DA DOUTRINA SOCIAL
DA IGREJA
PRIMEIRA PARTE
CAPÍTULO I
O DESÍGNIO DE AMOR DE DEUS
A TODA A HUMANIDADE
IV. DESÍGNIO DE DEUS E
MISSÃO DA IGREJA
c) Novos céus e nova terra
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A promessa de Deus e a ressurreição de Jesus Cristo suscitam nos cristãos a
fundada esperança de que para todas as pessoas humanas é preparada uma nova e
eterna morada, uma terra em que habita a justiça (cf. 2 Cor 5, 1-2; 2Pd 3,
13).
«Então,
depois de vencida a morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo e aquilo
que foi semeado na fraqueza e na corrupção revestir-se-á de incorruptibilidade;
e permanecendo a caridade com as suas obras, todas as criaturas que Deus criou
por causa do homem serão livres da servidão da vaidade» [i].
Esta
esperança, longe de atenuar, deve antes impulsionar a solicitude pelo trabalho
referente à realidade presente.
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Os bens, quais a dignidade do homem, a fraternidade e a liberdade, todos os
bons frutos da natureza e da nossa operosidade, esparsos pela terra no Espírito
do Senhor e de acordo com o Seu preceito, limpos de toda a mancha, iluminados e
transfigurados, pertencem ao Reino de verdade e de vida, de santidade e de
graça, de justiça, de amor e de paz que Cristo entregará ao Pai e lá os
encontraremos novamente.
Ressoarão
então para todos, na sua solene verdade, as palavras de Cristo: «Vinde,
benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a
criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes
de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me
visitastes; estava na prisão e viestes a mim (...) todas as vezes que fizestes
isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt
25, 34-36.40).
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A realização da pessoa humana, actuada em Cristo graças ao dom do Espírito,
matura na história e é mediada pelas relações da pessoa com as outras pessoas,
relações que, por sua vez, alcançam a sua perfeição graças ao empenho por
melhorar o mundo, na justiça e na paz.
O
agir humano na história é de per si significativo e eficaz para a instauração
definitiva do Reino, ainda que este continue a ser dom de Deus, plenamente
transcendente.
Tal
agir, quando respeitoso da ordem objectiva da realidade temporal e iluminado
pela verdade e pela caridade, torna-se instrumento para uma actuação sempre
mais plena e integral da justiça e da paz e antecipa no presente o Reino
prometido.
Configurando-se
a Cristo Redentor, o homem apercebe-se como criatura querida por Deus e por Ele
eternamente escolhida, chamada à graça e à glória, na plenitude do mistério de
que se tornou partícipe em Jesus Cristo [ii].
A
configuração a Cristo e a contemplação do Seu Rosto [iii]
infundem no cristão um anelo indelével por antecipar neste mundo, no âmbito das
relações humanas, o que será realidade no mundo definitivo, empenhando-se em
dar de comer, de beber, de vestir, uma casa, a cura, o acolhimento e a
companhia ao Senhor que bate à porta (cf. Mt 25, 35-37).
d) Maria e o Seu «fiat» ao
desígnio de amor de Deus
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Herdeira da esperança dos justos de Israel e primeira dentre os discípulos de
Jesus Cristo é Maria, Sua Mãe.
Ela,
com o Seu «fiat» ao desígnio de amor de Deus (cf. Lc 1, 38), em nome
de toda a humanidade, acolhe na história o enviado do Pai, o Salvador dos
homens.
No
canto do «Magnificat» proclama o advento do Mistério da Salvação, a vinda do
«Messias dos pobres» (cf. Is 11, 4; 61, 1).
O
Deus da Aliança, cantado pela Virgem de Nazaré na exultação do Seu espírito, é
Aquele que derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes, sacia de
bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias, dispersa os soberbos e
conserva a Sua misericórdia para aqueles que O temem (cf. Lc 1, 50-53).
Haurindo
no coração de Maria, da profundidade da Sua fé expressa nas palavras do
«Magnificat», os discípulos de Cristo são chamados a renovar cada vez melhor em
si mesmos «a certeza de que não se pode separar a verdade a respeito de Deus
que salva, de Deus que é fonte de toda a dádiva, da manifestação do seu amor
preferencial pelos pobres e pelos humildes, amor que, depois de cantado no
Magnificat, se encontra expresso nas palavras e nas obras de Jesus» [iv].
Maria,
totalmente dependente de Deus e toda orientada para Ele, com o impulso da sua
fé «é o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade e do
cosmos» [v].
CAPÍTULO
II
MISSÃO
DA IGREJA E DOUTRINA SOCIAL
I. EVANGELIZAÇÃO E
DOUTRINA SOCIAL
a) A Igreja, morada de
Deus com os homens
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A Igreja, partícipe das alegrias e esperanças, das angústias e das tristezas
dos homens, é solidária com todo homem e a toda a mulher, de todo lugar e de
todo tempo, e leva-lhes a Boa Nova do Reino de Deus, que com Jesus Cristo veio
e vem em meio a eles [vi].
A
Igreja é, na humanidade e no mundo, o sacramento do amor de Deus e, por isso
mesmo, da esperança maior, que activa e sustém todo autêntico projecto e empenho
de libertação e promoção humana. É, no meio aos homens, a tenda da companhia de
Deus ― «o tabernáculo de Deus com os homens» (Ap 21, 3) ― de modo
que o homem não se encontra só, perdido ou transtornado no seu empenho de humanizar
o mundo, mas encontra amparo no amor redentor de Cristo.
Ela
é ministra de salvação, não em abstracto ou em sentido meramente espiritual, mas
no contexto da história e do mundo em que o homem vive [vii],
onde o alcançam o amor de Deus e a vocação a corresponder ao projecto divino.
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Único e irrepetível na sua individualidade, todo o homem é um ser aberto à
relação com os outros na sociedade.
O
conviver social na rede de relações que interliga indivíduos, famílias, grupos
intermédios em relações de encontro, de comunicação e de reciprocidade,
assegura ao viver uma qualidade melhor.
O
bem comum que eles buscam e conseguem formando a comunidade social é garantia
do bem pessoal, familiar e associativo [viii].
Por
estas razões, se origina e toma forma a sociedade, com os seus componentes
estruturais, ou seja, políticos, económicos, jurídicos, culturais.
Ao
homem «enquanto inserido na complexa rede de relações das sociedades modernas» [ix],
a Igreja dirige-se com a sua doutrina social.
«Perita
em humanidade» [x],
a Igreja é apta a compreendê-lo na sua vocação e nas suas aspirações, nos seus
limites e nos seus apuros, nos seus direitos e nas suas tarefas, e a ter para
ele uma palavra de vida que ressoe nas vicissitudes históricas e sociais da
existência humana.
b) Fecundar e fermentar
com o Evangelho a sociedade
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Com o seu ensinamento social a Igreja entende anunciar e actualizar o Evangelho
na complexa rede de relações sociais. Não se trata simplesmente de alcançar o
homem na sociedade ― o homem qual destinatário do anúncio evangélico, - mas de
fecundar e fermentar com o Evangelho a mesma sociedade [xi].
Cuidar
do homem significa, para a Igreja, envolver também a sociedade na sua
solicitude missionária e salvífica.
A
convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade da vida e, por
conseguinte, as condições em que cada homem e cada mulher se compreendem a si
próprios e decidem de si mesmos e da própria vocação.
Por
esta razão, a Igreja não é indiferente a tudo o que na sociedade se decide, se
produz e se vive, numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e
humanizadora, da vida social.
A
sociedade e, com ela, a política, a economia, o trabalho, o direito, a cultura
não constituem um âmbito meramente secular e mundano e portanto marginal e
alheio à mensagem e à economia da salvação. Efectivamente, a sociedade ― com
tudo o que nela se realiza ― diz respeito ao homem. É a sociedade dos homens,
que são «a primeira e fundamental via da Igreja» [xii].
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Com a sua doutrina social a Igreja assume a tarefa de anúncio que o Senhor lhe
confiou.
Ela
actualiza no curso da história a mensagem de libertação e de redenção de
Cristo, o Evangelho do Reino.
A
Igreja, anunciando o Evangelho, «testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua
dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas; ensina-lhe as exigências
da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina» [xiii].
Evangelho
que, mediante a Igreja, ressoa no hoje do homem [xiv],
a doutrina social é palavra que liberta.
Isso
significa que tem a eficácia de verdade e de graça do Espírito Santo, que
penetra os corações, dispondo-os a cultivar pensamentos e projetos de amor, de
justiça, de liberdade e de paz.
Evangelizar
o social é, pois, infundir no coração dos homens a carga de sentido e de
libertação do Evangelho, de modo a promover uma sociedade à medida do homem
porque à medida de Cristo: é construir uma cidade do homem mais humana porque
mais conforme com o Reino de Deus.
[ii] Cf. JOÃO PAULO II,
carta encícl. Redemptor Hominis, n.º 13, AAS 71, 1979, p. 283-284.
[iii] Cf. JOÃO PAULO II,
carta apost. Novo Millennio Ineunte, n.º 16-28, AAS 93, 2001, p. 276-285.
[iv] JOÃO
PAULO II, carta encícl. Redemptoris Mater, n.º 37, AAS 79, 1987, p. 410.
[v] CONGREGAÇÃO PARA A
DOUTRINA DA FÉ, instr. Libertatis Conscientia, n.º 97, AAS 79, 1987, p. 597.
[vii] Cf. CONCÍLIO
VATICANO II, const. past. Gaudium et Spes, n.º 40, AAS 58, 1966, p. 1057-1059;
JOÃO PAULO II, carta encícl. Centesimus Annus, n.os 53-54, AAS 83, 1991, p.
959-960; ID., carta encícl. Sollicitudo Rei Socialis, n.º 1, AAS 80, 1988, p.
513-514.
[x] PAULO VI, carta
encícl. Populorum Progressio, n.º 13, AAS 59, 1967, p. 263.
[xii] JOÃO PAULO II,
carta encícl. Redemptor Hominis, n.º 14, AAS 71, 1979, p. 284.
[xiii] Catecismo da Igreja
Católica, n.º 2419.
[xiv] Cf. JOÃO PAULO II,
Homilia da Missa de Pentecostes no Centenário da Rerum Novarum
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