12/09/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Amigos de Deus

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Vencei, se por acaso disso vos apercebeis, a preguiça, o falso critério segundo o qual a oração pode esperar.
Nunca atrasemos esta fonte de graças para amanhã.
Agora é o tempo oportuno.
Deus, que é amoroso espectador de todo o nosso dia, preside à nossa íntima prece.
E tu e eu - volto a assegurar - temos de nos confiar a Ele como se confia num irmão, num amigo, num pai. Diz-lhe - eu faço assim - que Ele é toda a Grandeza, toda a Bondade, toda a Misericórdia.
E acrescenta: por isso, quero apaixonar-me por Ti, apesar da rudeza das minhas maneiras, destas minhas pobres mãos, marcadas e mal­tratadas pelo pó das veredas da terra.

Desta maneira, quase sem darmos por isso, avançaremos com passos divinos, fortes e vigorosos, saboreando a íntima convicção de que junto do Senhor também são agradáveis a dor, a abnegação, os sofrimentos.
Que fortaleza, para um filho de Deus, saber-se tão perto de seu Pai! Por esta razão, aconteça o que acontecer, estou firme e seguro contigo, meu Senhor e meu Pai, que és a rocha e a fortaleza.

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Para alguns, tudo isto é talvez familiar; para outros, novo; para todos, árduo.
Mas eu, enquanto tiver alento, não cessarei de pregar a necessidade primordial de ser alma de oração - sempre! - em qualquer ocasião e nas circunstâncias mais díspares, porque Deus nunca nos abandona. Não é cristão pensar na amizade divina exclusivamente como um recurso extremo.
Pode parecer-nos normal ignorar ou desprezar as pessoas que amamos?
Evidentemente que não.
Para os que amamos dirigimos constantemente as palavras, os desejos, os pensamentos: há como que uma presença contínua.
Pois, o mesmo com Deus.

Com esta busca do Senhor, toda a nossa jornada se converte numa única conversa, íntima e confiada.
Afirmei-o e escrevi-o tantas vezes, mas não me importo de o repetir, porque Nosso Senhor faz-nos ver - com o seu exemplo - que este é o comportamento certo: oração constante, de manhã à noite e da noite até de manhã.
Quando tudo sai com facilidade: obrigado, meu Deus!
Quando chega um momento difícil: Senhor, não me abandones!
E esse Deus, manso e humilde de coração, não esquecerá os nossos rogos nem permanecerá indiferente, porque Ele afirmou: pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á.

Procuremos, portanto, nunca perder o ponto de mira sobrenatural, vendo Deus por detrás de cada acontecimento, seja ele agradável ou desagradável, quer nos cause satisfação... ou desconsolo pela morte de um ser querido.
Antes de mais, a conversa com o nosso Pai Deus, procurando o Senhor no centro da nossa alma.
Não é coisa que possa considerar-se como uma miudeza, de pouca monta: é uma manifestação clara de vida interior constante, de um autêntico diálogo de amor.
Será uma prática que não nos produzirá nenhuma deformação psico­lógica, porque - para um cristão - deve ser tão natural como o bater do coração.

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Orações vocais e oração mental

Neste entretecido, neste actuar da fé cristã, engastam-se, como joias, as orações vocais.
São fórmulas divinas: Pai Nosso...,Ave-Maria... Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.
Há essa coroa de louvores a Deus e à Nossa Mãe que é o Santo Rosário e tantas e tantas outras aclamações, cheias de piedade, que os nossos irmãos cristãos recitaram desde o princípio.

Santo Agostinho, comentando um versículo do Salmo 85 - Senhor, tem piedade de mim porque por Ti clamei todo o dia, e não apenas um dia - escreve: por todo o dia quer significar todo o tempo, sem cessar... Um só homem alcança até ao fim do mundo, pois são os idênticos membros de Cristo que clamam: alguns já descansam n'Ele, outros invocam-no actualmente e outros implorarão quando nós já tivermos morrido e, depois destes, outros mais continuarão a suplicar.
Não vos emociona a possibilidade de participar nesta homenagem ao Criador, que se perpetua pelos séculos?
Que grande é o homem quando se reconhece criatura predilecta de Deus e recorre a Ele tota die, em cada instante da sua peregrinação terrena!

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Que não faltem no nosso dia alguns momentos dedicados especial­mente a travar intimidade com Deus, elevando até Ele o nosso pensamento, sem que as palavras tenham necessidade de vir aos lábios, porque cantam no coração.
Dediquemos a esta norma de piedade um tempo suficiente, a hora fixa, se possível.
Ao lado do Sacrário, acompanhando Aquele que ali ficou por Amor. Se não houver outro remédio, em qualquer lugar, porque o nosso Deus está de modo inefável na nossa alma em graça.
Aconselho-te, contudo, a que vás ao oratório sempre que possas.
E empenho-me em não lhe chamar capela, para que ressalte de forma mais evidente que não é um sítio para estar, com uma atitude oficial de cerimónia, mas para elevar a mente em recolhimento e intimidade até ao Céu, com a convicção de que Cristo nos vê, nos ouve, nos espera e nos preside no Sacrário, onde está realmente presente, oculto nas espécies sacramentais.

Cada um de vós, se quiser, pode encontrar o caminho que lhe for mais propício para este colóquio com Deus.
Não me agrada falar de métodos nem de fórmulas, porque nunca fui amigo de espartilhar ninguém; tenho procurado animar todas as pessoas a aproximarem-se do Senhor, respeitando cada alma tal como ela é, com as suas próprias características.
Pedi-lhe vós que meta os seus desígnios na nossa vida: e não apenas na nossa cabeça, mas no íntimo do nosso coração e em toda a nossa actividade externa.
Garanto-vos que deste modo evitareis grande parte dos desgostos e das penas do egoísmo e sentir-vos-eis com força para propagar o bem à vossa volta.
Quantas contrariedades desaparecem, quando interiormente nos colocamos muito próximos deste nosso Deus, que nunca nos abandona! Renova-se com diversos matizes esse amor de Jesus pelos seus, pelos doentes, pelos entrevados, quando pergunta: que se passa contigo? Comigo...
E, logo a seguir, luz ou, pelo menos, aceitação e paz.

Ao convidar-te para fazeres essas confidências com o Mestre, refiro-me especialmente às tuas dificuldades pessoais, porque a maioria dos obstáculos para a nossa felicidade nascem de uma soberba mais ou menos oculta.
Pensamos que temos um valor excepcional, qualidades extraordiná­rias.
Mas, quando os outros não são da mesma opinião, sentimo-nos humilhados. É uma boa ocasião para recorrer à oração e para rectificar, com a certeza de que nunca é tarde para mudar a rota.
Mas é muito conveniente iniciar essa mudança de rumo quanto antes.

Na oração, com a ajuda da graça, a soberba pode transformar-se em humildade.
E brota da alma a verdadeira alegria, mesmo quando ainda notamos o barro nas asas, o lodo da pobre miséria, que vai secando.
Depois, com a mortificação, cairá esse barro e poderemos voar muito alto, porque nos será favorável o vento da misericórdia de Deus.

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Olhai que o Senhor anseia por nos conduzir com passos maravilhosos, divinos e humanos, que se traduzem numa abnegação feliz, de alegria com dor, de esquecimento de nós mesmos.
Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo. Um conselho que já todos ouvimos.
Temos de nos decidir a segui-lo de verdade: que o Senhor se sirva de nós para que, metidos em todas as encruzilhadas do mundo - e estando nós metidos em Deus - sejamos sal, levedura, luz.
Tu, em Deus, para iluminar, para dar sabor, para aumentar, para fermentar.

Mas não te esqueças de que não somos nós quem cria essa luz; apenas a reflectimos.
Não somos nós quem salva as almas, levando-as a praticar o bem. Somos apenas um instrumento, mais ou menos digno, para os desígnios salvíficos de Deus.
Se alguma vez pensássemos que o bem que fazemos é obra nossa, voltaria a soberba, ainda mais retorcida; o sal perderia o sabor, a le­vedura apodreceria, a luz converter-se-ia em trevas.

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Um personagem mais

Nestes trinta anos de sacerdócio, ao insistir tenazmente na necessidade da oração, na possibilidade de converter a existência num clamor incessante, algumas pessoas têm-me perguntado: mas será possível comportar-se sempre assim?
É.
Essa união com Nosso Senhor não nos afasta do mundo, não nos transforma em seres estranhos, alheios à passagem dos tempos.

Se Deus nos criou, se nos redimiu, se nos ama até ao ponto de entregar o seu Filho unigénito por nós, se nos espera - todos os dias! - como aquele pai da parábola esperava o seu filho pródigo, como não há-de desejar que o tratemos com amor?
O que seria estranho era não falar com Deus, afastar-se d'Ele, esquecê-lo, dedicar-se a actividades estranhas a esses toques ininterruptos da graça.

(cont)


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