Tenho ainda a propor-vos
uma outra consideração: devemos lutar sem descanso por fazer o bem,
precisamente por sabermos que nos é difícil, a nós, homens, decidirmo-nos a
sério a exercer a justiça, e é muito o que falta para que a convivência terrena
esteja inspirada pelo amor e não pelo ódio ou pela indiferença. Não esqueçamos
também que, mesmo que consigamos atingir um estado razoável de distribuição dos
bens e uma harmoniosa organização da sociedade, não há-de desaparecer a dor da
doença, da incompreensão ou da solidão, a dor da experiência das nossas
próprias limitações.
Em face dessas penas, o
cristão só tem uma resposta autêntica, uma resposta definitiva: Cristo na Cruz,
Deus que sofre e que morre, Deus que nos entrega o seu Coração, aberto por uma
lança, por amor a todos. Nosso Senhor abomina as injustiças e condena quem as
comete. Mas, como respeita a liberdade das pessoas, permite que existam. Deus
Nosso Senhor não causa a dor das criaturas, mas tolera-a como parte que é -
depois do pecado original - da condição humana. E, no entanto, o seu Coração,
cheio de amor pelos homens, levou-O a tomar sobre os seus ombros, juntamente
com a Cruz, todas essas torturas: o nosso sofrimento, a nossa tristeza, a nossa
angústia, a nossa fome e sede de justiça.
A doutrina cristã sobre a
dor não é um programa de fáceis consolações. Começa logo por ser uma doutrina
de aceitação do sofrimento, inseparável de toda a vida humana. Não vos posso
esconder - e com alegria pois sempre preguei e procurei viver a verdade de que,
onde está a Cruz está Cristo, o Amor - que a dor apareceu muitas vezes na minha
vida; e mais de uma vez tive vontade de chorar. Noutras ocasiões, senti crescer
em mim o desgosto pela injustiça e pelo mal. E soube o que era a mágoa de ver
que nada podia fazer, que, apesar dos meus desejos e dos meus esforços, não
conseguia melhorar aquelas situações iníquas.
Quando vos falo de dor,
não vos falo apenas de teorias. Nem me limito a recolher uma experiência de
outros, quando vos confirmo que, se sentis, diante da realidade do sofrimento,
que a vossa alma vacila algumas vezes, o remédio que tendes é olhar para
Cristo. A cena do Calvário proclama a todos que as aflições hão-de ser
santificadas, se vivermos unidos à Cruz.
Porque as nossas
tribulações, cristãmente vividas, se convertem em reparação, em desagravo, em
participação no destino e na vida de Jesus, que voluntariamente experimentou,
por amor aos homens, toda a espécie de dores, todo o género de tormentos.
Nasceu, viveu e morreu pobre; foi atacado, insultado, difamado, caluniado e
condenado injustamente; conheceu a traição e o abandono dos discípulos;
experimentou a solidão e as amarguras do suplício e da morte. Ainda agora,
Cristo continua a sofrer nos seus membros, na Humanidade inteira que povoa a
Terra e da qual Ele é Cabeça e Primogénito e Redentor.
A dor entra nos planos de
Deus. Ainda que nos é difícil entendê-la, é esta a realidade. Também Jesus,
como homem, teve dificuldade em admiti-la: Pai, se é possível, afasta de Mim
este cálice! Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua! Nesta tensão entre
o sofrimento e a aceitação da vontade do Pai, Jesus vai serenamente para a morte,
perdoando aos que O crucificaram.
Ora, esta aceitação sobrenatural
da dor pressupõe, por outro lado, a maior conquista. Jesus, morrendo na Cruz,
venceu a morte. Deus tira da morte a vida. A atitude de um filho de Deus não é
a de quem se resigna à sua trágica desventura; é, sim, a satisfação de quem já
antegoza a vitória. Em nome desse amor vitorioso de Cristo, nós, os cristãos,
devemos lançar-nos por todos os caminhos da Terra, para sermos semeadores de
paz e de alegria, com a nossa palavra e nossas obras. Temos de lutar - é uma
luta de paz - contra o mal, contra a injustiça, contra o pecado, para
proclamarmos assim que a actual condição humana não é a definitiva; o amor de
Deus, manifestado no Coração de Cristo, conseguirá o glorioso triunfo
espiritual dos homens.
São JOSEMARIA, (Cristo
que passa, 168)
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