10/06/2019

Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA

HAURIETIS AQUAS

DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



III

PARTICIPAÇÃO ACTIVA E PROFUNDA QUE TEVE
O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS NA MISSÃO SALVADORA
DO REDENTOR


2) A eucaristia, a santíssima virgem e o sacerdócio são dons do coração amado de Jesus

34. Quem poderá descrever dignamente as pulsações do coração divino, índices do Seu infinito amor, naqueles momentos em que Ele deu aos homens os Seus mais apreciados dons, isto é, a Si mesmo no sacramento da eucaristia, Sua Mãe santíssima, e a participação no oficio sacerdotal?

35. Ainda antes de celebrar a última ceia com os seus discípulos, ao pensar em que ia instituir o sacramento do seu corpo e do seu sangue, com cuja efusão devia confirmar-se a nova aliança, sentiu o Seu coração agitado de intensa emoção, que ele manifestou aos seus apóstolos com estas palavras:

"Ardentemente desejei comer convosco este cordeiro pascal antes da minha paixão"[1];
Emoção que, sem dúvida, foi ainda mais veemente quando Ele

"Tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o a eles, dizendo:
'Isto é meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em memória de mim'. Do mesmo modo tomou o cálice, depois de haver ceado, dizendo: 'Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que por vós será derramado'"[2].

36. Com razão, pois, pode afirmar-se que a divina eucaristia, como sacramento que Ele dá aos homens e como sacrifício que Ele mesmo continuamente imola "desde o nascente até o poente"[3], e também o sacerdócio, são, sem dúvida, dons do Sagrado Coração de Jesus.

37. Dom igualmente precioso do mesmo Sagrado Coração é, como indicávamos, a Santíssima Virgem, Mãe excelsa de Deus e Mãe amadíssima de todos nós, era justo que o género humano tivesse por mãe espiritual aquela que foi Mãe natural do nosso Redentor, a Ele associada na obra de regeneração dos filhos de Eva para a vida da graça.

A propósito disso, escreve a seu respeito Santo Agostinho:

"Evidentemente ela é mãe dos membros do Salvador, que somos nós, porque com a sua caridade cooperou para que nascessem na Igreja os fiéis, que são membros daquela cabeça".[4]

38. Ao dom incruento de Si mesmo sob as espécies do pão e do vinho, Jesus Cristo nosso Salvador quis unir, como testemunho da Sua caridade íntima e infinita, o sacrifício cruento da cruz.
Fazendo isso, deu exemplo daquela sublime caridade que com as seguintes palavras Ele mostrara aos Seus discípulos como meta suprema de amor:

"Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos"[5].

Pelo que o amor de Jesus Cristo, Filho de Deus, revela no sacrifício do Gólgota, de modo o mais eloquente, o amor do próprio Deus:

"Nisto conhecemos a caridade de Deus: em haver ele dado sua vida por nós; e assim nós devemos dar a nossa vida por nossos irmãos"[6].

Certamente, o divino Redentor foi crucificado mais pela força do amor do que pela violência dos algozes, e o Seu holocausto voluntário é dom supremo feito a cada um dos homens, segundo a incisiva expressão do Apóstolo:

"Amou-me e entregou-se por mim"[7].

3) Também a Igreja e os sacramentos são dons do sagrado coração de Jesus

39. Não se pode, pois, duvidar de que, participando intimamente da vida do Verbo encarnado, e pelo mesmo motivo sendo, não menos do que os demais membros da sua natureza humana, como que instrumento conjunto da Divindade na realização das obras da graça e da omnipotência divina,[8] o Sagrado Coração de Jesus é também símbolo legítimo daquela imensa caridade que moveu o nosso Salvador a celebrar, com o derramamento do Seu sangue, o Seu místico matrimónio com a Igreja:

"Sofreu a paixão por amor à Igreja que ele devia unir a si como esposa".[9]
Portanto, do coração ferido do Redentor nasceu a Igreja, verdadeira administradora do sangue da redenção, e do mesmo coração flui abundantemente a graça dos sacramentos, na qual os filhos da Igreja bebem a vida sobrenatural, como lemos na sagrada liturgia:
"Do coração aberto nasce a Igreja desposada com Cristo... Tu, que do coração fazes manar a graça".[10]

A respeito desse símbolo, que nem mesmo dos antigos Padres, escritores e eclesiásticos foi desconhecido, o Doutor comum, fazendo-se eco deles, assim escreve:

"Do lado de Cristo brotou água para lavar e sangue para redimir. Por isso, o sangue é próprio do sacramento da Eucaristia; a água, do sacramento do baptismo, o qual, entretanto, tem força para lavar em virtude do sangue de Cristo".[11]

O que aqui se afirma do lado de Cristo, ferido e aberto pelo soldado, cumpre aplicá-lo ao Seu coração, ao qual, sem dúvida, chegou a lançada desfechada pelo soldado precisamente para que constasse de maneira certa a morte de Jesus Cristo. Por isso, durante o curso dos séculos, a ferida do Coração Sacratíssimo de Jesus, morto já para esta vida mortal, tem sido a imagem viva daquele amor espontâneo com que Deus entregou O Seu Unigénito pela redenção dos homens, e com o qual Cristo nos amou a todos tão ardentemente que a Si mesmo se imolou como hóstia cruenta no Calvário:

"Cristo amou-nos e ofereceu-se a Deus em oblação e hóstia de odor suavíssimo"[12].


PIO PP. XII.


(Revisão da versão portuguesa por AMA)

Notas:




[1] Lc 22, 15
[2] Lc 22, 19-20
[3] Ml 1, 11
[4] De sancta virginitate, VI; PL 40, 399.
[5] Jo 15,13
[6] 1 Jo 3, 16
[7] Gl 2, 20
[8] Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q.19, a. l; ed. Leon., t. XI,1903, p. 329.
[9] Summa theol., Suppl., q. 42, a. l até 3; ed. Leon., t. XII,1906, p. 81.
[10] Hino das Vésp. da festa do sagrado coração de Jesus.
[11] Summa theol, III, q. 66, a. 3, ed. Leon., t. XII,1906, p. 65.
[12] Ef 5, 2

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