Amigos de Deus
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Acontece, porém, que algumas pessoas - são
boas, bondosas - afirmam por palavras que aspiram a difundir o formoso ideal da
nossa fé, mas se contentam na prática com uma conduta profissional superficial
e descuidada, própria de cabeças-no-ar.
Se
nos encontrarmos com alguns destes cristãos de fachada, temos de ajudá-los com
carinho e com clareza e recorrer, quando for necessário, a esse remédio
evangélico da correcção fraterna: Irmãos,
se porventura alguém for surpreendido nalguma falta, vós, os espirituais,
corrigi-o com espírito de mansidão; e tu, acautela-te a ti mesmo, não venhas
também a cair na tentação. Levai os fardos uns dos outros e desse modo
cumprireis a lei de Cristo.
E
se para além da sua profissão de católicos se acrescentam outros motivos - mais
idade, experiência ou responsabilidade - nessa altura, por maioria de razão
temos de falar, temos que procurar que reajam, a fim de conseguirem maior
influência na sua vida de trabalho, orientando-os como um bom pai, como um
mestre, sem humilhar.
Sensibiliza bastante meditar calmamente o
comportamento de S. Paulo: De facto, vós
sabeis como deveis comportar-vos para nos imitardes, porquanto não fomos, entre
vós, preguiçosos, nem foi a expensas alheias que comemos o pão, de quem quer
que fosse, mas trabalhámos noite e dia, entre fadigas e privações, para não
sermos pesados a nenhum de vós... Daí a razão por que, justamente quando nos
encontrávamos entre vós, vos intimávamos que se alguém não quer trabalhar,
abstenha-se também de comer.
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Temos de dar exemplo, por amor a Deus, por
amor às almas e para corresponder à nossa vocação de cristãos.
Para
que não escandalizeis, nem levanteis a mínima sombra de suspeita de que os
filhos de Deus são negligentes ou não servem, para que não sejais causa de
desedificação..., haveis de vos esforçar por oferecer com a vossa conduta a
medida justa, a boa vontade de um homem responsável.
Tanto
o camponês, que ara a terra enquanto vai levantando continuamente o seu coração
a Deus, como o carpinteiro, o ferreiro, o empregado de escritório, o
intelectual, em suma, todos os cristãos, têm de ser modelo para os seus
colegas.
No
entanto, devem sê-lo sem orgulho, porque temos na nossa alma a clara convicção
de só conseguirmos alcançar a vitória desde que contemos com Ele.
Nós,
sozinhos, não podemos sequer levantar uma palhinha do chão . Por isso, cada
pessoa, na sua tarefa e no lugar que ocupa na sociedade, há-de sentir a
obrigação de fazer um trabalho de Deus, que em toda a parte semeie a alegria e
a paz do Senhor.
O
perfeito cristão leva sempre consigo a serenidade e a alegria.
Serenidade,
porque se sente na presença de Deus; alegria, porque se vê rodeado dos seus
dons.
Um
cristão assim é de verdade um personagem real, um sacerdote santo de Deus.
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Para alcançarmos esta meta temos de nos
conduzir movidos pelo Amor e nunca como aquele que suporta o peso de um castigo
ou de uma maldição: Tudo o que fizerdes
por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças,
por meio d'Ele, a Deus Pai.
Desta
forma terminaremos a nossa tarefa com perfeição, enchendo o tempo todo, porque
seremos instrumentos apaixonados por Deus, que compreendem toda a
responsabilidade e toda a confiança que o Senhor deposita sobre os seus ombros,
apesar da debilidade pessoal. Em todas e cada uma das tuas actividades, porque
contas com a fortaleza de Deus, hás-de comportar-te como quem se movimenta exclusivamente
por Amor.
Mas não fechemos os olhos à realidade,
conformando-nos com uma visão ingénua e superficial, que nos conduza à ideia de
que nos espera um caminho fácil e que para percorrê-lo bastam alguns propósitos
sinceros e desejos ardentes de servir a Deus.
Não
duvideis: ao longo dos anos, apresentar-se-ão - talvez mais depressa do que
pensamos - situações particularmente custosas, que vão exigir de cada um muito
espírito de sacrifício e um maior esquecimento de si mesmo.
Fomenta
então a virtude da esperança e, com audácia, faz teu o grito do Apóstolo: Eu estimo, efectivamente, que os sofrimentos
do tempo presente não têm proporção alguma com a glória que há-de revelar-se em
nós.
Medita
com segurança e com paz: como será o amor infinito derramado sobre esta pobre
criatura?!
Chegou
a hora de, no meio das tuas ocupações habituais, exercitares a fé, despertares
a esperança, avivares o amor.
Quer
dizer: de activar as três virtudes teologais que nos impelem a desterrar
imediatamente, sem dissimulações, sem rebuço, sem rodeios, os equívocos da
nossa vida profissional e da nossa vida interior.
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Portanto, meus caríssimos irmãos, - de novo
a voz de S. Paulo - permanecei firmes e
inabaláveis, sempre generosos em trabalhar para o Senhor, sabendo que o vosso
trabalho não fica sem recompensa de Deus.
Vêdes?
É
todo um conjunto de virtudes que pomos em jogo ao desempenhar a nossa
profissão, com o propósito de a santificar: a fortaleza, para perseverarmos no
nosso trabalho, apesar das naturais dificuldades, sem nos deixarmos vencer pelo
abatimento; a temperança, para nos gastarmos sem reservas e para superarmos a
comodidade e o egoísmo; a justiça, para cumprirmos os nossos deveres com Deus,
com a sociedade, com a família, com os colegas; a prudência, para sabermos o
que convém fazer em cada caso e lançarmo-nos à obra sem demora...
E
tudo, insisto, por Amor, com o sentido vivo e imediato da responsabilidade do
fruto do nosso trabalho e do seu alcance apostólico.
Obras são amores e não boas razões, diz o
refrão popular e penso que é desnecessário acrescentar-lhe mais alguma coisa.
Senhor, concede-nos a tua graça.
Abre-nos
a porta da oficina de Nazaré, com o fim de aprendermos a contemplar-Te a Ti,
com a tua Mãe Santa Maria e com o Santo Patriarca José - a quem tanto amo e
venero - todos três dedicados a uma vida de trabalho santo.
Sensibilizar-se-ão
os nossos pobres corações, procurar-Te-emos e encontrar-Te-emos no trabalho
diário, que Tu desejas que convertamos em obra de Deus, em obra de Amor.
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Conta S. Lucas, no capítulo sétimo:
Um fariseu pediu-lhe que
fosse comer com ele.
E tendo entrado em casa do
fariseu, pôs-se à mesa.
Chega então uma mulher da
cidade, conhecida publicamente como pecadora, e aproxima-se para lavar os pés
de Jesus, que, segundo o uso da época, comia reclinado.
As
lágrimas são a água deste comovedor lavabo; e os cabelos, a toalha. Com bálsamo
trazido num rico frasco de alabastro, unge os pés do Mestre e beija-os.
O fariseu pensa mal do que vê.
Não
lhe cabe na cabeça que Jesus seja capaz de albergar tanta misericórdia no seu
coração.
Se este fosse profeta -
vai congeminando - com certeza saberia
quem e de que espécie é esta mulher que o toca.
Jesus lê os seus pensamentos e observa-lhe:
Vês
esta mulher?
Entrei em tua casa, não me
deste água para os pés; e esta com as suas lágrimas banhou os meus pés e
enxugou-os com os seus cabelos.
Não me deste o ósculo.
Porém, esta, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés.
Não ungiste a minha cabeça
com bálsamo, ao passo que esta derramou perfumes sobre os meus pés.
Por isso te digo: são-lhe
perdoados muitos pecados, porque muito amou.
Não podemos agora considerar as maravilhas
divinas do Coração misericordioso de Nosso Senhor.
Vamos
concentrar a nossa atenção noutro aspecto da cena, que é o facto de Jesus
sentir a falta de todos esses pormenores de cortesia e de delicadeza humanas,
que o fariseu não soube manifestar-Lhe. Cristo é perfectus Deus, perfectus homo, Deus, Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade e homem perfeito.
Traz
a salvação e não a destruição da natureza; com Ele aprendemos que não é cristão
comportar-se mal com o homem, criatura de Deus, feito à Sua imagem e
semelhança.
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Virtudes humanas
Certa mentalidade laicista e outras
maneiras de pensar a que poderíamos chamar pietistas coincidem em não
considerar o cristão como homem íntegro e pleno.
Para
os primeiros, as exigências do Evangelho sufocariam as qualidades humanas; para
os outros, a natureza caída poria em perigo a pureza da fé.
O
resultado é o mesmo: desconhecer a profundidade da Encarnação de Cristo,
ignorar que o Verbo se fez carne, homem, e habitou entre nós.
A minha experiência de homem, de cristão e
de sacerdote ensina-me precisamente o contrário: não existe coração, por mais
empedernido no pecado, que não esconda, como rescaldo no meio da cinza, um lume
de nobreza.
Sempre
que bati à porta desses corações, a sós e com a palavra de Cristo, sempre
corresponderam.
Neste
mundo, muitos não privam com Deus; são criaturas que talvez não tenham tido
ocasião de ouvir a palavra divina ou que a esqueceram.
Mas
as suas disposições são humanamente sinceras, leais, compassivas, honradas.
Atrevo-me
a afirmar que quem reúne essas condições está a ponto de ser generoso com Deus,
porque as virtudes humanas constituem o fundamento das sobrenaturais.
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É certo que não é suficiente essa
capacidade pessoal: ninguém se salva sem a graça de Cristo.
Mas
se o indivíduo conserva e cultiva um espírito de rectidão, Deus aplanar-lhe-á o
caminho e poderá ser santo, porque soube viver como homem de bem.
Talvez tenhais observado outros casos, de
certo modo contrapostos: tantos e tantos que se dizem cristãos - porque foram
baptizados e recebem outros Sacramentos -, mas que se mostram desleais,
mentirosos, insinceros, orgulhosos...
E
caem de repente.
Parecem
estrelas que brilham durante alguns momentos no céu e, de súbito, despenham-se
irremediavelmente.
Se aceitarmos a nossa responsabilidade de
filhos de Deus, saberemos que Ele quer que sejamos muito humanos.
A
cabeça pode tocar o céu, mas os pés assentam na terra, com segurança.
O
preço de se viver cristãmente não é nem deixar de ser homem nem abdicar do
esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo sem conhecerem
Cristo.
O
preço de todo o cristão é o Sangue redentor de Nosso Senhor, que nos quer -
insisto - muito humanos e muito divinos, com o empenho diário de O imitar, pois
é perfectus Deus, perfectus homo.
(cont)
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