HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
III
PARTICIPAÇÃO
ACTIVA E PROFUNDA QUE TEVE
O
SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS NA MISSÃO SALVADORA
DO
REDENTOR
2)
A eucaristia, a santíssima virgem e o sacerdócio são dons do coração amado de
Jesus
34.
Quem poderá descrever dignamente as pulsações do coração divino, índices do Seu
infinito amor, naqueles momentos em que Ele deu aos homens os Seus mais
apreciados dons, isto é, a Si mesmo no sacramento da eucaristia, Sua Mãe
santíssima, e a participação no oficio sacerdotal?
35.
Ainda antes de celebrar a última ceia com os seus discípulos, ao pensar em que
ia instituir o sacramento do seu corpo e do seu sangue, com cuja efusão devia
confirmar-se a nova aliança, sentiu o Seu coração agitado de intensa emoção,
que ele manifestou aos seus apóstolos com estas palavras:
Emoção
que, sem dúvida, foi ainda mais veemente quando Ele
"Tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o a
eles, dizendo:
'Isto é meu corpo, que se
dá por vós; fazei isto em memória de mim'. Do mesmo modo tomou o cálice, depois
de haver ceado, dizendo: 'Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que por
vós será derramado'"[2].
36.
Com razão, pois, pode afirmar-se que a divina eucaristia, como sacramento que Ele
dá aos homens e como sacrifício que Ele mesmo continuamente imola "desde o
nascente até o poente"[3],
e também o sacerdócio, são, sem dúvida, dons do Sagrado Coração de Jesus.
37.
Dom igualmente precioso do mesmo Sagrado Coração é, como indicávamos, a Santíssima
Virgem, Mãe excelsa de Deus e Mãe amadíssima de todos nós, era justo que o género
humano tivesse por mãe espiritual aquela que foi Mãe natural do nosso Redentor,
a Ele associada na obra de regeneração dos filhos de Eva para a vida da graça.
A
propósito disso, escreve a seu respeito Santo Agostinho:
"Evidentemente
ela é mãe dos membros do Salvador, que somos nós, porque com a sua caridade
cooperou para que nascessem na Igreja os fiéis, que são membros daquela
cabeça".[4]
38.
Ao dom incruento de Si mesmo sob as espécies do pão e do vinho, Jesus Cristo
nosso Salvador quis unir, como testemunho da Sua caridade íntima e infinita, o
sacrifício cruento da cruz.
Fazendo
isso, deu exemplo daquela sublime caridade que com as seguintes palavras Ele
mostrara aos Seus discípulos como meta suprema de amor:
Pelo
que o amor de Jesus Cristo, Filho de Deus, revela no sacrifício do Gólgota, de
modo o mais eloquente, o amor do próprio Deus:
"Nisto
conhecemos a caridade de Deus: em haver ele dado sua vida por nós; e assim nós
devemos dar a nossa vida por nossos irmãos"[6].
Certamente,
o divino Redentor foi crucificado mais pela força do amor do que pela violência
dos algozes, e o Seu holocausto voluntário é dom supremo feito a cada um dos
homens, segundo a incisiva expressão do Apóstolo:
3)
Também a Igreja e os sacramentos são dons do sagrado coração de Jesus
39.
Não se pode, pois, duvidar de que, participando intimamente da vida do Verbo
encarnado, e pelo mesmo motivo sendo, não menos do que os demais membros da sua
natureza humana, como que instrumento conjunto da Divindade na realização das
obras da graça e da omnipotência divina,[8] o
Sagrado Coração de Jesus é também símbolo legítimo daquela imensa caridade que
moveu o nosso Salvador a celebrar, com o derramamento do Seu sangue, o Seu
místico matrimónio com a Igreja:
Portanto,
do coração ferido do Redentor nasceu a Igreja, verdadeira administradora do
sangue da redenção, e do mesmo coração flui abundantemente a graça dos
sacramentos, na qual os filhos da Igreja bebem a vida sobrenatural, como lemos
na sagrada liturgia:
"Do
coração aberto nasce a Igreja desposada com Cristo... Tu, que do coração fazes
manar a graça".[10]
A
respeito desse símbolo, que nem mesmo dos antigos Padres, escritores e
eclesiásticos foi desconhecido, o Doutor comum, fazendo-se eco deles, assim
escreve:
"Do
lado de Cristo brotou água para lavar e sangue para redimir. Por isso, o sangue
é próprio do sacramento da Eucaristia; a água, do sacramento do baptismo, o
qual, entretanto, tem força para lavar em virtude do sangue de Cristo".[11]
O
que aqui se afirma do lado de Cristo, ferido e aberto pelo soldado, cumpre aplicá-lo
ao Seu coração, ao qual, sem dúvida, chegou a lançada desfechada pelo soldado
precisamente para que constasse de maneira certa a morte de Jesus Cristo. Por
isso, durante o curso dos séculos, a ferida do Coração Sacratíssimo de Jesus,
morto já para esta vida mortal, tem sido a imagem viva daquele amor espontâneo
com que Deus entregou O Seu Unigénito pela redenção dos homens, e com o qual
Cristo nos amou a todos tão ardentemente que a Si mesmo se imolou como hóstia
cruenta no Calvário:
PIO PP. XII.
(Revisão da versão
portuguesa por AMA)
Notas:
[1] Lc 22, 15
[2] Lc 22, 19-20
[3] Ml 1, 11
[4] De sancta
virginitate, VI; PL 40, 399.
[5] Jo 15,13
[6] 1 Jo 3, 16
[7] Gl 2, 20
[8] Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q.19, a. l; ed. Leon.,
t. XI,1903, p. 329.
[9]
Summa theol., Suppl., q. 42, a. l até 3; ed. Leon., t. XII,1906, p. 81.
[10]
Hino das Vésp. da festa do sagrado coração de Jesus.
[11] Summa theol, III, q. 66, a. 3, ed. Leon., t. XII,1906, p. 65.
[12] Ef 5,
2
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