O Senhor ter-vos-á feito descobrir muitos outros aspectos
da correspondência fiel da Santíssima Virgem, que por si mesmos já são um
convite para que os tomemos como modelo: a sua pureza, a sua humildade, a sua
fortaleza, a sua generosidade, a sua fidelidade... Eu gostaria de falar sobre
um aspecto que engloba todos os outros, porque é o clima do progresso
espiritual, isto é, a vida de oração.
Para aproveitar a graça que nos concede a Nossa Mãe
no dia de hoje e para secundar também, em qualquer momento, as inspirações do
Espírito Santo, pastor das nossas almas, devemos estar seriamente comprometidos
numa actividade que nos leve a ter intimidade com Deus. Não podemos
esconder-nos no anonimato, porque a vida interior, se não for um encontro
pessoal com Deus, não existe. A superficialidade não é cristã. Admitir a
rotina, na nossa luta ascética, equivale a assinar a certidão de óbito da alma
contemplativa. Deus procura-nos um a um, e precisamos de Lhe responder um a um:
eis-me aqui, pois Tu me chamaste.
Oração, sabêmo-lo todos, é falar com Deus. É
possível, porém, que alguém pergunte: falar, de quê? Do que há-de ser, senão
das coisas de Deus e das que enchem o nosso dia? Do nascimento de Jesus, do seu
caminhar por este mundo, da sua vida oculta e da sua pregação, dos seus
milagres, da sua Paixão Redentora, da sua Cruz e da sua Ressurreição... E na
presença de Deus, Uno e Trino, tendo por Medianeira Santa Maria e por advogado
S. José, Nosso Pai e Senhor - a quem tanto amo e venero - falaremos também do
nosso trabalho de todos os dias, da família, das relações de amizade, dos
grandes projectos e das pequenas coisas sem importância.
O tema da minha oração é o tema da minha vida. Eu
faço assim. E à vista da minha situação concreta, surge naturalmente o
propósito, determinado e firme, de mudar, de melhorar, de ser mais dócil ao
amor de Deus. Um propósito sincero, concreto. E não pode faltar o pedido
urgente, mas confiado, de que o Espírito Santo nos não abandone, porque tu és,
Senhor, a minha fortaleza.
Somos cristãos correntes. Trabalhamos em profissões
muito diferentes. Toda a nossa actividade segue o caminho da normalidade. Tudo
se desenvolve com um ritmo previsível. Os dias parecem iguais, inclusivamente
monótonos... Pois bem: esse programa, aparentemente tão comum, tem um valor
divino e é algo que interessa a Deus, porque Cristo quer encarnar nos nossos
afazeres, animando, a partir de dentro, até as nossas mais humildes acções.
Este pensamento é uma realidade sobrenatural,
nítida, inequívoca; não é uma consideração destinada a consolar ou a confortar
aqueles que, como nós, não conseguem gravar o seu nome no livro de oiro da
História. Cristo interessa-se por esse trabalho que devemos realizar - uma vez
e mil vezes - no escritório, na fábrica, na oficina, na escola, no campo, no
exercício da profissão manual ou intelectual. Interessa-lhe também o sacrifício
oculto que fazemos para não derramar sobre os outros o fel do nosso mau humor.
Recordai na oração estes temas, aproveitai-os
precisamente para dizer a Jesus que o adorais, e assim, estareis a ser
contemplativos no meio do mundo, no meio do ruído da rua, em toda a parte. Essa
é a primeira lição, na escola da intimidade com Jesus Cristo. Dessa escola,
Maria é a melhor professora, porque a Virgem manteve sempre essa atitude de fé,
de visão sobrenatural, perante tudo o que sucedia à sua volta: conservava todas
estas coisas ponderando-as no seu coração.
Supliquemos hoje a Santa Maria que nos torne
contemplativos, que nos ajude a compreender os contínuos apelos que o Senhor
nos dirige, batendo à porta do nosso coração. Peçamos-lhe: Mãe, tu trouxeste ao
mundo Jesus, que nos revela o amor do nosso Pai, Deus; ajuda-nos a
reconhecê-lo, no meio das preocupações de cada dia; remove a nossa inteligência
e a nossa vontade, para que saibamos escutar a voz de Deus, o impulso da graça.
(Cristo que Passa, 174)
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