Amigos de Deus
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É bem certo que se trata de um objectivo
elevado e árduo. Mas não se esqueçam de que o santo não nasce: forja-se no jogo
contínuo da graça divina e da correspondência humana.
Um
dos escritores cristãos dos primeiros séculos adverte, referindo-se à união com
Deus: Tudo o que se desenvolve começa por ser pequeno.
Ao
alimentar-se gradualmente, com constantes progressos, é que chega a ser grande.
Por
isso te digo que, se quiseres portar-te como um cristão coerente - sei que
estás disposto a isso, embora te custe tantas vezes vencer-te ou puxar por esse
pobre corpo - deves ter muito cuidado com os mais pequenos pormenores, porque a
santidade que Nosso Senhor te exige atinge-se realizando com amor de Deus o
trabalho e as obrigações de cada dia, que se compõem quase sempre de pequenas
realidades.
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Coisas
pequenas e vida de infância
Pensando naqueles que, à medida que o tempo
passa, ainda se dedicam a sonhar -em sonhos vãos e pueris, como Tartarin de
Tarascon - com caçar leões nos corredores de casa, onde se calhar só há ratos e
pouco mais, pensando neles, insisto, lembro a grandeza de actuar com espírito
divino no cumprimento fiel das obrigações habituais de cada dia, com essas
lutas que enchem Nosso Senhor de alegria e que só Ele e cada um de nós conhece.
Convençam-se de que normalmente não vão
encontrar ocasiões para grandes façanhas, entre outros motivos porque não é
habitual que surjam essas oportunidades.
Pelo
contrário, não faltam ocasiões de demonstrar o amor a Jesus Cristo, através do
que é pequeno, do normal.
A
grandeza da alma também se demonstra nas coisas diminutas, comenta S. Jerónimo.
Não
admiramos o Criador apenas no céu e na terra, no sol e no oceano, nos
elefantes, camelos, bois, cavalos, leopardos, ursos e leões; mas também nos
animais minúsculos como formigas, mosquitos, moscas, vermes e outros animais
semelhantes, que distinguimos melhor pelos corpos do que pelos nomes: admiramos
a mesma mestria tanto nos grandes como nos pequenos.
Assim,
a alma que se dá a Deus dedica às coisas menores o mesmo fervor que às maiores.
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Ao meditar as palavras de Nosso Senhor: Por
amor deles santifico-me a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na
verdade, percebemos claramente o nosso único fim: a santificação, isto é, que
temos de ser santos para santificar.
Simultaneamente,
como tentação subtil, talvez nos assalte o pensamento de que muito poucos
estamos decididos a responder a esse convite divino, além de nos vermos como
instrumentos de muito fraca categoria.
É
verdade, somos poucos, em comparação com o resto da humanidade e pessoalmente
não valemos nada; mas a afirmação do Mestre ressoa com autoridade: o cristão é
luz, sal, fermento do mundo e um pouco de fermento faz levedar toda a massa.
Precisamente
por isso, tenho pregado sempre que nos interessam todas as almas - as cem que
há num cento - sem nenhuma espécie de discriminações, com a certeza de que
Jesus Cristo nos redimiu a todos e quer servir-se de alguns de nós, apesar da
nossa nulidade pessoal, para darmos a conhecer esta salvação.
Um discípulo de Jesus nunca trata ninguém
mal; chama erro ao erro, mas deve corrigir com afecto o que erra: se não, não
pode ajudá-lo, não pode santificá-lo.
Temos
que conviver, temos que compreender, temos que desculpar, temos que ser
fraternos; e, como aconselhava S. João da Cruz, temos que pôr amor, onde não há
amor, para tirar amor, sempre, mesmo nas circunstâncias aparentemente
intranscendentes que o trabalho profissional e as relações familiares e sociais
nos proporcionam.
Portanto,
tu e eu vamos aproveitar até as oportunidades mais banais que se apresentarem à
nossa volta, para santificá-las, para nos santificarmos e para santificar os
que compartilham connosco os mesmos afãs quotidianos, sentindo nas nossas vidas
o peso doce e sugestivo da co-redenção.
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Vou continuar esta conversa diante de Nosso
Senhor, com uma nota que utilizei há uns anos e que mantém a actualidade.
Recolhi
então umas considerações de Teresa de Ávila: tudo o que se acaba e não contenta
Deus é nada e menos que nada.
Compreendem
porque é que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta
do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade?
Esforcem-se
por nunca perder este ponto de mira sobrenatural, nem sequer nos momentos de
diversão ou de descanso, tão necessários como o trabalho na vida de cada um.
Bem
podem chegar ao cume da vossa actividade profissional, alcançar os triunfos
mais retumbantes, como fruto da livre iniciativa com que exercem as actividades
temporais; mas se abandonarem o sentido sobrenatural que tem de presidir todo o
nosso trabalho humano, enganaram-se lamentavelmente no caminho.
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Permitam-me uma pequena digressão que vem
muito a propósito.
Nunca
perguntei a opinião política a nenhum dos que vêm ter comigo: não me interessa!
Com
esta minha norma de conduta, manifesto uma realidade que está muito metida no
âmago do Opus Dei, ao qual me dediquei completamente, com a graça e a
misericórdia divina, para servir a Santa Igreja.
Não
me interessa esse tema porque os cristãos gozam da mais completa liberdade, com
a consequente responsabilidade pessoal, para intervir como lhes parecer melhor
em questões de índole política, social, cultural, etc., sem outros limites além
dos que o Magistério da Igreja indica.
Só
ficaria preocupado - pelo bem dessas almas - se não respeitassem tais marcas,
porque teriam criado uma vincada oposição entre a fé que afirmam professar e as
obras: e, nessa altura, teria que lhes chamar a atenção com clareza.
Este
sacrossanto respeito pelas vossas opções, desde que elas não afastem da lei de
Deus, não se entende.
Não
o entende quem ignora o verdadeiro conceito da liberdade que Cristo nos ganhou
na Cruz, qua libertate Christus nos
liberavit, quem for sectário de um e de outro extremo, quem pretender impor
as suas opiniões temporais como dogmas. Também não o entende quem degrada o
homem, ao negar o valor da fé, colocando-a à mercê dos erros mais brutais.
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Mas voltemos ao nosso tema.
Dizia-lhes
que bem podem alcançar os êxitos mais espectaculares no terreno profissional,
na actuação pública, nos afazeres profissionais, mas se se descuidarem
interiormente e se afastarem de Nosso Senhor, o fim será um fracasso rotundo.
Perante
Deus, que é o que conta em última análise, quem luta por comportar-se como um
cristão autêntico, é que consegue a vitória: não existe uma solução intermédia.
Por
isso vocês conhecem tantas pessoas que deviam sentir-se muito felizes, ao
julgar a sua situação de um ponto de vista humano e, no entanto, arrastam uma
existência inquieta, azeda; parece que vendem alegria a granel, mas
aprofunda-se um pouco nas suas almas e fica a descoberto um sabor acre, mais
amargo que o fel.
Isto
não há-de acontecer a nenhum de nós, se deveras tratarmos de cumprir
constantemente a Vontade de Deus, de dar-lhe glória, de louvá-lo e de espalhar
o seu reinado entre todas as criaturas.
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A
coerência cristã da vida
Tenho muita pena sempre que sei que um
católico - um filho de Deus que, pelo Baptismo, é chamado a ser outro Cristo -
tranquiliza a consciência com uma simples piedade formalista, com uma
religiosidade que o leva a rezar de vez em quando (só se acha que lhe convém!);
a assistir à Santa Missa nos dias de preceito - e nem sequer em todos -, ao
passo que se preocupa pontualmente por acalmar o estômago, com refeições a
horas fixas; a ceder na fé, a trocá-la por um prato de lentilhas, desde que não
renuncie à sua posição...
E
depois, com descaramento ou com espalhafato, utiliza a etiqueta de cristão para
subir.
Não!
Não
nos conformemos com as etiquetas: quero que sejam cristãos de corpo inteiro,
íntegros; e, para o conseguirem, têm que procurar decididamente o alimento
espiritual adequado.
Vocês sabem por experiência pessoal - e
têm-me ouvido repetir com frequência, para evitar desânimos - que a vida
interior consiste em começar e recomeçar todos os dias; e notam no vosso
coração, como eu noto no meu, que precisamos de lutar continuamente.
Terão
observado no vosso exame - a mim acontece-me o mesmo: desculpem que faça
referências a mim próprio, mas enquanto falo convosco vou pensando com Nosso
Senhor nas necessidades da minha alma - que sofrem repetidamente pequenos
reveses, que às vezes parecem descomunais, porque revelam uma evidente falta de
amor, de entrega, de espírito de sacrifício, de delicadeza.
Fomentem
as ânsias de reparação, com uma contrição sincera, mas não percam a paz.
(cont)
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