30/05/2020

LEITURA ESPIRITUAL

COMENTANDO OS EVANGELHOS


São Marcos

Cap. VIII




1 Naqueles dias, havia outra vez uma grande multidão e não tinham que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: 2 «Tenho compaixão desta multidão. Há já três dias que permanecem junto de mim e não têm que comer. 3 Se os mandar embora em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe.» 4 Os discípulos responderam-lhe: «Como poderá alguém saciá-los de pão, aqui no deserto?» 5 Mas Ele perguntou: «Quantos pães tendes?» Disseram: «Sete.» 6 Ordenou que a multidão se sentasse no chão e, tomando os sete pães, deu graças, partiu-os e dava-os aos seus discípulos para eles os distribuírem à multidão. 7 Havia também alguns peixinhos. Jesus abençoou-os e mandou que os distribuíssem igualmente. 8 Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. 9 Ora, eram cerca de quatro mil. Despediu-os 10 e, subindo logo para o barco com os discípulos, foi para os lados de Dalmanuta. 11 Apareceram os fariseus e começaram a discutir com Ele, pedindo-lhe um sinal do céu para o pôr à prova. 12 Jesus, suspirando profundamente, disse: «Porque pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo: sinal algum será concedido a esta geração.» 13 E, deixando-os, embarcou de novo e foi para a outra margem. 14 Os discípulos tinham-se esquecido de levar pães e só traziam um pão no barco. 15 Jesus começou a avisá-los, dizendo: «Olhai: tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes.» 16 E eles discorriam entre si: «Não temos pão.» 17 Mas Ele, percebendo-o, disse: «Porque estais a discorrer que não tendes pão? Ainda não entendestes nem compreendestes? Tendes o vosso coração endurecido? 18 Tendes olhos e não vedes, tendes ouvidos e não ouvis? E não vos lembrais 19 de quantos cestos cheios de pedaços recolhestes, quando parti os cinco pães para aqueles cinco mil?» Responderam: «Doze.» 20 «E quando parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos cheios de bocados recolhestes?» Responderam: «Sete.» 21 Disse-lhes então: «Ainda não compreendeis?» 22 Chegaram a Betsaida e trouxeram-lhe um cego, pedindo-lhe que o tocasse. 23 Jesus tomou-o pela mão e conduziu-o para fora da aldeia. Deitou-lhe saliva nos olhos, impôs-lhe as mãos e perguntou: «Vês alguma coisa?» 24 Ele ergueu os olhos e respondeu: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar.» 25 Em seguida, Jesus impôs-lhe outra vez as mãos sobre os olhos e ele viu perfeitamente; ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez. 26 Jesus mandou-o para casa, dizendo: «Nem sequer entres na aldeia.» 27 Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» 28 Disseram-lhe: «João Baptista; outros, Elias; e outros, que és um dos profetas.» 29 «E vós, quem dizeis que Eu sou?» - perguntou-lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» 30 Ordenou-lhes, então, que não dissessem isto a ninguém. 31 Começou, depois, a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias. 32 E dizia claramente estas coisas. Pedro, desviando-se com Ele um pouco, começou a repreendê-lo. 33 Mas Jesus, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo-lhe: «Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens.» 34 Chamando a si a multidão, juntamente com os discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 35 Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. 36 Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? 37 Ou que pode o homem dar em troca da sua vida? 38 Pois quem se envergonhar de mim e das minhas palavras entre esta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos.»

Comentários:

Mais uma vez falamos de sinais que é – digamos – “a pedra de toque” usada pelos Escribas e Fariseus para, por assim dizer, pôr à prova quanto Jesus Cristo diz e faz. Mas, a verdade, é que nunca chegam a dizer que sinais são esses que pretendem e, isto, porque não sabem que sinais pedir. Ou, talvez, não queiram “arriscar” pedindo um sinal qualquer por mais extraordinário ou complexo que pudesse ser com receio que o Senhor resolva aceitar o que Lhe pedem. Nesse caso, não haveria outra solução que aceitarem de uma vez por todas o que negam com tanta veemência. É lícito, portanto, aduzir que sabem muito bem o poder divino que tudo pode que, de facto, Jesus Cristo detém. Sem o desejarem fazem uma autêntica profissão de fé aparentando, no entanto, que têm sobejas razões para duvidar. Toda esta postura é, no mínimo, desonesta e não se pode aceitar.
Um sinal do céu? Mas o que é um sinal do céu? Não será o próprio céu e tudo quanto nele e sob ele existe? Não vemos a obra de Deus a Criação extraordinária de beleza, ordem, complexidade magistral? Então?
Muitos pedem “sinais” aduzindo que precisam deles para acreditar. Mas… que sinais? Se não conseguem ver os numerosos, abundantes, sinais que Deus vai dando gratuitamente ao longo das nossas vidas, como conseguiriam ver ou distinguir outros quaisquer. Mais: além de tentarem Deus – o que é um pecado grave – mostram uma desonestidade intelectual gritante que nada convencerá ou será alguma vez suficiente para os satisfazer.
Francamente não me apetece comentar este trecho de São Marcos mas não tenho escolha, nem sequer, opção. O Evangelho é, todo ele, para ler (ou ouvir) e meditar e devemos – devo – fugir à tentação de repulsa ou animosidade por estes fariseus que se encarniçam até ao inconcebível contra o Senhor. Era necessário que assim acontecesse até porque estas atitudes davam oportunidade ao Senhor para, com infinita paciência, “pôr as coisas no seu devido lugar” respondendo não para humilhação dos fariseus – que na realidade não estavam interessados nas respostas de Cristo – mas para doutrinar o povo humilde e anónimo que O seguia e ouvia. E, a verdade é que, por várias vezes muitos diziam que nunca tinham ouvido alguém falar assim, com tal autoridade e clareza. Como é tão claro: de um mal aparente, o Senhor tira sempre algo bom!
Será então necessário morrer para ganhar a Vida Eterna? Temos de considerar as palavras de Cristo pelo seu significado e não pelo que traduzem e assim compreenderemos que de facto é necessário morrer não para a vida do mundo, mas para a vida mundana para conseguir alcançar o Reino de Deus. Há de facto uma escolha a fazer: seguir Cristo ou não! Mas, se a escolha for – como deve ser – segui-lo teremos de o fazer com plena consciência e entrega com os pés na terra, sem dúvida, mas com o coração no Céu!
São Marcos refere que Jesus «dizia claramente estas coisas». Mas, além de falar claramente deveria ser, ao mesmo tempo, convincente de tal modo que levou Pedro à reacção que não pôde guardar para si. O amor de Pedro por Jesus não “pode admitir” que aconteça o que Ele lhes anuncia. É um sentimento nobre e expressivo que “choca” com uma realidade que não consegue abarcar. Ele, Pedro, só vê à sua frente a figura de Jesus, não percebe que vê – também – Cristo, o Filho de Deus feito homem! Pode parecer, por momentos, que o Senhor poderia ter sido mais “brando” ou “compreensivo” com este Seu amigo mas, as palavras que profere mantêm-se na linha anterior: «dizia claramente estas coisas». E, aos poucos, Pedro irá guardando no seu coração todas estas coisas e, inevitavelmente, há-de chegar ao ponto de confessar – também claramente – quem é Jesus Cristo.
Neste trecho de São Marcos ficamos a saber algo importante: Jesus confirma duas multiplicações de pães e de peixes. Milagres extraordinários que deveriam ter deixado os discípulos “esmagados” com a prova do poder divino de Jesus. E, no entanto, São Pedro terá insistido com São Marcos para que fizesse constar no Evangelho esta ocorrência que relata e põe a nu a fraqueza da fé dos Apóstolos, as suas dúvidas e insegurança. Como devemos estar gratos ao Príncipe dos Apóstolos e ao Evangelista darem-nos este exemplo de humildade em que se revelam homens comuns – como nós – sem nenhuns predicados nem conhecimentos especiais.
O relato de São Marcos, revela bem a debilidade e falta de discernimento dos Apóstolos. São homens simples e práticos se se atêm às realidades visíveis e se mostram incapazes de “ver mais além”. O Senhor conhece muito bem os que Ele próprio escolheu e que com o passar dos dias na Sua convivência diária, testemunhando milagres e ouvindo a Sua doutrina, acabarão por adquirir uma fé forte, resistente e indestrutível. Quanto ao resto – a compreensão de tudo isto – virá mais tarde com a vinda do Espírito Santo e, a partir daí, as suas mentes ficarão totalmente esclarecidas e solidamente instruídas tornando-os capazes de cumprir a Missão para a qual os destinou: Propagar o Reino de Deus por toda a terra.
Não posso deixar de sentir um carinho muito especial por Pedro. Tão depressa é louvado e bem-dito pelo Senhor como merece a Sua reprovação contundente. Pedro é um homem verdadeiro, com o coração nas mãos, a palavra que não retém, o impulso que o leva a assumir atitudes, por vezes, drásticas – como no Horto das Oliveiras atacando à espada os que vinham prender o Mestre – e, ao mesmo tempo, um homem frágil, medroso – como quando tem medo do mar revolto pelo vento impetuoso e pede ao Senhor que lhe estenda a mão – e, cobarde como quando nega por três vezes, no pátio de Caifás, conhecer Jesus. Em tudo, me parece, que me pareço com Pedro com as minhas dúvidas, hesitações, impulsos de amor e, ao mesmo tempo, negando, mentindo, fugindo. Que me dera parecer-me com o Príncipe dos Apóstolos também no meu serviço total e sem condições e levar para frente – apesar do nada que sou – os planos que o Senhor tem para a minha vida.
Uma e outra vez – sempre – devemos repetir actos de Fé, pedir ao Senhor que a fortaleça a vivifique, que não deixe que ela esmoreça e, eventualmente, se apague, pelas dificuldades e obstáculos que se vão interpondo na nossa vida. Com uma Fé forte, escorreita sem titubeios, teremos uma visão clara do que nos interessa ver e não sombras mais ou menos esfumadas da realidade.
O Senhor tem atitudes que nos suscitam interrogações. Porque é que, neste caso que o Evangelista relata, conduziu o cego para fora da aldeia? Não queria que os circunstantes assistissem ao milagre que estava a ponto de realizar? Talvez procurasse o recato de um encontro a sós com o cego que, sabia, tinha uma fé débil que precisava ser fortalecida. Dar a visão a um cego é, sem dúvida, um milagre extraordinário, mas consolidar a pouca fé que este tinha é um bem incomensuravelmente maior.
«Alguns vieram de longe», diz o Senhor. Para nós que O temos tão perto dá-nos que pensar como tantas vezes cedemos à tentação de não participar na Missa dominical só porque temos de sair do conforto de nossa casa ou porque está a chover ou... E se fizemos algum sacrifício o que tem de mais? Será que O Senhor não o merece?
Este extraordinário - podemos dizer espectacular - milagre, continua a  realizar-se todos os dias, várias vezes, em diferentes lugares desta terra. Na Santa Missa Jesus distribui alimento - que é Ele próprio - a multidões de seres humanos que O procuram famintos de amor e vida. Amor que é o próprio Deus que Se dá; Vida que é o penhor de eternidade na Hóstia consagrada. Não compreendemos, não atingimos a dimensão e a grandeza deste milagre. Veneramos o Corpo do Senhor e recebêmo-lo com toda a compunção, respeito e gratidão que somos, pobres de nós homens fracos e débeis, capazes sabendo que não somos dignos, mas que Ele próprio quer, deseja ardentemente ser o nosso alimento, a nossa força, a nossa vida.
Os Evangelistas diferem nalguns detalhes na descrição deste milagre. Parece, pois, que Jesus deverá ter feito mais que uma vez este prodígio da multiplicação de pães e peixes por numerosas multidões. Seja como for o que se revela de forma claríssima é a compaixão e cuidado do Senhor pelos que O seguem pelos caminhos da Palestina. Claro que, também se evidencia que o desejo, afã, das gentes, em ouvir o que Jesus tem para lhes dizer, é de tal forma absorvente que parece que as preocupações com as mais elementares necessidades – como o alimento – ficam como que em segundo plano. Há no ambiente que cerca o Senhor um “clima” de reverência e confiança e, estes milagres, só vêm “reforçar”, por assim dizer, essa fé e confiança na pessoa de Cristo e no Seu poder divino.
Podemos interrogar-nos como é possível que perante um milagre deste “calibre” ainda restassem alguns que se recusavam a admitir a divindade de Jesus Cristo. Mas é verdade e o mais triste é que ainda hoje é verdade que perante os milagres da vida de todos os dias que o Senhor vai prodigalizando às “mãos cheias” há quem negue e não acredite ou fique indiferente. E perguntamos o que vão fazer a Fátima os milhões de pessoas que todos os anos ali se deslocam? Vão ver o quê? Querem que prova ou benefício em favor próprio ou alheio? E acreditam de facto que, se o Senhor quiser, por instâncias da Sua e nossa Santíssima Mãe, satisfazer esses desejos, atender a essas súplicas o poderá fazer? Não se trata, antes, de uma propaganda bem urdida de modo a levar os incautos a acreditar no impossível? Mas, na verdade, quantos desses que ali vão com esses sentimentos, não regressam como que transformados, “virados do avesso”, como tantos acabam por confessar. E, estejamos certos, estes são os maiores milagres que o Senhor opera nas almas e nos corações.








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