A liturgia e os sacramentos em geral
3.
A Liturgia
A liturgia cristã
«é essencialmente acção de Deus (actio Dei) que nos envolve em Jesus por
meio do Espírito» Bento XVI, Ex. ap.
Sacramentum Caritatis, 37., e possui uma dupla dimensão: ascendente e
descendente «Por um lado, a
Igreja, unida ao seu Senhor e “sob a acção do Espírito Santo” ( Lc 10, 21),
bendiz o Pai “pelo seu Dom inefável” ( 2 Cor 9, 15), mediante a adoração, o
louvor e a acção de graças. Por outro lado, e até à consumação do desígnio de
Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai “a oblação dos seus próprios dons”
e de Lhe implorar que envie o Espírito Santo sobre esta oblação, sobre si
própria, sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro, a fim de que, pela comunhão na
morte e ressurreição de Cristo-Sacerdote e pelo poder do Espírito, estas
bênçãos divinas produzam frutos de vida, «para que seja enaltecida a glória da
sua graça» ( Ef 1, 6)» (Catecismo 1083).. «A liturgia é “acção” do “Cristo total” (Christus
totus)» (Catecismo, 1136), por isso «é toda a
comunidade, o corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra» (Catecismo, 1140). No centro da assembleia
encontra-se o próprio Jesus Cristo (cf.
Mt 18, 20),
agora ressuscitado e glorioso. Cristo precede a assembleia que celebra. Ele –
que actua inseparavelmente unido ao Espírito Santo – convoca-a, reúne-a e
ensina-a. Ele, o Sumo e Eterno Sacerdote é o principal protagonista da acção
ritual que torna presente o evento fundador, embora se sirva dos seus ministros
para re-presentar (para tornar presente, real e verdadeiramente, no aqui e
agora da celebração litúrgica) o seu sacrifício redentor e tornar-nos
participantes dos dons conviviais da sua Eucaristia.
Sem esquecer que,
formando com Cristo-Cabeça «como que uma única pessoa mística» Pio XII, Enc. Mystici Corporis ; cf. Catecismo,
1119.,
a Igreja actua nos sacramentos como “comunidade sacerdotal”, “organicamente
estruturada”: graças ao Baptismo e à Confirmação, o povo sacerdotal torna-se
apto para celebrar a Eucaristia. Por isso, «as acções litúrgicas não são acções
privadas, mas celebrações da Igreja (…), pertencem a todo o corpo da Igreja,
manifestam-no e afectam-no, atingindo, porém, cada um dos membros de modo
diverso, segundo a variedade de estados, funções e participação actual» Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium
, 26; cf. Catecismo, 1140..
Em cada celebração
litúrgica comparticipa toda a Igreja, céus e terra, Deus e os homens (cf. Ap 5). A liturgia cristã, embora se celebre apenas aqui e
agora, num lugar concreto e expresse em si uma certa comunidade, é por natureza
católica, provém do todo e conduz ao todo, em unidade com o Papa, com os bispos
em comunhão com o Romano Pontífice, com os crentes de todas as épocas e lugares
«para que Deus seja tudo em todas as coisas» (1 Cor 15, 28). Nesta perspectiva, é fundamental o princípio de
que o verdadeiro sujeito da liturgia é a Igreja, concretamente a communio
sanctorum de todos os lugares e de todos os tempos («A oblação deve redundar em benefício de todos -
Orate, fratres, reza o sacerdote -, porque este sacrifício é meu e vosso, de
toda a Igreja Santa. Orai, irmãos, mesmo que sejam poucos os que se encontram
reunidos, mesmo que se encontre materialmente presente apenas um cristão ou até
só o celebrante, porque uma Missa é sempre o holocausto universal, o resgate de
todas as tribos e línguas e povos e nações! (cf. Ap 5, 9). Todos os cristãos,
pela comunhão dos Santos, recebem as graças de cada Missa, quer se celebre
diante de milhares de pessoas, quer haja apenas como único assistente um menino,
possivelmente distraído, a ajudar o sacerdote. Tanto num caso como noutro, a
Terra e o Céu unem-se para entoar com os Anjos do Senhor: Sanctus, Sanctus,
Sanctus...»( S. Josemaria Escrivá , Cristo que Passa).. Por isso, quanto mais uma
celebração está imbuída desta consciência, tanto mais nela se realiza
concretamente o sentido da liturgia. Expressão desta consciência de unidade e
universalidade da Igreja é o uso do latim e do canto gregoriano em algumas
partes da celebração litúrgica (Cf.
Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum Caritatis , 62; Concílio Vaticano II, Const.
Sacrosanctum Concilium, 54)..
A partir destas
considerações, podemos afirmar que a assembleia que celebra a Eucaristia é a
comunidade dos baptizados que, «pela regeneração e pela unção do Espírito
Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, para que,
por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais» (Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 10). Este “sacerdócio comum” é o
de Cristo, único Sacerdote, no qual todos os seus membros participam (Cf. Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 10
e 34; Decr. Presbyteorum Ordinis, 2).. «Assim, na celebração dos sacramentos, toda a
assembleia é “liturga”, cada qual segundo a sua função, mas “na unidade do
Espírito” que age em todos» (Catecismo,
1144).
Por isso, a participação nas celebrações litúrgicas, mesmo que não abarque toda
a vida sobrenatural dos fiéis, constitui para eles, como para toda a Igreja, o
cume para o qual tende toda a sua actividade e a fonte donde mana a sua força (Cf. Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum
Concilium , 20).. Na realidade, «a Igreja recebe-se e simultaneamente exprime-se nos sete
sacramentos, pelos quais a graça de Deus influencia concretamente a existência
dos fiéis para que toda a sua vida, redimida por Cristo, se torne culto
agradável a Deus» (Bento XVI, Ex. ap.
Sacramentum Caritatis , 16)..
Quando nos
referimos à assembleia como sujeito da celebração quer dizer que cada fiel, ao
actuar como membro participante da assembleia, faz tudo e só o que lhe
corresponde. «Os membros não têm todos a mesma função» (Rm 12, 4). Alguns são chamados por Deus na e pela Igreja para
um serviço especial da comunidade. Estes servidores são escolhidos pelo
sacramento da Ordem, por meio do qual o Espírito Santo os torna aptos para
actuar em representação de Cristo-Cabeça ao serviço de todos os membros da
Igreja (Cf. Concílio Vaticano II,
Decr. Presbyterorum Ordinis , 2 e 15).. Como São João Paulo II esclareceu em diversos
momentos, «in persona Christi quer dizer algo mais do que “em nome”, ou
então “nas vezes” de Cristo. In persona, isto é, na específica e
sacramental identificação com o Sumo e Eterno Sacerdote, que é o Autor e o
principal Sujeito deste seu próprio sacrifício, no que verdadeiramente não pode
ser substituído por ninguém» (São
João Paulo II, Enc. Ecclesia de Eucharistia, 29. Nas notas 59 e 60
reproduzem-se as intervenções do Magistério do século XX sobre este ponto: «O
ministro do altar age personificando Cristo cabeça, que oferece em nome de
todos os membros»). Podemos dizer graficamente, como diz o Catecismo, que «o ministro
ordenado é como que o “ícone” de Cristo-Sacerdote» (Catecismo 1142).
«O mistério
celebrado na liturgia é um só, mas as formas da sua celebração são diversas. A
riqueza insondável do mistério de Cristo é tal, que nenhuma tradição litúrgica
pode esgotar-lhe a expressão». (Catecismo,
1200-1201).
«As tradições litúrgicas ou ritos, actualmente em uso na Igreja, são: o rito
latino (principalmente o rito romano, mas também os ritos de certas igrejas
locais, como o rito ambrosiano ou o de certas ordens religiosas) e os ritos
bizantino, alexandrino ou copta, siríaco, arménio, maronita e caldeu» (Catecismo 1203). «A Igreja considera iguais em direito e honra
todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por
todos os meios promovidos» (Concílio
Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium , 4.a).
Juan José Silvestre
Revisão da versão
portuguesa por AMA.
Bibliografia básica
Catecismo da Igreja
Católica, 1066-1098; 1113-1143; 1200-1211 e 1667-1671.
Leituras
recomendadas
São Josemaria,
Homilia «A Eucaristia, mistério de fé e de amor», em Cristo que Passa, 83-94;
também os n. 70 e 80. Temas Actuais do Cristianismo, 115.
J. Ratzinger,
Introdução ao Espírito da Liturgia, Edições Paulinas, 2002.
J.L. Gutiérrez-Martín, Belleza y misterio. La
liturgia, vida de la Iglesia, EUNSA (Astrolabio), Pamplona 2006, pp. 53-84,
13-126.
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