Amigos de Deus
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Jesus tinha trabalhado muito na véspera e,
ao percorrer o caminho, sentiu fome.
Movido
por esta necessidade, dirige-se àquela figueira que, lá adiante, apresenta uma
esplêndida folhagem.
Relata-nos
S. Marcos que não era tempo de figos; mas Nosso Senhor aproxima-se para os
colher, sabendo muito bem que nessa estação não os encontraria.
Todavia,
ao comprovar a esterilidade da árvore com aquela aparência de fecundidade, com
aquela abundância de folhas, ordena: Nunca
jamais coma alguém fruto de ti.
São palavras duras!
Nunca
jamais haja fruto em ti!
Como ficariam os discípulos, sobretudo ao
considerarem que era a sabedoria de Deus que falava!?
Jesus amaldiçoou esta árvore, porque só
encontrou aparência de fecundidade, folhagem.
Assim
aprendemos que não há desculpas para a ineficácia.
Talvez
digam: não tenho conhecimentos suficientes... não há desculpa! Ou afirmem: é
que a doença...; é que o meu talento não é grande; é que não são favoráveis as
condições; é que o ambiente... também não valem essas desculpas!
Ai
de quem se enfeita com a folhagem de um falso apostolado, ai de quem ostenta a
frondosidade de uma aparente vida fecunda, sem intenções sinceras de conseguir
fruto! Parece que aproveita o tempo, que se mexe, que organiza, que inventa um
novo modo de resolver tudo... mas é improdutivo.
Ninguém
se alimentará com as suas obras sem seiva sobrenatural.
Peçamos ao Senhor para sermos almas
dispostas a trabalhar com heroísmo fecundo, pois não faltam muitos na terra
que, quando as pessoas se aproximam deles, só apresentam folhas: grandes, reluzentes,
lustrosas.
Só
folhagem, exclusivamente, e nada mais.
E
as almas olham para nós com a esperança de saciar a sua fome, que é fome de
Deus! Não é possível esquecer que contamos com todos os meios para isso, ou
seja, com a doutrina suficiente e com a graça do Senhor, apesar das nossas
misérias.
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Recordo-vos de novo que nos resta pouco
tempo: tempus breve est, porque é
breve a vida sobre a terra.
Além
disso, recordo-vos também que, tendo aqueles meios, não necessitamos senão de
boa vontade para aproveitar as ocasiões que Deus nos concedeu.
Desde
que Nosso Senhor veio a este mundo, iniciou-se a era favorável, o dia da
salvação, para nós e para todos.
Que
o Nosso Pai, Deus, não tenha de dirigir-nos a censura que já manifestou pela
boca de Jeremias: a cegonha conhece no céu a sua estação; a rola, a andorinha,
o grou conhecem o tempo da sua arribação; mas o meu povo não conhece o juízo do
Senhor.
Não existem datas más ou inoportunas.
Todos
os dias são bons para servir a Deus.
Só
surgem os maus dias quando o homem os desaproveita com a sua falta de fé, com a
sua preguiça, com a sua inércia que o inclina a não trabalhar com Deus e por
Deus.
Bendirei
o Senhor em todo o tempo!
O
tempo é um tesouro que passa, que se escapa, que corre pelas nossas mãos como a
água pelas penhas altas.
Ontem
já passou e o dia de hoje está a passar. Amanhã será bem depressa outro ontem.
A
duração de uma vida é muito curta.
Mas,
quantas coisas se podem realizar neste pequeno espaço, por amor de Deus!
Nenhuma desculpa nos aproveitará.
O
Senhor foi pródigo connosco.
Instruiu-nos
pacientemente; explicou-nos os seus preceitos com parábolas e insistiu connosco
sem descanso.
Como
a Filipe, pode perguntar-nos: há tanto
tempo que estou convosco e ainda não me conhecestes?
Chegou o momento de trabalhar deveras, de
ocupar todos os momentos da jornada, de suportar - gostosamente, com alegria -
o peso do dia e do calor.
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Nas coisas do Pai
Penso que nos ajudará a terminar melhor
estas reflexões uma passagem do Evangelho de S. Lucas, no capítulo segundo.
Cristo
é uma criança.
Que
dor a de sua Mãe e a de S. José, porque - no regresso de Jerusalém - não vinha
entre os parentes e amigos!
E
que alegria a sua, quando o vêem, já de longe, doutrinando os mestres de
Israel!
Mas
reparai nas palavras, aparentemente duras, que saem da boca do Filho, ao
responder a sua Mãe: por que me buscáveis?
Não era razoável que o procurassem?
As
almas que sabem o que é perder Cristo e encontrá-lo podem compreender isto... porque me buscáveis?
Não sabíeis que devo
ocupar-me nas coisas de meu Pai?
Não
sabíeis, porventura, que eu devo dedicar totalmente o meu tempo ao meu Pai
celestial?
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Este é o fruto da oração de hoje: que nos
persuadamos de que o nosso caminhar na terra - em todas as circunstâncias e em
todos os momentos - é para Deus; que é um tesouro de glória, uma imagem do Céu;
que é, nas nossas mãos, uma maravilha que temos de administrar, com sentido de
responsabilidade perante os homens e perante Deus, sem necessidade de mudar de
estado, no meio da rua, santificando a nossa profissão ou o nosso ofício, a
vida de família, as relações sociais e todas as actividades que parecem à
primeira vista só terrenas.
Quando tinha vinte e seis anos e percebi em
toda a sua profundidade o compromisso de servir o Senhor no Opus Dei, pedi-lhe
com toda a minha alma oitenta anos de gravidade.
Pedia
mais anos ao meu Deus - com ingenuidade infantil de principiante - para saber
utilizar o tempo, para aprender a aproveitar cada minuto ao seu serviço.
O
Senhor sabe conceder essas riquezas.
Talvez
tu e eu cheguemos a poder dizer: sou mais sensato que os anciãos, porque
observo os teus preceitos.
A
juventude não tem de ser sinónimo de despreocupação, assim como ser velho não
significa necessariamente prudência e sabedoria.
Recorre comigo à Mãe de Cristo:
Mãe Nossa, que viste crescer Jesus, que o
viste aproveitar a sua passagem entre os homens: ensina-me a utilizar os meus
dias em serviço da Igreja e das almas.
Mãe bondosa, ensina-me a ouvir, no mais
íntimo do meu coração, como uma censura carinhosa, sempre que for necessário,
que o meu tempo não me pertence, porque é do Nosso Pai que está nos Céus.
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Começar é de muitos; acabar, de poucos.
Nós,
que procuramos comportar-nos como filhos de Deus, temos de estar entre os
segundos.
Não
o esqueçais: só as tarefas terminadas com amor, bem acabadas, merecem aquele
aplauso do Senhor, que se lê na Sagrada Escritura: é melhor o fim de uma obra do que o seu princípio.
É possível que já me tenhais ouvido contar,
noutras conversas, esta história.
Em
todo o caso, interessa-me recordar-vo-la de novo, por ser muito gráfica e
esclarecedora.
Em
certa ocasião, procurava eu no Ritual Romano a fórmula destinada a benzer a
última pedra de um edifício, no fundo a mais importante, porque sintetiza, como
um símbolo, o trabalho duro, esforçado e perseverante de muitas pessoas,
durante longos anos.
Fiquei
surpreendido quando reparei que não existia, pelo que era necessário
conformar-me com uma benedictio ad omnia,
uma bênção genérica.
Confesso-vos
que me parecia impossível que houvesse tal lacuna e fui revendo devagar, embora
inutilmente, o índice do Ritual.
Muitos cristãos perderam a convicção de que
a integridade de Vida, pedida pelo Senhor aos seus filhos, exige um cuidado
autêntico ao realizarem as tarefas pessoais, que têm de santificar, sem descurarem
inclusivamente os pormenores mais pequenos.
Não podemos oferecer ao Senhor uma coisa
que, dentro das pobres limitações humanas, não seja perfeita, sem defeitos e
realizada com toda a atenção, mesmo nos aspectos mais insignificantes, porque
Deus não aceita o que é mal feito.
Não
oferecereis nada que tenha defeito, porque não seria aceite favoravelmente,
adverte-nos a Escritura Santa.
Por
isso, o trabalho de cada um de nós, esse trabalho que ocupa as nossas jornadas
e as nossas energias, há-de ser uma oferenda digna do Criador, operatio Dei, trabalho de Deus e para
Deus. Numa palavra, uma tarefa bem cumprida e impecável.
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Se reparardes, entre os muitos elogios que
fizeram de Jesus aqueles que puderam contemplar a sua vida, há um que, de certo
modo, compreende todos os outros.
Refiro-me
àquela exclamação, cheia de sinais de assombro e de entusiasmo, que a multidão
repetia espontaneamente ao presenciar, atónita, os seus milagres: bene omnia fecit, tudo tem feito
admiravelmente bem: os grandes prodígios e as coisas comezinhas, quotidianas,
que não deslumbraram ninguém, mas que Cristo realizou com a plenitude de quem é
perfectus Deus, perfectus Homo,
perfeito Deus e perfeito homem.
Toda a vida do Senhor me apaixona.
Tenho,
porém, uma particular predilecção pelos seus trinta anos de existência oculta
em Belém, no Egipto e em Nazaré.
Esse
longo tempo, de que mal se fala no Evangelho, surge desprovido de significado
próprio aos olhos de quem o considera com superficialidade.
E,
no entanto, sempre sustentei que um tal silêncio sobre a biografia do Mestre é
bem eloquente e encerra maravilhosas lições para os cristãos.
Foram
anos intensos de trabalho e de oração, em que Jesus teve uma vida tão normal
como a nossa, simultaneamente divina e humana. Naquela singela e ignorada
oficina de artesão e, mais tarde, diante das multidões, cumpriu tudo com
perfeição.
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O trabalho, participação
do poder divino
Desde o começo da sua criação que o homem
teve de trabalhar.
Não
sou eu quem o inventa.
Basta
abrir as primeiras páginas da Sagrada Bíblia para aí se ler que Deus formou
Adão com o barro da terra e criou para ele e para a sua descendência este mundo
tão formoso, ut operaretur et custodiret
illum, com o fim de o trabalhar e de o conservar, e isto antes mesmo de o
pecado entrar na humanidade e, como consequência dessa ofensa, a morte, as
penas e as misérias.
Temos, pois, de nos convencer de que o
trabalho é uma realidade magnífica, que se nos impõe como lei inexorável a que
todos estamos submetidos, de uma ou de outra forma, apesar de alguns
pretenderem eximir-se a ela.
Aprendei-o
bem: esta obrigação não surgiu como uma sequela do pecado original, nem se
reduz a uma descoberta dos tempos modernos.
Trata-se
de um meio necessário que Deus nos confia na terra, alongando os nossos dias e
tornando-nos partícipes do seu poder criador, para que ganhemos o nosso
sustento e, simultaneamente, recolhamos frutos para a vida eterna: o homem
nasce para trabalhar, como as aves para voar.
Talvez me digais que já se passaram muitos
séculos, que muito pouca gente pensa desta maneira, que a maioria provavelmente
se afana por motivos bem diversos: uns, por dinheiro; outros, para manter a
família; outros, na mira de conseguir uma certa posição social, para
desenvolver as suas capacidades, para satisfazer as suas paixões desordenadas,
para contribuir para o progresso social.
E
todos, em geral, encaram as suas ocupações como uma necessidade de que não
podem evadir-se.
Perante esta visão plana, egoísta,
rasteira, tu e eu temos de recordar a nós mesmos e de recordar aos outros que
somos filhos de Deus, a quem o nosso Pai dirigiu um convite idêntico ao
daqueles personagens da parábola evangélica: filho, vai trabalhar na minha
vinha.
Posso
assegurar-vos que aprenderemos a terminar as nossas tarefas com a maior
perfeição humana e sobrenatural de que somos capazes, se nos empenharmos em
considerar assim diariamente as nossas obrigações pessoais como ordem divina.
É
possível que nos rebelemos numa ou noutra ocasião como o filho mais velho, que
respondeu: não quero!
Saberemos,
contudo, reagir e, desde que nos arrependamos, dedicar-nos-emos mais
esforçadamente ao cumprimento do dever.
(cont)
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