01/09/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Amigos de Deus

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Amor humano e castidade

Para manter intimidade com o meu Senhor, já vo-lo contei muita vez, utilizei também - não me importo que se saiba - as canções populares que se referem, quase sempre, ao amor.
Delicio-me a ouvi-las!
O Senhor escolheu-me a mim e a alguns de vós para que fôssemos totalmente seus e transformássemos em divino o amor nobre das cantigas humanas.
É o que o Espírito Santo faz no Cântico dos Cânticos.
É o que fizeram os místicos de todos os tempos.

Escutai estes versos da Santa de Ávila:

Se quereis que esteja descansado
Quero, por amor, descansar;
Se me mandais trabalhar,
Quero morrer trabalhando.
Dizei: onde, como e quando?
Dizei, dizei, doce Amor:
Como quereis de mim dispor?

Ou aquela canção de S. João da Cruz que começa de um modo encantador:

Sofrendo, só, um pequeno pastor,
Alheio ao prazer, sem contentamento,
Na sua pastora tem o pensamento
E o peito sangra-lhe em penas de amor.


Quando é limpo, o amor humano merece-me um imenso respeito, uma enorme veneração.
Não haveríamos nós de estimar o carinho nobre e santo dos nossos pais, ao qual devemos uma grande parte da nossa amizade com Deus?
Eu abençoo esse amor com as duas mãos e sempre que me perguntaram porquê com as duas mãos, respondi imediatamente: porque não tenho quatro!

Bendito seja o amor humano! Mas a mim, o Senhor pediu-me mais. A própria teologia católica o afirma: entregar-se exclusivamente a Jesus, por amor do Reino dos Céus e, por Jesus, a todos os homens, é mais sublime do que o amor matrimonial.
Isto não tira que o matrimónio seja um sacramento e sacramentum magnum.

Seja como for, cada um deve esforçar-se por viver delicadamente a castidade, no seu lugar respectivo e com a vocação que Deus lhe infundiu na alma - solteiro, casado, viúvo, sacerdote.
A razão é que a castidade é virtude para todos e a todos exige luta, delicadeza, esmero, rijeza, essa finura que só se compreende, quando nos colocamos junto do Coração apaixonado de Cristo na Cruz. Não vos preocupeis se a tentação vos espreita: uma coisa é sentir, outra é consentir.
A tentação pode afastar-se facilmente com a ajuda de Deus.
O que não convém, de modo algum, é dialogar com ela.

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Meios para vencer

Vejamos com que recursos é que, nós, cristãos, podemos contar para vencer nesta luta por guardar a castidade, não como anjos, mas como mulheres e homens sãos, fortes, normais!
Venero os anjos com toda a minha alma e une-me uma grande devoção a esse exército de Deus, mas não gosto de os comparar connosco, porque a sua natureza é diferente e qualquer equiparação seria uma desordem.

Generalizou-se em muitos ambientes um clima de sensualidade que, ajudado pela confusão doutrinal, leva muita gente a justificar ou, pelo menos, a mostrar a tolerância mais indiferente para com todo o género de costumes licenciosos.

Devemos ser o mais limpos possível em relação ao corpo, mas sem medo, porque o sexo, é algo santo e nobre - participação no poder criador de Deus-, foi feito para o matrimónio.
Assim, limpos e sem medo, dareis com a vossa conduta o testemunho da viabilidade e da formosura da santa pureza.

Antes de mais, empenhemo-nos em afinar a consciência, aprofundando o que for preciso, até ficarmos com a segurança de termos adquirido uma boa formação, distinguindo bem entre consciência delicada, que é uma graça de Deus, e consciência escrupulosa que é outra coisa.

Cuidai com esmero da castidade e também das virtudes que a acompanham e a salvaguardam: a modéstia e o pudor.
Não olheis com ligeireza as normas, tão eficazes, que nos ajudam a conservarmo-nos dignos do olhar de Deus: a guarda atenta dos sentidos e do coração; a valentia de ser cobarde para fugir das tentações; a frequência dos sacramentos, especialmente da Confissão sacramental; a sinceridade total na direcção espiritual pessoal; a dor, a contrição e a reparação depois das faltas.
E tudo isto ungido com uma terna devoção a Nossa Senhora, de modo que ela nos obtenha de Deus o dom de uma vida limpa e santa.

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Se, por desgraça, se cai, é preciso levantar-se imediatamente. Com a ajuda de Deus, que não nos faltará se usarmos os meios adequados, chegaremos, o mais depressa possível, ao arrependimento, à sinceridade humilde, à reparação, para que a derrota momentânea redunde numa grande vitória de Jesus Cristo.

Habituai-vos também a travar a luta longe das muralhas principais da fortaleza.
Não podemos andar a fazer equilíbrios nas fronteiras do mal; temos de evitar com firmeza o voluntário in causa.
Temos de afastar a mais pequena falta de amor, temos de fomentar as ânsias de apostolado cristão, contínuo e fecundo, que necessita da santa pureza como alicerce, sendo esta, aliás, um dos seus frutos mais característicos.
Devemos, além disso, encher o tempo com trabalho intenso e responsável, procurando a presença de Deus, porque nunca nos podemos esquecer que fomos comprados por alto preço e que somos templos do Espírito Santo.

Que outros conselhos vos hei-de eu sugerir, senão os que sempre foram utilizados pelos cristãos que pretendiam, de verdade, seguir Cristo?
Trata-se, afinal, dos mesmos que empregaram os primeiros a escutarem o apelo de Jesus: o encontro assíduo com o Senhor na Eucaristia, a invocação filial da Santíssima Virgem, a humildade, a temperança, a mortificação dos sentidos - porque não convém olhar o que não é lícito desejar, advertia S. Gregório Magno - e a penitência.

Dir-me-eis que, ao fim e ao cabo, tudo isto é uma síntese da vida cristã.
Na verdade, não seria correcto separar a pureza, que é amor, da essência da nossa fé, que é a caridade, ou seja, um renovado apaixonar-se por Deus que nos criou, nos redimiu e que nos estende continuamente a sua mão, ainda que muitas vezes não nos apercebamos disso.
Deus não nos pode abandonar.
Sião dizia: Yavé abandonou-me e o Senhor esqueceu-se de mim. Pode a mulher esquecer-se do fruto do seu ventre, não se compadecer do fruto das suas entranhas?
Pois, ainda que ela se esquecesse,
Eu não te esqueceria.
Não vos causam estas palavras uma enorme alegria?

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Digo frequentemente que são três as coisas que nos dão alegria na terra e nos alcançam a felicidade eterna do Céu: a fidelidade firme, dedicada, alegre e indiscutida à fé, à vocação que cada um recebeu e à pureza.
Quem ficar agarrado às silvas do caminho - isto é, à sensualidade, à soberba...-, há-de ficar por sua própria vontade; se não rectificar, será um desgraçado, porque virou as costas ao Amor de Cristo.


Volto a afirmar que todos temos misérias.
Isso, porém, não é razão para nos afastarmos do Amor de Deus.
É, sim, estímulo para nos acolhermos a esse Amor, para nos acolhermos à protecção da bondade divina, como os antigos guerreiros se metiam dentro da sua armadura.
Esse ecce ego, quia vocasti me, conta comigo porque me chamaste, é a nossa defesa.
Não devemos fugir de Deus quando descobrimos as nossas fraquezas, mas devemos combatê-las, precisamente porque Deus confia em nós.

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Como é que conseguiremos superar estas coisas mesquinhas? Insisto neste ponto, porque ele se reveste de importância capital: com humildade e sinceridade na direcção espiritual e no sacramento da Penitência.
Ide aos que vos dirigem espiritualmente, com o coração aberto.
Não o fecheis porque, se se mete o demónio mudo pelo meio, depois é difícil lançá-lo fora.

Perdoai-me a insistência, mas julgo imprescindível que fique gravado a fogo nas vossas inteligências que a humildade e a sua consequência imediata a sinceridade, se ligam com os outros meios de luta e fundamentam a eficácia da vitória.
Se a tentação de esconder alguma coisa se infiltra na alma, deita tudo a perder; se, pelo contrário, é vencida imediatamente, tudo corre bem, somos felizes e a vida caminha rectamente.
Sejamos sempre selvaticamente sinceros, embora com modos prudentemente educados.

Quero dizer-vos com toda a clareza que me preocupa muito mais a soberba do que o coração e a carne.
Sede humildes!
Sempre que estiverdes convencidos de que tendes toda a razão, é porque não tendes nenhuma.
Ide à direcção espiritual com a alma aberta.
Não a fecheis, porque então intromete-se o demónio mudo e é muito difícil expulsá-lo.


Lembrai-vos do pobre endemoninhado que os discípulos não conseguiram libertar.
Só o Senhor o pôde fazer com oração e jejum. Naquela altura o Mestre realizou três milagres.
O primeiro foi fazê-lo ouvir, porque quando o demónio mudo nos domina, a alma fica surda; o segundo foi fazê-lo falar; e o terceiro foi expulsar o diabo.

(cont)


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