01/08/2020

Vida de Maria


A VOZ DO MAGISTÉRIO

Em Nazaré

1
«Em Maria, a consciência de cumprir uma tarefa que Deus lhe tinha confiado atribuía um significado mais excelso à sua vida quotidiana. Os afazeres simples e humildes de cada dia assumiam, aos seus olhos, um valor singular, já que eram vividos por Ela como serviço à missão de Cristo.

O exemplo de Maria ilumina e encoraja a experiência de inúmeras mulheres, que realizam o seu trabalho quotidiano exclusivamente entre as paredes domésticas. Trata-se de um empenho humilde, oculto, repetitivo e, muitas vezes, não apreciado de modo suficiente. Contudo, os longos anos, vividos por Maria na casa de Nazaré, revelam as suas enormes potencialidades de amor autêntico e, portanto, de salvação. Com efeito, a simplicidade da vida de tantas donas de casa, sentida como missão de serviço e de amor, contém um valor extraordinário aos olhos do Senhor.

E pode-se até dizer que a vida de Nazaré, para Maria, não era dominada pela monotonia. Em contacto com Jesus que crescia, Ela esforçava-se por penetrar o mistério do seu Filho, contemplando e adorando. São Lucas diz: «Maria conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (2, 19; cf. 2, 51).

«Todas estas coisas»: são os acontecimentos de que Ela foi, ao mesmo tempo, protagonista e espectadora, a começar pela Anunciação; mas, sobretudo, é a vida do Menino. Cada dia de intimidade com Ele constitui um convite a conhecê-l’O melhor, a descobrir mais profundamente o significado da Sua presença e o mistério da Sua pessoa.

Poder-se-ia pensar que para Maria era fácil acreditar, dado que Ela vivia quotidianamente em contacto com Jesus. A respeito disso, porém, é preciso recordar que os aspectos singulares da personalidade do Filho permaneciam habitualmente ocultos; embora o Seu modo de agir fosse exemplar, Ele vivia uma vida semelhante à de tantos dos Seus coectâneos.

Durante os trinta anos da permanência em Nazaré, Jesus não manifesta as Suas qualidades sobrenaturais nem realiza gestos prodigiosos. Às primeiras manifestações extraordinárias da Sua personalidade, ligadas ao início da pregação, os Seus familiares (chamados no Evangelho «irmãos») assumem — segundo uma interpretação — a responsabilidade de O reconduzir a casa, porque julgam que o Seu modo de Se comportar não é normal (cf. Mc . 3, 21).

Na digna e laboriosa atmosfera de Nazaré, Maria esforçava-se por compreender a trama providencial da missão do Filho. Nesse sentido, para a Mãe foi certamente objecto de particular reflexão a frase que Jesus pronunciara no Templo de Jerusalém, quando tinha doze anos: «Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai» (Lc . 2, 49). Ao meditar sobre isto, Maria podia entender melhor o sentido da filiação divina de Jesus e o da sua maternidade, empenhando-se em divisar, no comportamento do Filho, os traços reveladores da Sua semelhança com Aquele a Quem Ele chamava «Meu Pai».

A comunhão de vida com Jesus, na casa de Nazaré, levou Maria a progredir não só «na peregrinação da fé» (LG , 58), mas também na esperança. Essa virtude, alimentada e sustentada pela lembrança da Anunciação e das palavras de Simeão, abrange toda a Sua existência terrena, mas é de modo particular exercida nos trinta anos de silêncio e ocultamento passados em Nazaré.

Entre as paredes domésticas a Virgem vive a esperança de forma excelsa; sabe que não ficará desiludida, ainda que não conheça os tempos e os modos com que Deus realizará a Sua promessa. Na obscuridade da fé e na ausência de sinais extraordinários, que anunciem o início da missão messiânica do Filho, Ela espera, para além de qualquer prova, aguardando de Deus o cumprimento da promessa.

Ambiente de crescimento da fé e da esperança, a casa de Nazaré torna-se um lugar de sublime testemunho da caridade. O amor que Cristo desejava infundir no mundo acende-se e arde, antes de tudo, no coração da Mãe: é precisamente no lar que se prepara o anúncio do Evangelho da caridade divina.

Olhando para Nazaré, contemplando o mistério da vida oculta de Jesus e da Virgem, somos convidados a reflectir sobre o mistério da nossa própria existência, que — recorda São Paulo — «está escondida com Cristo em Deus» (Col. 3, 3).

Trata-se, com frequência, de uma existência humilde e obscura aos olhos do mundo; porém, de uma existência que na escola de Maria pode manifestar inesperadas potencialidades de salvação, irradiando o amor e a paz de Cristo.»

(São João Paulo II ( século XX), Discurso na audiência geral, 29-I-1997)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.