(Cfr. Lc 8, 49-56
Jesus Cristo
deu-nos numerosos exemplos do que é não ter medo.
Por exemplo, quando
pegou num azorrague expulsou os vendilhões do templo, não teve medo de ser mal
interpretado, nem então nem nos séculos futuros, e poder ser considerado um
arruaceiro intransigente e fanático. Fez o que achou que deveria ser feito,
exactamente para nos ensinar o que, em situações semelhantes de adulteração e
profanação do sagrado – e tantas há nos nossos dias – devemos fazer.
As Suas atitudes
eram tão desassombradas que Lhe perguntavam: «Com que autoridade fazes estas coisas» E, Jesus, não ficou “mal”,
bem pelo contrário.
A Sua resposta é a
adequada às pessoas preconceituosas que o interrogam: «Também Eu vos farei uma
pergunta; respondei-me e dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas:
O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-me.» [1]
Estão bem gravadas no nosso espírito duas cenas que o Evangelho nos relata
e que ilustram bem o medo-cobarde que se apodera de nós em situações de extrema
tensão.
Quando Pilatos pergunta a Jesus o que é a verdade, o Evangelho diz que, sem
esperar pela resposta, voltando as costas se retirou. [2]
Na história da humanidade, ficará para sempre registada esta atitude do
Pretor romano. Não quer ouvir a resposta de Jesus. Intimamente sabe que, se a
ouvisse, completa e esclarecedora, como não podia deixar de ser, vinda do
Salvador, ela transformaria por completo a sua atitude perante o que se estava
a passar no seu tribunal e, efectivamente, o que desejava era acabar
rapidamente com um processo que, intrigando-o sobremaneira, não sabia como
resolver. Em suma, não quis saber com clareza os fundamentos da justiça que lhe
competia administrar.
Quando a servente do Sumo-Sacerdote interpela Pedro sobre Jesus, ele
responde como sabemos. E invadido por um autêntico pavor de ser conotado, de
alguma forma, com o Mestre que, ainda poucas horas antes, afirmara querer
defender com a espada, se fosse preciso. [3]
Nestas duas atitudes, o medo é, claramente, cobardia e, ambas têm
consequências graves.
Se Pilatos tivesse ouvido a resposta de Jesus, provavelmente a sua decisão
ter-se-ia alterado e o desfecho da tragédia da Paixão do Senhor poderia ter
sido outro.
Se Pedro assumisse que conhecia Cristo e que pertencia ao círculo restrito
dos Doze escolhidos, talvez sofresse alguns dissabores, embora os que acusavam
Jesus, obcecados como estavam nos seus propósitos de O levarem à morte, talvez nem
prestassem atenção a tal.
As duas atitudes
são semelhantes, mas não se equivalem.
Pilatos é um homem
esclarecido, culto, entendido em leis, habituado a mandar, a tomar decisões;
Pedro é um simples pescador, sem grandes letras e atordoado com os últimos
acontecimentos.
A intervenção de
Pilatos na história da salvação humana acaba aqui, com esta imagem negativa e
contrária a toda a ética; a de Pedro, não, arrepende-se amargamente, obtém o
perdão de Jesus, é confirmado por Ele como Seu sucessor directo à frente da Sua
Igreja e, mais tarde, numa atitude de suprema humildade e arrependimento, quer
que Marcos deixe lavrado com pormenores, este triste episódio.
O primeiro, segundo
consta, morre em desgraça, o segundo, merece o supremo prémio do martírio.
Como o medo, a
cobardia, podem ter consequências tão diferentes!
(AMA,
reflexões sobre o Evangelho, 2006)
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