17/09/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


Amigos de Deus

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Mãe da Igreja

Agrada-me voltar, em pensamento, àqueles anos em que Jesus per­maneceu junto de sua Mãe e que abarcam quase toda a vida de Nosso Senhor neste mundo.
Vê-lo pequeno quando Maria cuida d'Ele e o beija e o entretém...
Vê-lo crescer diante dos olhos enamorados de sua Mãe e de José, seu pai na terra...
Com quanta ternura e com quanta delicadeza Maria e o Santo Patriarca se preocupariam com Jesus durante a sua infância!
E, em silêncio, aprenderiam muito e constantemente d'Ele.
As suas almas ir-se-iam afazendo à alma daquele Filho, Homem e Deus.
Por isso, a Mãe - e, depois dela, José - conhece como ninguém os sentimentos do coração de Cristo e os dois são o caminho melhor, diria até que o único, para chegar ao Salvador.

Que em cada um de vós, escrevia Santo Ambrósio, esteja a alma de Maria, para louvar o Senhor; que em cada um esteja o espírito de Maria, para se regozijar em Deus.
E este Padre da Igreja acrescenta umas considerações, que à primeira vista parecem atrevidas, mas que têm um sentido espiritual claro para a vida do cristão: Segundo a carne, uma só é Mãe de Cristo; segundo a fé, Cristo é fruto de todos nós.

Se nos identificarmos com Maria, se imitarmos as suas virtudes, poderemos conseguir que Cristo nasça, pela graça, na alma de muitos que se identificarão com Ele pela acção do Espírito Santo.
Se imitarmos Maria, participaremos de algum modo na sua maternidade espiritual: em silêncio, como Nossa Senhora, sem que se note, quase sem palavras, com o testemunho íntegro e coerente de uma conduta cristã, com a generosidade de repetir sem cessar um fiat que se renova como algo íntimo entre Deus e nós.

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O muito amor a Nossa Senhora e a falta de cultura teológica levou um bom cristão a fazer um comentário que vos vou narrar, porque, com toda a ingenuidade, é lógico em pessoas de poucas letras.

Tome-o - dizia-me - como um desabafo; compreenda a minha tristeza perante algumas coisas que sucedem nestes tempos.
Durante a preparação e o desenrolar do actual Concílio, propôs-se que fosse incluído o tema da Virgem.
Assim mesmo: o tema.
É deste modo que falam os filhos?
É esta a fé que sempre professaram os fiéis?
Desde quando é que o amor da Virgem é um tema, sobre o qual se admite entabular uma disputa a propósito da sua conveniência?

Se há alguma coisa contrária ao amor, é a mesquinhez.
Não me importo de ser muito claro; se não o fosse - continuava ele - parecia-me uma ofensa à Nossa Santa Mãe.
Discutiu-se se era ou não oportuno chamar a Maria Mãe da Igreja... Incomoda-me descer a mais pormenores, mas a Mãe de Deus e, por isso, Mãe de todos os cristãos, não será Mãe da Igreja, que é o conjunto dos que foram baptizados e renascem em Cristo, filho de Maria?

Não entendo - acrescentava - donde vem a mesquinhez de regatear esses títulos de louvor a Nossa Senhora.
Que diferente é a fé da Igreja!
O tema da Virgem!
Pretendem os filhos discutir o tema do amor a sua mãe?
Querem-lhe muito e basta!
E amá-la-ão muito, se são bons filhos.
Do tema - ou do esquema - falam os estranhos, os que estudam o caso com a frieza do enunciado de um problema.
Até aqui, o desabafo recto e piedoso, mas injusto, daquela alma sim­ples e devotíssima.

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Continuemos nós a considerar este mistério da Maternidade divina de Maria, numa oração calada, afirmando do fundo da alma: Virgem, Mãe de Deus: Aquele a quem os Céus não podem conter, encerrou-se no teu seio para tomar carne de homem.

Vede o que nos faz recitar hoje a liturgia: bem-aventuradas sejam as entranhas da Virgem Maria, que acolheram o Filho do Pai eterno. Uma exclamação velha e nova, humana e divina.
É dizer ao Senhor o que se costuma dizer nalguns sítios para exaltar uma pessoa: bendita seja a mãe que te trouxe ao mundo!

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Mestra de Fé, de Esperança e de Caridade

Maria cooperou com a sua caridade para que nascessem na Igreja os fiéis membros da Cabeça de que é efectivamente mãe segundo o corpo.
Como Mãe, ensina; e, também como Mãe, as suas lições não são ruidosas.
É preciso ter na alma uma base de finura, um toque de delicadeza, para compreender o que nos manifesta, mais do que com promessas, com obras.

Mestra de fé! Bem-aventurada és tu, porque acreditaste!
Assim a saúda Isabel, sua prima, quando Nossa Senhora sobe à montanha para a visitar.
Tinha sido maravilhoso aquele acto de fé de Santa Maria: eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.
No nascimento de seu Filho contempla as grandezas de Deus na terra; há um coro de Anjos e tanto os pastores como os poderosos da terra vêm adorar o Menino.
Mas depois a Sagrada Família tem de fugir para o Egipto, para escapar às intenções criminosas de Herodes.
Depois, o silêncio; trinta longos anos de vida simples, vulgar, como a de qualquer lar, numa pequena povoação da Galileia.

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O Santo Evangelho facilita-nos rapidamente o caminho para entender o exemplo da Nossa Mãe: Maria conservava todas estas coisas dentro de si, ponderando-as no seu coração.
Procuremos nós imitá-la, tratando com o Senhor, num diálogo cheio de amor, de tudo o que nos acontece, mesmo dos acontecimentos mais insignificantes.
Não nos esqueçamos de que devemos pesá-los, avaliá-los, vê-los com olhos de fé, para descobrir a Vontade de Deus.

Se a nossa fé é débil, recorramos a Maria.
Conta S. João que, devido ao milagre das bodas de Caná que Cristo realizou a pedido de sua Mãe, acreditaram n'Ele os seus discípulos.
A Nossa Mãe intercede sempre diante de seu Filho para que nos atenda e se nos mostre de tal modo que possamos confessar: - Tu és o Filho de Deus.

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Mestra de esperança!
Maria proclama que a chamarão bem-aventurada todas as gerações. Humanamente falando, em que motivos se apoiava essa esperança? Quem era Ela para os homens e mulheres de então?
As grandes heroínas do Velho Testamento - Judite, Ester, Débora - conseguiram já na terra uma glória humana, foram aclamadas pelo povo, louvadas.
O trono de Maria, como o de seu Filho é a Cruz.
E durante o resto da sua existência, até que subiu ao Céu em corpo e alma, a sua silenciosa presença é o que nos impressiona mais. S. Lu­cas, que a conhecia bem, anota que Ela está junto dos primeiros discípulos, em oração.
Assim termina os seus dias terrenos Aquela que havia de ser louvada pelas criaturas até à eternidade.

Como contrasta a esperança de Nossa Senhora com a nossa impaciência!
Com frequência exigimos que Deus nos pague imediatamente o pouco bem que fizemos.
Mal aflora a primeira dificuldade, queixamo-nos.
Muitas vezes somos incapazes de aguentar o esforço, de manter a esperança, porque nos falta fé: bem-aventurada és tu, porque acreditaste que se cumpririam as coisas que te foram ditas da parte do Senhor.

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Mestra de caridade!
Recordai aquele episódio da apresentação de Jesus no templo.
O velho Simeão assegurou a Maria, sua Mãe: este Menino está destinado para ruína e para ressurreição de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; o que será para ti mesma uma espada que trespassará a tua alma, a fim de que sejam descobertos os pensamen­tos ocultos nos corações de muitos.
A imensa caridade de Maria pela Humanidade faz com que se cumpra também n'Ela a afirmação de Cristo: ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.

Com razão os Romanos Pontífices chamaram a Maria Corredentora: juntamente com o seu Filho paciente e agonizante, de tal modo padeceu e quase morreu e de tal modo abdicou, pela salvação dos homens, dos seus direitos maternos sobre o seu Filho e o imolou, na medida em que d'Ela dependia, para aplacar a justiça de Deus, que com razão se pode dizer que ela redimiu o género humano juntamente com Cristo.
Assim entendemos melhor aquele momento da Paixão de Nosso Senhor, que nunca nos cansaremos de meditar: stabat autem iuxta crucem Jesu mater eius, junto da Cruz de Jesus estava a sua Mãe.

Tereis observado como algumas mães, movidas por um legítimo orgulho, se apressam a pôr-se ao lado dos seus filhos quando estes triunfam, quando recebem um reconhecimento público.
Outras, pelo contrário, mesmo nesses momentos permanecem em segundo plano, amando em silêncio.
Maria era assim e Jesus sabia-o.

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Agora, pelo contrário, no escândalo do sacrifício da Cruz, Santa Maria estava presente, ouvindo com tristeza os que passavam por ali e blasfemavam abanando a cabeça e gritando: Tu, que arrasas o templo de Deus e, em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo!
Se és o Filho de Deus, desce da cruz.
Nossa Senhora escutava as palavras de seu Filho, unindo-se à sua dor; Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?
Que podia Ela fazer? Fundir-se com o amor Redentor de seu Filho, oferecer ao Pai a dor imensa - como uma espada afiada - que trespassava o seu Coração puro.

De novo Jesus se sente confortado com essa presença discreta e amorosa de sua Mãe. Maria não grita, não corre de um lado para outro...
Stabat: está de pé, junto ao Filho.
É então que Jesus olha para Ela, dirigindo depois o olhar para João. E exclama: - Mulher, aí tens o teu filho. Depois diz ao discípulo: Aí tens a tua Mãe.
Em João, Cristo confia à sua Mãe todos os homens e especialmente os seus discípulos, os que haviam de acreditar n'Ele.

Felix culpa, canta a Igreja, feliz culpa, porque nos fez ter tal e tão grande Redentor!
Feliz culpa, podemos acrescentar também, que nos mereceu receber por Mãe, Santa Maria!
Já estamos seguros, já nada nos deve preocupar, porque Nossa Se­nhora, coroada Rainha dos Céus e da Terra, é a omnipotência suplicante diante de Deus. Jesus não pode negar nada a Maria, nem tão pouco a nós, filhos da sua própria Mãe.

(cont)


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