninguém entrará para recolher o que seja. Ou, é possível que pensemos que talvez um dia, possamos ir retirando desse acervo coisas interessantes para comparar com outras que se nos vão deparando na vida.

  As ruas da cidade onde vivemos são a nossa ilha onde apreciamos os que passam: Este é baixo, aquela é gorda, estoutro parece tonto, aquele parece estar na companhia da filha mais nova ou, talvez, uma neta, aquele casal discute, este, vê-se bem, tem sérios problemas; reparamos no que sorri, ou  que tem a tristeza ou a preocupação estampadas no rosto, outro que se veste como um palhaço, outra que se julga uma estrela de cinema, um miúdo muito acertadinho, uma pessoa já de idade que coxeia bastante, aquele que corre com o suor a escorrer-lhe pelo pescoço, aproxima-se alguém que parece falar consigo mesmo…

  Registamos fotograficamente este interminável oceano que nos envolve com todos os pormenores, características, cores, volumes e dimensões. Com uma rapidez impressionante chegamos ao fim de uns minutos com um registo enormíssimo repleto de apontamentos, rasgos, traços, pinceladas, anotações… mas não temos um quadro, uma visão de conjunto, um todo.

Coisas esparsas, vagas, difusas, misturadas sem critério – nem preocupação de tê-lo – e, com tudo isto, que é muito, entramos finalmente em casa e constatamos que chegamos como partimos: Vazios!

  Às vezes, a nossa ilha, é o automóvel onde nos deslocamos, onde nos sentimos reis e senhores com uma série de direitos e prerrogativas.

  Quando na paragem do semáforo alguém se aproxima para nos pedir algo nem reparamos no gesto maquinal que fazemos que traduzido quererá, talvez, dizer: Tenha paciência…

  Paciência?

Claro que tem paciência se a não tivesse, não estava ali, horas, batendo nos vidros dos automóveis que param.

Se, de manhã, com um pequeno sorriso expectante de esperança, se ao final da tarde com um ar de cansaço desiludido.

  Quando surge o sinal verde, talvez pensemos: ‘Bolas podia ter dado uma moeda ao desgraçado, se calhar tinha fome…’ mas este pensamento desvanece-se tão rapidamente como surgiu: ‘Não! Chega! São os bombeiros, é para ajuda das crianças com não sei que doença, é para o asilo não sei de onde, é para a Liga dos Amigos de… não! o Estado, sim o Estado é que tem obrigação de olhar por estas coisas, suprir estas necessidades. É para isso que pago impostos.’

  (E… pago mesmo os impostos, não tento fugir, dar um “jeitinho”, afinal… todos fazem o mesmo!).

  E pronto! O brevíssimo incómodo passou. Atrás de nós, um qualquer carrega na buzina o que nos irrita profundamente. Só não fazemos um gesto feio porque levamos os miúdos no banco detrás.

‘Não querem lá ver o apressado! Se calhar o carro nem é dele, ou, o mais certo, é ter as prestações em atraso…’

  (Nem nos lembramos que, esse, talvez seja o nosso caso!)

 

(AMA, Migalhas para o caminho, ISBN 978-989-20.4856-7)

 

 

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