Cristo que passa 23 a 25
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Para o cristão o
matrimónio não é uma simples instituição social e menos ainda um remédio para
as fraquezas humanas: é uma autêntica vocação sobrenatural.
Sacramento grande em
Cristo e na Igreja, como diz S. Paulo, é, ao mesmo tempo e inseparavelmente,
contrato que um homem e uma mulher fazem para sempre, pois, quer queiramos quer
não, o matrimónio instituído por Jesus Cristo é indissolúvel, sinal sagrado que
santifica, acção de Jesus, que invade a alma dos que se casam e os convida a
segui-Lo, transformando toda a vida matrimonial num caminhar divino pela Terra.
Os casados estão chamados
a santificar o seu matrimónio e a santificar-se nessa união: cometeriam, por
isso, um grave erro. se edificassem a sua vida espiritual à margem do lar.
A vida familiar, as
relações conjugais, o cuidado e a educação dos filhos, o esforço por sustentar,
manter e melhorar economicamente a família, as relações com as outras pessoas
que constituem a comunidade social, tudo isso são situações humanas e correntes
que os esposos cristãos devem sobrenaturalizar.
A fé e a esperança hão-de
manifestar-se na serenidade com que se focam os grandes ou pequenos problemas
que surgem em todos os lares, no empenho com que se persevera no cumprimento do
dever. A caridade há-de encher tudo e levará: a partilhar as alegrias e os
possíveis dissabores; a saber sorrir, esquecendo-se das preocupações pessoais
para atender os outros; a escutar o outro cônjuge ou os filhos, mostrando-lhes
que são amados e compreendidos deveras; a passar por alto pequenos atritos sem
importância, que o egoísmo poderia transformar em montanhas; a fazer com grande
amor os pequenos serviços de que se compõe a convivência diária.
Santificar o lar no
dia-a-dia, criar, com carinho, um autêntico ambiente de família: é disso
precisamente que se trata.
Para santificar cada um
dos dias, é necessário exercitar muitas virtudes cristãs; em primeiro lugar, as
teologais e, depois, todas as outras: a prudência, a lealdade, a sinceridade, a
humildade, o trabalho, a alegria...
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Santidade do amor humano
Ao falar do matrimónio, da
vida matrimonial, é necessário começar por referir-nos claramente ao amor dos
cônjuges.
O amor puro e limpo dos
esposos é uma realidade santa, que eu, como sacerdote, abençoo com ambas as
mãos.
A tradição cristã viu
frequentemente na presença de Jesus nas bodas de Caná uma confirmação do valor
divino do matrimónio: O nosso Salvador foi às bodas - escreve S. Cirilo de
Alexandria - para santificar o princípio da geração humana.
O matrimónio é um
sacramento que faz de dois corpos uma só carne: como diz com expressão forte a
teologia, são os próprios corpos dos contraentes que constituem a sua matéria.
O Senhor santifica e
abençoa o amor do marido à mulher e o da mulher ao marido; e ordenou não só a
fusão das suas almas, mas também a dos seus corpos.
Nenhum cristão, esteja ou
não chamado à vida matrimonial, pode deixar de a estimar.
O Criador deu-nos a
inteligência, centelha do entendimento divino, que nos permite - com vontade
livre, outro dom de Deus - conhecer e amar; e deu ao nosso corpo a
possibilidade de gerar, que é como uma participação do seu poder criador.
Deus quis servir-se do
amor conjugal para trazer novas criaturas ao mundo e aumentar o corpo da
Igreja.
O sexo não é uma realidade
vergonhosa; é uma dádiva divina que se orienta limpamente para a vida, para o
amor, para a fecundidade.
Esse é o contexto, o pano
de fundo, em que se situa a doutrina cristã sobre a sexualidade.
A nossa fé não desconhece
nada do que de belo, de generoso, de genuinamente humano há neste mundo.
Ensina-nos que a regra do
nosso viver não deve ser a procura egoísta do prazer, porque só a renúncia e o
sacrifício levam ao verdadeiro amor; Deus amou-nos e convida-nos a amá-Lo e a
amar os outros com a verdade e a autenticidade com que Ele nos ama.
Quem conserva a sua vida,
perdê-la-á; e quem perde a sua vida por meu amor voltará a encontrá-la,
escreveu S. Mateus no seu Evangelho, com frase que parece paradoxal.
As pessoas que estão
pendentes de si mesmas, que actuam procurando, antes de mais, a sua própria
satisfação, põem em jogo a sua salvação eterna e, mesmo aqui na Terra, são
inevitavelmente infelizes e desgraçadas.
Só quem se esquece de si e
se entrega a Deus e aos outros - no matrimónio também - pode ser ditoso na
Terra, com uma felicidade que é preparação e antecipação do Céu.
Durante o nosso caminhar
terreno, a dor é pedra de toque do amor. No estado matrimonial, considerando as
coisas de maneira descritiva, poderíamos afirmar que há anverso e reverso: por
um lado, a alegria de se saber amado, o entusiasmo por edificar e sustentar um
lar, o amor conjugal, a consolação de ver crescer os filhos; por outro, dores e
contrariedades, o decurso do tempo que consome os corpos e ameaça azedar os
caracteres, a monotonia dos dias, aparentemente sempre iguais.
Formaria um pobre conceito
do matrimónio e do amor humano quem pensasse que ao tropeçar com essas
dificuldades, o carinho e o contentamento se acabam.
É precisamente então que
os sentimentos que animavam aquelas criaturas revelam a sua verdadeira
natureza, que a doação e a ternura se enraízam e se manifestam com um afecto
autêntico e profundo, mais poderoso que a morte.
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Essa autenticidade do amor
requer fidelidade e rectidão em todas as relações matrimoniais. Deus, comenta
S. Tomás de Aquino, uniu às diversas funções da vida humana um prazer, uma
satisfação; esse prazer e essa satisfação são, por conseguinte, bons.
Mas se o homem, invertendo
a ordem das coisas, busca essa emoção como valor último, desprezando o bem e o
fim a que deve estar ligada e ordenada, perverte-a e desnaturaliza-a,
convertendo-a em pecado ou em ocasião de pecado.
A castidade - não a
simples continência, mas a afirmação decidida de uma vontade enamorada - é uma
virtude que mantém a juventude do amor em qualquer estádio da vida.
Existe uma castidade dos
que sentem despertar neles o desenvolvimento da puberdade, uma castidade dos
que se preparam para se casarem, uma castidade dos que Deus chama ao celibato,
uma castidade dos que foram escolhidos por Deus para viverem no matrimónio.
Como não recordar aqui as
palavras fortes e claras que a Vulgata conserva, da recomendação que o Arcanjo
Rafael fez a Tobias antes de desposar Sara?
O Anjo admoestou-o deste
modo: Escuta-me e mostrar-te-ei quem são aqueles contra quem o Demónio pode
prevalecer. São os que abraçam o matrimónio de tal modo que excluem Deus de si
e da sua mente e se deixam arrastar pela paixão como o cavalo e o mulo que
carecem de entendimento. Sobre esses, o Diabo tem poder.
Não há amor claro, franco
e alegre no matrimónio, se não se vive essa virtude da castidade, que respeita
o mistério da sexualidade e o ordena à fecundidade à entrega.
Nunca falei de impureza e
evitei sempre descer a casuísticas mórbidas e sem sentido; mas de castidade e
de pureza, da afirmação jubilosa do amor, falei muitíssimas vezes e devo
continuar a falar.
Pelo que respeita à
castidade conjugal, asseguro aos esposos que não devem ter medo de manifestar o
seu carinho; pelo contrário, essa inclinação é a base da sua vida familiar.
O que o Senhor lhes pede é
que se respeitem mutuamente e que sejam mutuamente leais, que actuem com
delicadeza, com naturalidade, com modéstia.
Dir-lhes-ei também que as
relações conjugais são dignas quando são prova de verdadeiro amor e, portanto,
estão abertas à fecundidade, aos filhos.
Secar as fontes da vida é
um crime contra os dons que Deus concedeu à humanidade e uma manifestação de
que é o egoísmo e não o amor, o que inspira a conduta.
Então tudo se turva,
porque os cônjuges acabam por se olharem como cúmplices; e produzem-se entre
eles dissensões que, continuando nessa linha, são quase sempre insanáveis.
Quando a castidade
conjugal está presente no amor, a vida matrimonial é expressão de uma conduta
autêntica, marido e mulher compreendem-se e sentem-se unidos; quando o bem
divino da sexualidade se perverte, destrói-se a intimidade e marido e mulher já
não podem olhar-se nobremente, cara a cara.
Os esposos devem edificar
a sua convivência sobre um carinho sincero e puro, e sobre a alegria de ter
trazido ao mundo os filhos que Deus lhes tenha dado a possibilidade de ter,
sabendo, se for necessário, renunciar a comodidades pessoais e tendo fé na
Providência divina. Formar uma família numerosa, se tal for a vontade de Deus,
é uma garantia de felicidade e de eficácia, embora afirmem outra coisa os
defensores de um triste hedonismo.
(continua)
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