Ah!,
escuta isto tão triste: Eu olhava à Minha volta, miseravelmente abandonado por
todos os homens, e os próprios amigos que Me tinham seguido, permaneciam
afastados de Mim… Assim estava… roubadas as Minhas vestes. Ali estava… reduzido
à impotência, vencido. Tratavam-Me sem piedade… Para onde quer que Me voltasse,
não achava à Minha volta senão dor e amargo sofrimento. A Meus pés estava a Mãe
dolorosa, e o seu coração maternal sofria por tudo o que Eu no Meu corpo
padecia. E estando na angústia e na ansiedade supremas da morte, erguiam-se
eles contra Mim e increpavam-Me com gritos cruéis de troça, voltavam para Mim
as suas cabeças escarnecendo-Me e aniquilavam-Me dentro dos seus corações
completamente como se fora um verme desprezível. Mas Eu continuava firme, e ainda
rogava por eles amorosamente ao Meu querido Pai. Olha como Eu, inocente
cordeiro, era comparado aos culpados. Por um deles fui escarnecido, mas o outro
implorou-Me. E imediatamente acolhi-o e perdoei-Lhe todos os seus pecados; Eu
abri-Lhe as portas do paraíso celestial. Sim, na Minha inesgotável
misericórdia, clamei ao Meu Pai muito amorosamente por aqueles que Me
crucificavam, por aqueles que dividiam a Minha roupa… e pelos que a Mim, Rei de
todos os reis, Me amarfanhavam no Meu angustioso penar e vergonhosa humilhação.
E estando ali, tão falto de ajuda e tão completamente abandonado, as feridas
emanando sangue, os olhos lacrimejantes, os braços distendidos, as veias de
todos os Meus membros inchadas, na agonia da morte, rompi em voz lastimosa e
invoquei abatido a Meu Pai dizendo: Deus Meu, porque Me abandonaste? … Vê pois
que, estando derramado quase todo o Meu sangue e esgotadas todas as Minhas
forças, senti na Minha agonia uma amarga sede; mas ainda estava mais sedento da
salvação de todos os homens. Na Minha sede exacerbada foram então oferecidos
vinagre e fel. E então, uma vez conseguida a salvação humana, disse:
Consummatum est! Prestei obediência completa a Meu Pai até à morte. E
encomendei nas Suas mãos o Meu espírito dizendo: Nas Tuas mãos encomendo o Meu
espírito. E a Minha nobre alma abandonou então o Meu divino corpo. Contemplai-Me
agora no alto tronco da Cruz. A Minha mão direita atravessava-a um cravo, a
Minha mão esquerda estava perfurada, o Meu braço direito desconjuntado e o
esquerdo dolorosamente esticado. O Meu pé direito trespassado e o esquerdo
cruelmente atravessado. Pendia Eu impotente, mortalmente cansados os Meus
divinos membros; todos eles; delicados, ficaram esmagados pelo duro suplício da
cruz. O Meu sangue febril, teve de necessariamente de transbordar incontível
por várias vezes; coberto por ele e sangrento, o Meu corpo agonizante dava
lástima ver-se. Contempla o espectáculo lamentável: o Meu corpo jovem,
florescente, começava a minguar, a encolher-se a desfazer-se… O Meu corpo
inteiro estava coberto de feridas e cheio de dor… Os Meus olhos claros,
apagados… Aos Meus ouvidos não chegavam senão troças e ultrajes… Toda a Terra
não Me pode oferecer nenhum lugar para um pequeno descanso, pois a Minha divina
cabeça estava vencida pela dor e pela fadiga; a Minha cor, empalidecendo. Olha:
a Minha formosa figura morria então tal como estivesse sido um homem leproso em
vez da formosa encarnação da Sabedoria. Compadecida de Mim, apagou-se,
inclusivamente, a luz dos céus da Hora Sexta à Hora Nona. Depois disto o Meu
lado foi atravessado por uma afiada lança; brotou então um jorro do
preciosíssimo sangue e, com ele, uma fonte da água da vida para reanimar tudo o
que estava morto e esgotado e reconfortar todos os corações sedentos.
(Denifle,
Das geistliche Leben, II, 2ª parte, cap. IV)
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