Amigos de Deus
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Na
barca de Cristo
Como a Nosso Senhor, também a mim me agrada
muito falar de barcas e de redes, para todos tirarmos propósitos firmes e concretos
dessas cenas evangélicas.
S. Lucas conta-nos que uns pescadores
lavavam e remendavam as redes à beira do lago de Genesaré. Jesus aproxima-se de
uma daquelas naves atracadas na margem e sobe a uma delas, a de Simão.
Com
que naturalidade se mete o Mestre na vida de cada um de nós para nos complicar
a vida, como se repete por aí em tom de queixa. Nosso Senhor cruzou-se convosco
e comigo no nosso caminho, para nos complicar a existência, delicadamente,
amorosamente.
Depois de pregar da barca de Pedro,
dirige-se aos pescadores: duc in altum,
et laxate retia vestra in capturam, remai para o mar alto e lançai as
redes!
Fiados na palavra de Cristo, obedecem e
obtêm aquela pesca prodigiosa.
Olhando
para Pedro que, como Tiago e João, estava pasmado, Nosso Senhor explica-lhe:
não tenhas medo; desta hora em diante serás pescador de homens.
E,
trazidas as barcas para terra, deixando tudo, seguiram-no.
A tua barca - os teus talentos, as tuas
aspirações, os teus êxitos - não vale para nada, a não ser que a ponhas à
disposição de Jesus Cristo, que permitas que Ele possa entrar nela com
liberdade, que não a convertas num ídolo.
Sozinho,
com a tua barca, se prescindires do Mestre, sobrenaturalmente falando,
encaminhas-te directamente para o naufrágio.
Só
se admitires, se procurares a presença e o governo de Nosso Senhor, estarás a
salvo das tempestades e dos reveses da vida.
Põe
tudo nas mãos de Deus: que os teus pensamentos, as aventuras boas da tua
imaginação, as tuas ambições humanas nobres, os teus amores limpos, passem pelo
coração de Cristo.
De
outra forma, mais tarde ou mais cedo, irão a pique com o teu egoísmo.
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Se consentires que Deus seja o senhor da
tua nave, que Ele seja o amo, que segurança!..., mesmo quando a tempestade se
levanta no meio das trevas mais escuras e parece que Ele se ausenta, que está a
dormir, que não se preocupa.
S. Marcos relata que os Apóstolos se
encontravam nessas circunstâncias; e Jesus, vendo-os cansados de remar (porque
o vento lhes era contrário), cerca da quarta vigília da noite foi ter com eles,
andando sobre o mar...
Tende
confiança, sou eu, não temais.
E
subiu para a barca, para junto deles e cessou o vento.
Meus filhos, acontecem tantas coisas na
terra...!
Podia pôr-me a falar de penas, de
sofrimentos, de maus tratos, de martírios - não tiro nem uma letra -, do
heroísmo de muitas almas.
Aos
nossos olhos, na nossa inteligência, surge às vezes a impressão de que Jesus
dorme, de que não nos ouve; mas S. Lucas narra como Nosso Senhor se comporta
com os seus:
Enquanto
iam navegando, Jesus adormeceu e levantou-se uma tempestade de vento sobre o
lago e a barca enchia-se de água e estavam em perigo.
Aproximando-se
dele, despertaram-no dizendo: Mestre, nós perecemos!
Ele,
levantando-se, increpou o vento e as ondas, que acalmaram e veio a bonança.
Então
disse-lhes: onde está a vossa fé?
Se nos dermos, Ele dá-se-nos.
Temos
de confiar plenamente no Mestre, temos de nos abandonar nas suas mãos sem
mesquinhez; de lhe manifestar, com as nossas obras, que a barca é dele, que
queremos que disponha à vontade de tudo o que nos pertence.
Termino, recorrendo à intercessão de Santa
Maria, com estes propósitos: viver de fé; perseverar com esperança; permanecer
unidos a Jesus Cristo, amá-lo de verdade, de verdade, de verdade; percorrer e
saborear a nossa aventura de Amor, pois estamos apaixonados por Deus; deixar
que Cristo entre na nossa pobre barca e tome posse da nossa alma como Dono e
Senhor; manifestar-lhe com sinceridade que havemos de nos esforçar por nos
mantermos sempre na sua presença, de dia e de noite, porque Ele nos chamou à
fé: ecce ego quia vocasti me! e que
vimos ao seu redil atraídos pela sua voz e pelos seus assobios de Bom Pastor,
com a certeza de que só à sua sombra encontraremos a verdadeira felicidade
temporal e eterna.
23
Tenho recordado com frequência aquela cena
comovedora que o Evangelho nos relata: Jesus está na barca de Pedro, de onde
tinha falado ao povo.
Essa
multidão que o seguia moveu o afã de almas que consome o seu Coração e o Divino
Mestre quer que os discípulos participem quanto antes desse zelo. Depois de
lhes dizer que se façam ao largo - duc in
altum! - sugere a Pedro que lance as redes para pescar.
Não me vou demorar agora nos pormenores,
tão instrutivos, desses momentos.
Desejo
que consideremos a reacção do Príncipe dos Apóstolos perante o milagre:
afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador. É uma verdade - disso não
tenho dúvidas - que se ajusta perfeitamente à situação pessoal de todos.
No
entanto, asseguro-vos que, ao tropeçar durante a minha vida com tantos
prodígios da graça, realizados através de mãos humanas, tenho-me sentido
inclinado, diariamente cada vez mais inclinado, a gritar: Senhor, não te
afastes de mim, pois sem Ti não posso fazer nada de bom.
Precisamente por isso, percebo muito bem
aquelas palavras do Bispo de Hipona, que soam como um cântico maravilhoso à
liberdade: Deus, que te criou sem ti, não
te salvará sem ti, porque cada um de nós, tu, eu, temos sempre a possibilidade
- a triste desventura - de nos levantarmos contra Deus, de rejeitá-lo - talvez
só com a nossa conduta - ou de exclamar: não queremos que reine sobre nós.
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Escolher
a vida
Agradecidos por nos apercebermos da
felicidade a que estamos chamados, aprendemos que todas as criaturas foram
tiradas do nada por Deus e para Deus: as racionais, os homens, apesar de tão frequentemente
perdermos a razão; e as irracionais, as que percorrem a superfície da terra, ou
habitam as entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas delas até
fitarem o Sol. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, só nós, homens -não
falo aqui dos anjos - nos unimos ao Criador pelo exercício da nossa liberdade,
podendo prestar ou negar a Nosso Senhor a glória que lhe corresponde como Autor
de tudo o que existe.
Essa possibilidade é a principal componente
do claro-escuro da liberdade humana.
Nosso
Senhor convida-nos e anima-nos a escolher o bem, porque nos ama profundamente.
Considera
que ponho hoje diante de ti, dum lado, a vida e o bem, do outro, a morte e o mal.
Recomendo-te
que ames o Senhor teu Deus, que andes nos seus caminhos, que guardes os seus
preceitos, as suas leis e os seus decretos.
Se
assim fizeres, viverás...
Escolhe,
pois, a vida para que vivas.
Queres pensar - pela minha parte também
farei o meu exame - se manténs imutável e firme a tua escolha da Vida?
Se, ao ouvires essa voz de Deus,
amabilíssima, que te estimula à santidade, respondes livremente que sim?
Dirijamos o olhar para o nosso Jesus,
quando falava às multidões pelas cidades e campos da Palestina.
Não
pretende impor-se.
Se
queres ser perfeito..., diz ao jovem rico.
Aquele
rapaz rejeitou o convite e o Evangelho conta que abiit tristis , que se retirou entristecido.
Por
isso, alguma vez lhe chamei a ave triste: perdeu a alegria, porque se negou a
entregar a liberdade a Deus.
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Consideremos agora o momento sublime em que
o Arcanjo São Gabriel anuncia a Santa Maria o desígnio do Altíssimo.
A nossa Mãe ouve e interroga para
compreender melhor aquilo que Nosso Senhor lhe pede; depois, surge a resposta
firme: Fiat! - faça-se em mim segundo
a tua palavra! -, o fruto da melhor liberdade: a de se decidir por Deus.
Em todos os mistérios da nossa fé católica
paira esse cântico à liberdade.
A Santíssima Trindade tira do nada o mundo
e o homem, num livre esbanjamento de amor.
O
Verbo desce do Céu e assume a nossa carne com este selo maravilhoso da
liberdade na submissão: eis que venho, segundo está escrito de mim no princípio
do livro, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Quando chega a hora marcada por
Deus para salvar a humanidade da escravidão do pecado, contemplamos Jesus
Cristo em Getsémani, sofrendo terrivelmente até derramar um suor de sangue e
aceitando rendida e espontaneamente o sacrifício que o Pai lhe reclama: como
cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda diante dos tosquiadores.
Já
o tinha anunciado aos seus, numa daquelas conversas em que abria o Coração, com
a finalidade de que aqueles que o amam conheçam que Ele é o Caminho - não há
outro - para se aproximarem do Pai: por isso o meu Pai me ama, porque dou a
minha vida para outra vez a assumir. Ninguém ma tira, mas Eu é que a dou por
minha própria vontade e tenho o poder de a dar e o poder de a recobrar.
(cont)
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