São Lucas
Cap. II
1 Visto que muitos empreenderam compor
uma narração dos factos que entre nós se consumaram, 2 como no-los transmitiram
os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram
"Servidores da Palavra", 3 resolvi eu também, depois de tudo ter investigado
cuidadosamente desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua ordem,
caríssimo Teófilo, 4 a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste instruído.
5 No tempo de Herodes, rei da Judeia, havia um
sacerdote chamado Zacarias, da classe de Abias, cuja esposa era da descendência
de Aarão e se chamava Isabel. 6 Ambos eram justos diante de Deus, cumprindo
irrepreensivelmente todos os mandamentos e preceitos do Senhor. 7 Não tinham
filhos, pois Isabel era estéril, e os dois eram de idade avançada. 8 Ora,
estando Zacarias no exercício das funções sacerdotais diante de Deus, na ordem
da sua classe, 9 coube-lhe, segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário
do Senhor para queimar o incenso. 10 Todo o povo estava da parte de fora em
oração, à hora do incenso. 11 Então, apareceu-lhe o anjo do Senhor, de pé, à
direita do altar do incenso. 12 Ao vê-lo, Zacarias ficou perturbado e encheu-se
de temor. 13 Mas o anjo disse-lhe: «Não temas, Zacarias: a tua súplica foi
atendida. Isabel, tua esposa, vai dar-te um filho e tu vais chamar-lhe João. 14
Será para ti motivo de regozijo e de júbilo, e muitos se alegrarão com o seu
nascimento. 15 Pois ele será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem
bebida alcoólica; será cheio do Espírito Santo já desde o ventre da sua mãe 16 e
reconduzirá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. 17 Irá à frente,
diante do Senhor, com o espírito e o poder de Elias, para fazer voltar os
corações dos pais a seus filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, a fim de
proporcionar ao Senhor um povo com boas disposições.» 18 Zacarias disse ao
anjo: «Como hei-de verificar isso, se estou velho e a minha esposa é de idade avançada?»
19 O anjo respondeu: «Eu sou Gabriel, aquele que está diante de Deus, e fui
enviado para te falar e anunciar esta Boa-Nova. 20 Vais ficar mudo, sem poder
falar, até ao dia em que tudo isto acontecer, por não teres acreditado nas
minhas palavras, que se cumprirão na altura própria.» 21 O povo, entretanto,
aguardava Zacarias e admirava-se por ele se demorar no santuário. 22 Quando
saiu, não lhes podia falar e eles compreenderam que tinha tido uma visão no
santuário. Fazia-lhes sinais e continuava mudo. 23 Terminados os dias do seu
serviço, regressou a casa. 24 Passados esses dias, sua esposa Isabel concebeu
e, durante cinco meses, permaneceu oculta. 25 Dizia ela: «O Senhor procedeu
assim para comigo, nos dias em que viu a minha ignomínia e a eliminou perante
os homens.» 26 Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi
enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27 a uma virgem
desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era
Maria. 28 Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o
Senhor está contigo.» 29 Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria
de si própria o que significava tal saudação. 30 Disse-lhe o anjo: «Maria, não
temas, pois achaste graça diante de Deus. 31 Hás-de conceber no teu seio e dar
à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. 32 Será grande e vai chamar-se
Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33 reinará
eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» 34 Maria disse
ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» 35 O anjo respondeu-lhe: «O
Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua
sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus.
36 Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no
sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, 37 porque nada é impossível a Deus.»
38 Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua
palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela. 39 Por aqueles dias, Maria pôs-se a
caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. 40 Entrou
em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de
Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito
Santo. 42 Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito
é o fruto do teu ventre. 43 E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu
Senhor? 44 Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino
saltou de alegria no meu seio. 45 Feliz de ti que acreditaste, porque se vai
cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» 46 Maria disse, então: «A
minha alma glorifica o Senhor 47 e o meu espírito se alegra em Deus, meu
Salvador. 48Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante,
me chamarão bem-aventurada todas as gerações. 49 O Todo-poderoso fez em mim
maravilhas. Santo é o seu nome. 50 A sua misericórdia se estende de geração em
geração sobre aqueles que o temem. 51 Manifestou o poder do seu braço e
dispersou os soberbos. 52 Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os
humildes. 53 Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.
54 Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, 55 como tinha
prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.» 56 Maria
ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa. 57 Entretanto,
chegou o dia em que Isabel devia dar à luz e teve um filho. 58 Os seus vizinhos
e parentes, sabendo que o Senhor manifestara nela a sua misericórdia,
rejubilaram com ela. 59 Ao oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam
dar-lhe o nome do pai, Zacarias. 60 Mas, tomando a palavra, a mãe disse: «Não;
há-de chamar-se João.» 61 Disseram-lhe: «Não há ninguém na tua família que
tenha esse nome.» 62 Então, por sinais, perguntaram ao pai como queria que ele
se chamasse. 63 Pedindo uma placa, o pai escreveu: «O seu nome é João.» E todos
se admiraram. 64 Imediatamente a sua boca abriu-se, a língua desprendeu-se-lhe
e começou a falar, bendizendo a Deus. 65 O temor apoderou-se de todos os seus
vizinhos, e por toda a montanha da Judeia se divulgaram aqueles factos. 66 Quantos
os ouviam retinham-nos na memória e diziam para si próprios: «Quem virá a ser
este menino?» Na verdade, a mão do Senhor estava com ele. 67 Então, seu pai, Zacarias, ficou cheio do
Espírito Santo e profetizou com estas palavras: 68 «Bendito o Senhor, Deus de
Israel, que visitou e redimiu o seu povo 69e nos deu um Salvador poderoso na
casa de David, seu servo, 70 conforme prometeu pela boca dos seus santos, os
profetas dos tempos antigos; 71 para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos
de todos os que nos odeiam, 72 para mostrar a sua misericórdia a favor dos
nossos pais, recordando a sua sagrada aliança; 73 e o juramento que fizera a
Abraão, nosso pai, que nos havia de conceder esta graça: 74 de o servirmos um
dia, sem temor, livres das mãos dos nossos inimigos, 75 em santidade e justiça,
na sua presença, todos os dias da nossa vida. 76 E tu, menino, serás chamado
profeta do Altíssimo, porque irás à sua frente a preparar os seus caminhos, 77 para
dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados, 78 graças
ao coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol
nascente, 79 para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e
dirigir os nossos passos no caminho da paz.» 80 Entretanto, o menino crescia, o
seu espírito robustecia-se, e vivia em lugares desertos, até ao dia da sua
apresentação a Israel.
Comentários:
5-25 –
No
início da história da salvação da humanidade os Santos Anjos têm três missões
de suma importância: Anunciar a José a maternidade de Maria; Anunciar a
Zacarias o nascimento de João Baptista e, finalmente, o anúncio à Santíssima
Virgem que iria ser Mãe do Salvador. O primeiro não faz qualquer pergunta
depois do sonho em que o Anjo lhe transmitiu a vontade de Deus. Faz
imediatamente como lhe é ordenado. O segundo faz perguntas, fica surpreendido,
não tem a certeza se deve ou não acreditar. O terceiro anúncio também provoca
perguntas naturais, simples que, uma vez esclarecidas resolvem qualquer
hesitação. De certo modo fica bem claro que os corações puros e as almas simples
– que não quer dizer ingénuas – estão predispostos a receber e aceitar o que
Deus manda.
Não podemos comparar as duas “anunciações”: a
Nossa Senhora e a Zacarias. Ambas contêm notícias de suma importância enviadas
por Deus por meio dos Seus Anjos mas, as pessoas que as recebem são diferentes.
A Santíssima Virgem está admirada e surpreendida e, por isso, faz uma pergunta.
A resposta é concludente para ela porque sabe muito bem o que consta nas
Escrituras. Por isso, humildemente, se declara a “escrava do Senhor” e se
dispõe a aceitar sem mais oque lhe é anunciado. Zacarias não tem – não pode ter
– a mesma candura e pureza de coração da Virgem Maria e por isso “se fica” num
abismo de incredulidade talvez por não se considerar digno de tal anúncio que
lhe é feito. Os Santos Anjos são muitas vezes encarregados por Deus de fazer
chegar às criaturas os desígnios da Sua Vontade. Nomeadamente os da guarda de
cada um com insinuações inspiradas e simples. Nós não temos que pôr à prova
coisa nenhuma, sabemos com segurança que estes excelentes seres têm por missão
proteger-nos, guiar-nos e assistir-nos.
26-38
-
A
Mãe do Rei é a Rainha. Rainha do mundo, dos céus e da terra, dos Anjos e dos
homens porque o seu Filho é o Rei Supremo de quanto existe. Assim foi coroada
numa festa celeste que dura permanentemente e assim é venerada pelos seus
súbditos os homens. Com especial relevo por nós portugueses porque, em acto
soleníssimo, como tal foi coroada pelo próprio Rei de Portugal.
E se tivesse dito que não, que o que lhe era
pedido era demais, muito alto, muito grande e que, ela, Maria, não estava à
altura de planos tão grandiosos! Era possível esta resposta? Sim, era e, até de
certo modo, compreensível. Mas, a Virgem, em vez de se reconhecer como não
merecedora de tão extraordinária escolha, o que poderia parecer um acto de
humildade, prefere declarar-se escrava. Ora a atitude da escrava dispensa a
declaração de humildade, mas exige a da obediência total e sem reservas à
vontade do seu Senhor. E, a verdade, é que esta escrava, se converte em Rainha
– cuja festa hoje celebramos – e como tal é coroada nos Céus por Deus Nosso
Senhor, numa festa cuja grandiosidade não podemos imaginar. Vemos os Anjos e
Potestades e os Santos mirando a Sua Rainha com tal amor e admiração que
perdura para todo o sempre.
Quem
é esta «escrava do Senhor»? Nada menos que a verdadeira Mãe de Deus! À maior
dignidade corresponde a maior humildade! Como se pode entender tal coisa? Temos
de fazer um verdadeiro esforço para tentar compreender em toda a sua magnitude
esta extraordinária verdade e, mesmo assim, ficaremos sempre muito longe. É que
a humildade da Santíssima Virgem não colide com a sua magnífica maternidade,
bem ao contrário, quanto mais humilde mais próximo de Deus e, portanto, à maior
proximidade - que a maternidade implica - corresponderá a mais absoluta
humildade. Porque «achou graça diante de Deus» a humilde virgem foi elevada à
mais alta posição de mulher!
A
Liturgia escolheu para este dia de festa – a Imaculada Conceição de Nossa
Senhora – o texto em que São Lucas relata o anúncio da Maternidade de Maria. Aquela
jovem mulher, escolhida por Deus desde o princípio dos tempos, é a criatura
mais perfeita e adornada de virtudes, de facto, a única que poderia ser a Mãe
do Salvador da humanidade. Na sua presença, hoje de modo muito particular,
lembramo-nos que também é nossa Mãe amantíssima, intercessora, refúgio e
protecção, sempre pronta a atender-nos.
No dia em que a Igreja celebra a festa de Nossa
Senhora Rainha este Evangelho é sem dúvida muito apropriado. Temos a mais
excelsa criatura cantando um hino de louvor pelas extraordinárias maravilhas
que o Senhor operou nela pelas quais será louvada por todo o sempre. A Mãe de
Deus não poderia ocupar outro lugar que não fosse o de Rainha dos Céus e da
terra dos anjos e dos homens. O nosso D. João IV assim o reconheceu ao
"oficialmente" com a autoridade régia que era a sua, que a Santíssima
Virgem era a Rainha de Portugal a única que poderia a partir de então usar a
coroa real símbolo maior de grandeza e dignidade que nós portugueses somos o
único povo no mundo a colocar na sua cabeça. Com tão excelsa Senhora como
Rainha que também é nossa Mãe como não sermos felizes e gratos?
Com
este acontecimento extraordinário, que São Lucas nos relata com os detalhes que
deverá ter ouvido da própria Santíssima Virgem, começa, verdadeiramente, a
História da Salvação da Humanidade. Sentimos um misterioso clima de grandiosa
simplicidade – se assim se pode dizer – em que se envolvem uma jovem rapariga e
um Enviado de Deus, num diálogo intenso, de perguntas e respostas, de
estranheza e segurança, de incompreensão e acatamento. Nada falta! Tudo é completo,
grandioso e simples ao mesmo tempo como é sempre o momento em que a Vontade de
Deus é aceite e, naturalmente, se cumpre. Virgem e Mãe! Mãe sempre Virgem! A
Nossa Senhora! A nossa Mãe! «Dum steteris
in conspecto Domine, loquaris pro nos bona!» [i]
A
Liturgia repete este texto de São Lucas precisamente na véspera do dia em que
celebramos o nascimento do Salvador. E, evidentemente, tem uma intenção clara
ao fazê-lo: Que todos os cristãos retenham de forma indelével os acontecimentos
que marcaram para sempre a humanidade. Não podemos senão imaginar esta cena
íntima, reservada, simples e solene ao mesmo tempo. O que foi dito pelo Anjo, o
que a Senhora respondeu; à grandeza do anúncio pergunta como será; obtida a
resposta aceita rendidamente a Vontade de Deus. Mas, e além disso, aquela que
foi escolhida e designada como única entre todas as mulheres declara-se
escrava, humilde e simples e, por isso mesmo não diz ‘quero… aceito’ mas
«faça-se a Sua Vontade».
Ah! Senhora
minha, minha Mãe do Céu! Como eu te admiro e me sinto o mais feliz dos homens
por teres aceite ser a Mãe do Salvador! Sem o teu “fiat” pronto e simples,
tornaste-me, também a mim, teu Filho em que a Bondade e Misericórdia de Jesus,
pendente da Cruz onde dava a vida pela salvação da humanidade, te entregou a
João como sua mãe. De certa forma, Senhora, nasci da Cruz da Redenção e por
isso mesmo me recolhes nos teus braços amorosos para me protegeres e embalares
carinhosamente. Algumas das tuas lágrimas caíram sobre mim e são essas graças
que me permitem viver como vivo, bem agarrado ao teu manto protector. Senhora
minha, minha Querida Mãe: Hoje neste dia tão especial que todos no Céu e na
terra louvam e rejubilam com a tua Imaculada Conceição, atrevo-me a pedir-te –
e tanto… tanto te devo – que me ajudes a seguir as tuas indicações “fazendo
tudo quanto o Teu Filho quiser que faça” e, como em Caná, eu possa ser esse
servo obediente e solícito que desejas que seja. Atrevo-me a pedir-te uma vez
mais que quero ser melhor para poder ganhar esse Céu de onde me abençoas.
Como
num filme cujo realizador é o próprio Deus Todo Poderoso, uma novel actriz desempenha um papel inesquecível! A
cena é entranhável de simplicidade grandiosa e de extraordinária dignidade. O
que é dito pelos intervenientes é o essencial, o que verdadeiramente importa
para a esta primeira cena do filme da Salvação humana.
Este
é um trecho do Evangelho escrito por São Lucas que sabemos – todos os cristãos
– praticamente de cor. E é bom que assim seja porque se trata do relato do
maior e mais importante acontecimento para a humanidade. Deus, Nosso Senhor,
resolve que é chegado o momento de cumprir o prometido e dar início à salvação
dos Seus filhos, os homens e, de maneira completa e definitiva, como que pôr um
“ponto final” nas relações perturbadas pelo pecado dos nossos primeiros Pais. Aquela
que, desde o princípio dos tempos, determinara que seria a Mãe do Salvador está
disposta e disponível para aceitar a Sua Vontade com a simples humildade de uma
escrava que não tem outra vontade que a do seu Senhor. O diálogo breve e
intenso travado entre o Seu mensageiro e a Virgem é profunda e totalmente
esclarecedor, nada fica por dizer, nenhuma dúvida por colocar. Este é o início
da “nossa história” de filhos de Deus; gravemo-la de forma indelével no nosso
coração considerando a grandeza e honra que, sem qualquer mérito da nossa
parte, nos foram concedidas.
O maior
acontecimento da história humana parece - narrado pelo génio literário de S.
Lucas -, uma história simples desprovida de qualquer grandiosidade. E, de
facto, assim é. Deus Nosso Senhor é, Ele próprio, a simplicidade e a Santíssima
Virgem não é mais que uma jovem e simples rapariga da Galileia. Nós, homens,
apreciamos os discursos elaborados, a oratória grandiloquente sem as quais os
acontecimentos não têm relevância. Perdemo-nos nas palavras e esquecemos a
substância. Não nos esqueçamos nunca de agradecer ao Senhor todas as maravilhas
que Ele operou.
29-56
–
Este é um
Evangelho onde pela primeira vez aparece bem marcada a acção do Espírito Santo.
O conhecimento de Santa Isabel sobre a Santíssima Virgem, a
"agitação" do menino no seio de sua mãe, o Magnificat que irrompe
espontaneamente dos lábios da Virgem Santíssima. Estão presentes nesta cena
entranhável as Duas Pessoas da Santíssima Trindade que a partir daqueles
momentos acompanharão para sempre a humanidade: O Jesus Cristo que vem redimir
e salvar e O Paráclito que ficará para consolidar na Fé a mesma
humanidade.
Como é feliz esta jovem mulher a quem foi
revelado o papel de extraordinária relevância que irá desempenhar na história
da humanidade! Feliz não pela honra, o destaque, a distinção mas porque Deus Se
revelou na serva humilíssima como a si mesma se considera. Maria não pensa nela
mas em Deus que nela quis revelar-se porque, de facto, faz o que quer e como
quer. Não consegue manter por mais tempo o que lhe sufoca o peito e, as
palavras de Isabel foram como que a chave que abriu esse cofre e, o seu canto
de louvor, jorra impetuoso, intenso, magnífico.
A
Mãe de Deus dá-nos a sua segunda lição de humildade. A primeira foi quando
declarou a São Gabriel que se considerava a Escrava de Deus. A segunda, agora,
visitando a sua prima Isabel que no sexto mês de gravidez deveria precisar da
sua assistência. Não pensou um instante que ela, que já trazia no seu seio o
próprio Deus, não teria que sujeitar-se a uma deslocação longa e desconfortável
para prestar um serviço. É assim a Senhora Nossa Mãe: sempre pronta e
disponível para assistir a quem precisa. E… todos nós homens – seus filhos –
precisamos dela, constantemente, todos os dias da nossa vida. Que consolação o
sabermos que podemos contar com ela!
Já uma vez comentei que a história da
salvação humana começa como um filme em que as cenas se vão desenrolando
apresentando os protagonistas no momento próprio. E assim é, cabe-nos como
expectadores, prestar a melhor atenção para não perdermos um pormenor, um
detalhe e, naturalmente, guardá-los no nosso coração. O “realizador” – Deus Pai
– envia o Seu “Director de Cena” o Arcanjo Gabriel, para que estas passagens
tão importantes e decisivas tenham o desempenho correcto e ambiente adequado. E
nada falta: A grandiosidade do Anúncio, a aceitação da Virgem, a sua pronta
disponibilidade na assistência a Santa Isabel, o seu hino de louvor e
agradecimento… enfim, um “enredo” apaixonante que nos prende uma e outra vez,
que nos leva a repetir vezes sem conta a leitura destes trechos respeitantes à
“Visitação” de Nossa Senhora que hoje comemoramos. E ficamos sumamente gratos a
São Lucas que nos deixou o precioso “argumento” que nos comove e maravilha.
39-46 -
Ficamos
abismados e sem palavras ao tomar conhecimento desta primeira acção da Mãe de
Deus! Talvez que – poderíamos pensar- depois do Anjo a ter deixado, a Senhor
mergulhasse em oração profunda, íntima e intensa com Deus. Mas, ela
surpreende-nos – sempre nos surpreende – porque o que faz é apressar-se a dar
assistência à sua prima Isabel que, “já entrada em anos”, bem deveria precisar
dela. Os outros! A Senhora pensa nos outros, sempre, muito antes de os outros
lhe pedirem o que for. Está atenta, disponível, amável e carinhosa e, como em
Caná, onde mais uma vez faz o mesmo, não nos diz outra coisa que: «Fazei o que
Ele vos disser»!
O dom especial de São Lucas descreve uma cena
de capital importância como uma história simples, natural absolutamente
“normal”. A jovem Mãe que traz no seu ventre o Salvador não pensa em si e na
“sua grandeza excepcional” mas nos outros, neste caso Isabel que necessita da
sua assistência nos meses que antecedem o parto do filho há muito esperado. E
vai «apressadamente», como sublinha o Evangelista, cheia de ardor solidário e
prestativo pelos árduos caminhos da montanha de Judá. A alegria do encontro
está bem patente no que se segue: a saudação de Isabel e o magnífico hino da
Santíssima Virgem. Este importantíssimo episódio é bem elucidativo do carácter
da Santíssima Mãe de Deus: os outros, sempre os outros! Declara sem rebuço que
sabe muito bem quem é, e conhece os desígnios de Deus a seu respeito mas tudo
–a absolutamente tudo – se deve ao Senhor e aos Seus altos desígnios. Ela será
sempre a escrava do Senhor!
Não é possível
com palavras humanas descrever este momento inolvidável da história da salvação
Humanidade. Parece que estamos na presença de um acontecimento que irreal. A
Mãe de Deus, solta, irreprimível um hino de louvor que ficará para sempre
conhecido por Magnificat e entoado através dos tempos por milhões de crentes. As
Managlia dei são reconhecidas e
apregoadas aos quatro cantos da terra e, quem o fez é a que a ela própria se
considera escrava.
No espaço de poucos dias a Liturgia repete
este trecho do Evangelho de São Lucas. Parece-me muito natural e adequado que o
faça porque a dois dias do Nascimento do Salvador, nunca será demais revivermos
com compunção maravilhada os começos da história da Salvação da Humanidade. Pessoalmente,
o que talvez mais me faça reflectir é a ”simples grandiosidade”, se assim posso
dizer destes acontecimentos que, graças à pena inspirada do Evangelista,
podemos felizmente conhecer e meditar. Parece uma história de gente comum, sem
nenhum privilégio ou grandeza como, de facto será, o Nascimento do Salvador
numa simples gruta de pastores tendo por berço uma prosaica manjedoura de
animais. De maravilha em maravilha, vamos preparando a nossa alma e o nosso
coração com a simplicidade que Deus quer: Simplicidade de Criança!
A jovem mulher de Nazaré sabe que no seu seio
já habita o Rei do Mundo, o seu Filho que se chamará Jesus Cristo. Esta
maravilha grandiosa não a faz hesitar um momento em prestar assistência à sua
parente Isabel arrostando com os incómodos de uma viajem por caminhos duros e
agrestes. A Rainha dos Homens presta o seu primeiro serviço, o seu cuidado e
preocupação pelos homens seus irmãos. Sim, é verdade, ela declarou-se “a escrava
do Senhor”, mas não acrescentou o que sabemos sobejamente: Que é a Nossa Mãe
que nos protege e desvela em cuidados para connosco.
57-66-
Quando
acontecem factos extraordinários que saem do comum é natural haver sentimentos
de temor. O que não se compreende ou não tem uma explicação lógica e evidente,
além surpreender causa sempre esse sentimento de inquietação e perplexidade. É
o que acontece com o nascimento de São João Baptista. Todos sabem de
esterilidade de Isabel e da idade avençada do casal pelo que, a gravidez e o
nascimento do seu filho causa natural surpresa. Acrescenta-se a mudez de
Zacarias e a escolha do nome da criança, algo inusitado nos costumes de então. Como
que um sinal, o nascimento do Baptista decerto ficaria na memória de todos os
que presenciaram ou tomaram conhecimento destes factos extraordinários. É bem
evidente a Vontade de Deus a querer assinalar este novo ser ao qual estava
reservada uma missão de enorme importância.
O nosso nome,
aquele que nos identifica e pelo qual nos conhecem, faz parte integrante da
nossa vida. Mas, por si só, não basta, normalmente, para uma identificação
completa há que juntar os chamados apelidos, nomes de família dos nossos pais
e, assim, fica completa a nossa identificação. Nós, cristãos, para sermos
conhecidos por Deus Nosso Senhor, é suficiente esse recebido no Baptismo,
porque, Ele, nosso Pai, conhece-nos intimamente, individualmente, a cada um de
nós.
Quando
se trata de São João Baptista somos invadidos por um misto de ternura e
admiração. Ternura pela sua figura simples e absolutamente desprendida de bens
ou de afectos. Sabemos que teve numerosos seguidores mas sempre lhes referiu
que seria Outro Quem deveriam seguir. Uma vida austera, frugal de afastamento
voluntário da vida de sociedade. Admiração porque embora sabendo muito bem a
relevância da sua missão como Percursor se considerava como não estar à altura
nem ter dignidade suficiente para tal: «não
sou digno de desatar as correias das sandálias...». Por último, cumprido o seu papel na História
da Salvação da Humidade entrega a sua vida em holocausto total
É
importante o nome que os nossos Pais e Padrinhos escolhem para nós no dia do
nosso Baptismo? Evidentemente que sim e, por isso mesmo, a escolha desse nome -
pelo qual seremos conhecidos pelos homens nossos irmãos e por Deus nosso Pai -,
deverá obedecer a critérios correctos que não se coadunam com subjectividades,
nem “modas” do momento. O Baptismo é um Sacramento cristão logo, a escolha de
um nome cristão é (consoante a nacionalidade do baptizando, sem qualquer
dúvida, o mais adequado.
São
João Baptista é o único santo que a Igreja celebra por duas vezes: O nascimento
e a morte. O primeiro porque está indelevelmente ligado à Redenção, ele foi o
percursor do anúncio da vinda do Reino de Deus, cuja chegada eminente seria
confirmada por Jesus Cristo. O segundo porque foi o último mártir do Antigo
Testamento, como que iniciando a multidão de mártires que dariam – e continuam
a dar – as suas vidas por Cristo e pela Verdade.
67-79 -
Penso em Zacarias e no que deve ter sofrido
no seu silêncio forçado pela dúvida manifestada ao Anjo. Mas, Zacarias, é um
homem de Deus, profundamente crente e não pode mais que deixar expandir o que
lhe vai na alma neste maravilhoso hino que o Espírito Santo lhe insinuou e que,
para sempre, ficará como a expressão da verdadeira fé, do autêntico amor, da
confiança absoluta nas promessas de Deus.
São Lucas apresenta-nos a sua descrição do
Nascimento de Jesus de uma forma “mais completa”, fazendo preceder o
acontecimento fulcral da Salvação da humanidade, da genealogia do Salvador. A
sua intenção é clara: Revelar a identidade completa do Menino para que não
restem dúvidas de Quem È e como Se relaciona com os homens. Depois repete,
também, a descrição da revelação do Anjo a São José. Podemos dizer que, na
véspera do dia em que a Igreja e o mundo celebram o Acontecimento, quer
deixar-nos um relato muito concreto e em detalhe dos acontecimentos que
precederam o grande momento da história da Salvação.
(AMA, 2018)
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