AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
CAPÍTULO VI
ALGUMAS PERSPECTIVAS PASTORAIS.
Acompanhar depois das rupturas e dos divórcios.
Um falimento matrimonial
torna-se muito mais traumático e doloroso quando há pobreza, porque se têm
muito menos recursos para reordenar a existência.
Uma pessoa pobre, que perde
o ambiente protector da família, fica duplamente exposta ao abandono e a todo o
tipo de riscos para a sua integridade.
Quanto às pessoas divorciadas
que vivem numa nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da
Igreja, que «não estão excomungadas» nem são tratadas como tais, porque sempre
integram a comunhão eclesial.[i]
Estas situações «exigem um
atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer
linguagem e atitude que as faça sentir discriminadas e promovendo a sua participação
na vida da comunidade. Cuidar delas não é, para a comunidade cristã, um enfraquecimento
da sua fé e do seu testemunho sobre a indissolubilidade do matrimónio; antes,
ela exprime precisamente neste cuidado a sua caridade».
Além disso, um grande número
de Padres «sublinhou a necessidade de tornar mais acessíveis, ágeis e possivelmente
gratuitos de todo os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade».
A lentidão dos processos irrita
e cansa as pessoas.
Os meus dois documentos recentes
sobre tal matéria levaram a uma simplificação dos procedimentos para uma eventual
declaração de nulidade matrimonial. Através deles, quis também «evidenciar que o próprio bispo na sua
Igreja, da qual está constituído pastor e chefe, é por isso mesmo juiz no meio
dos fiéis a ele confiados».[ii]
Por isso, «a aplicação
destes documentos é uma grande responsabilidade para os Ordinários diocesanos,
chamados eles próprios a julgar algumas causas e a garantir, de todos os modos
possíveis, um acesso mais fácil dos fiéis à justiça. Isto implica a preparação
de pessoal suficiente, composto por clérigos e leigos, que se dedique de modo
prioritário a este serviço eclesial. Por conseguinte, será necessário colocar à
disposição das pessoas separadas ou dos casais em crise um serviço de
informação, aconselhamento e mediação, ligado à pastoral familiar, que possa
também acolher as pessoas tendo em vista a investigação preliminar do processo
matrimonial»[iii].
Os Padres sinodais puseram
em evidência também «as consequências da separação ou do divórcio sobre os
filhos, em todo o caso vítimas inocentes da situação».
Acima de todas as considerações
que se queiram fazer, eles são a primeira preocupação, que não deve ser
ofuscada por nenhum outro interesse ou objectivo.
Peço aos pais separados:
«Nunca, nunca e nunca tomeis o filho como refém! Separastes-vos devido a muitas
dificuldades e motivos, a vida deu-vos esta provação, mas os filhos não devem
carregar o fardo desta separação; que eles não sejam usados como reféns contra
o outro cônjuge, mas cresçam ouvindo a mãe falar bem do pai, embora já não
estejam juntos, e o pai falar bem da mãe»[iv].
É irresponsável arruinar a
imagem do pai ou da mãe com o objectivo de monopolizar o afecto do filho, para
se vingar ou defender, porque isso afectará a vida interior daquela criança e provocará
feridas difíceis de curar.
A Igreja, embora compreenda
as situações conflituosas que devem atravessar os cônjuges, não pode cessar de
ser a voz dos mais frágeis: os filhos, que sofrem muitas vezes em silêncio. Hoje,
«não obstante a nossa sensibilidade aparentemente evoluída e todas as nossas
análises psicológicas refinadas, pergunto-me se não nos entorpecemos também
relativamente às feridas da alma das crianças. (...) Sentimos nós o peso da
montanha que esmaga a alma duma criança, nas famílias onde se maltrata e magoa,
até quebrar o vínculo da fidelidade conjugal?»
Tais experiências molestas
não ajudam estas crianças a amadurecer para serem capazes de compromissos
definitivos. Por isso, as comunidades cristãs não devem deixar sozinhos os pais
divorciados que vivem numa nova união. Pelo contrário, devem integrá-los e acompanhá-los
na sua função educativa.[v]
Aliás, «como poderíamos recomendar
a estes pais que façam todo o possível por educar os seus filhos na vida
cristã, dando-lhes o exemplo duma fé convicta e praticada, se os mantivéssemos
à distância da vida da comunidade, como se estivessem excomungados? Devemos
proceder de modo que não se acrescentem outros pesos àqueles que os filhos,
nestas situações, já têm que suportar».
Ajudar a curar as feridas
dos pais e sustentá-los espiritualmente é bom também para os filhos, que
precisam do rosto familiar da Igreja que os ampare nesta experiência traumática.
O divórcio é um mal, e é muito preocupante o aumento do número de divórcios.
Por isso, sem dúvida, a nossa tarefa pastoral mais importante relativamente às
famílias é reforçar o amor e ajudar a curar as feridas, para podermos impedir o
avanço deste drama do nosso tempo.
Algumas situações complexas.
«As questões relacionadas
com os matrimónios mistos requerem uma atenção específica. Os matrimónios entre
católicos e outros baptizados “apresentam, na sua fisionomia particular,
numerosos elementos que convém valorizar e desenvolver quer pelo seu valor
intrínseco quer pela ajuda que podem dar ao movimento ecuménico”.
Com tal finalidade, “procure-se
(…) uma colaboração cordial entre o ministro católico e o não católico, desde o
momento da preparação para o matrimónio e para as núpcias”[vi].[vii]
Quanto à participação eucarística,
recorda-se que “a decisão de admitir ou não a parte não católica do matrimónio
à comunhão eucarística deve ser tomada de acordo com as normas gerais em vigor
na matéria, tanto para os cristãos orientais como para os outros cristãos, e
tendo em conta esta situação particular, isto é, que recebem o sacramento do
matrimónio cristão dois cristãos baptizados.
Embora os esposos de um matrimónio
misto tenham em comum os sacramentos do baptismo e do matrimónio, a partilha da
Eucaristia pode apenas ser excepcional e, em todo o caso, devem-se observar as
disposições indicadas”»[viii].
«Os matrimónios com disparidade
de culto constituem um lugar privilegiado de diálogo inter-religioso (...).
Comportam algumas dificuldades especiais quer em relação à identidade cristã da
família quer quanto à educação religiosa dos filhos. (...) O número das famílias
compostas por uniões conjugais com disparidade de culto, em aumento nos territórios
de missão e também nos países de longa tradição cristã, requer urgentemente uma
atenção pastoral diferenciada segundo os distintos contextos sociais e culturais.[ix]
Nalguns países, onde não
há liberdade de religião, o cônjuge cristão é obrigado a mudar de religião para
se poder casar, e não pode celebrar o matrimónio canónico com disparidade de
culto nem baptizar os filhos. Devemos, pois, reafirmar a necessidade de que a
liberdade religiosa seja respeitada em favor de todos».
«É necessário prestar uma
atenção particular às pessoas que se unem em tais matrimónios, e não só no
período anterior ao casamento. Enfrentam desafios peculiares os casais e as famílias,
nos quais um dos cônjuges é católico e o outro não-crente.
Em tais casos, é necessário
testemunhar a capacidade que tem o Evangelho de mergulhar nestas situações para
tornar possível a educação dos filhos na fé cristã».
«Apresentam dificuldades
particulares as situações que dizem respeito ao acesso ao baptismo de pessoas
que estão numa condição matrimonial complexa. Trata-se de pessoas que contraíram
uma união matrimonial estável, num tempo em que pelo menos uma delas ainda não
conhecia a fé cristã. Os bispos são chamados a exercitar, nestes casos, um
discernimento pastoral cônsono ao bem espiritual delas».
A Igreja conforma o seu comportamento
ao do Senhor Jesus que, num amor sem fronteiras, Se ofereceu por todas as
pessoas sem excepção.
Com os Padres sinodais,
examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas
com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os
filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente
da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida
com respeito, procurando evitar «qualquer sinal de discriminação injusta» e
particularmente toda a forma de agressão e violência.
Às famílias, por sua vez,
deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a
tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e
realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida.
No decurso dos debates
sobre a dignidade e a missão da família, os Padres sinodais anotaram, quanto
aos projectos de equiparação ao matrimónio das uniões entre pessoas homossexuais,
que não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem
sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimónio
e a família. É «inaceitável que as Igrejas locais sofram pressões nesta matéria
e que os organismos internacionais condicionem a ajuda financeira aos países
pobres à introdução de leis que instituam o “matrimónio” entre pessoas do mesmo
sexo»[x].
As famílias monoparentais
têm frequentemente origem a partir de «mães ou pais biológicos que nunca quiseram
integrar-se na vida familiar, situações de violência em que um dos progenitores
teve de fugir com seus filhos, morte de um dos pais, abandono da família por um
dos progenitores e outras situações. Seja qual for a causa, o progenitor que
vive com a criança deve encontrar apoio e conforto nas outras famílias que
formam a comunidade cristã, bem como nos organismos pastorais paroquiais. Além
disso, estas famílias são muitas vezes afligidas pela gravidade dos problemas
económicos, pela incerteza dum trabalho precário, pela dificuldade de manter os
filhos, pela falta duma casa».
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[ii]
Cf. Francisco,
Catequese (5 de Agosto de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 06-13/VIII/2015), 16. 262 Relatio Synodi 2014, 51; cf. Relatio Finalis 2015,
84. 263 Relatio Synodi 2014, 48. 264 Cf. Motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus
(15 de Agosto de 2015): L’Osservatore Romano (ed. diária italiana de
09/IX/2015), 3-4; Motu proprio Mitis et Misericors Iesus (15 de Agosto de
2015): L’Osservatore Romano (ed. diária italiana de 09/ IX/2015), 5-6.
[iv] Motu proprio Mitis
Iudex Dominus Iesus (15 de Agosto de 2015), preâmbulo, III: L’Osservatore Romano
(ed. diária italiana de 09/IX/2015), 3. 266 Relatio Finalis 2015, 82. 267
Relatio Synodi 2014, 47.
[v] Francisco, Catequese
(20 de Maio de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
21/V/2015), 20. 269 Idem, Catequese (24 de Junho de 2015): L’Osservatore Romano
(ed. semanal portuguesa de 25/VI/2015), 20.
[vi] Catequese (5 de Agosto
de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 06-13/VIII/2015), 16.
[viii] (Pont. Conselho para
a Promoção da Unidade dos Cristãos, Directório para a Aplicação dos Princípios
e das Normas sobre o Ecumenismo, 25 de Março de 1993, 159-160)
[x] Cf. Francisco, Bula
Misericordiæ Vultus (11 de Abril de 2015), 12: AAS 107 (2015), 407. 276
Catecismo da Igreja Católica, 2358; cf. Relatio Finalis 2015, 76. 277 Cf. Catecismo
da Igreja Católica, 2358.
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