27/03/2019

Leitura espiritual

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL

AMORIS LÆTITIA

DO SANTO PADRE FRANCISCO

AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS

ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA 


CAPÍTULO VI

ALGUMAS PERSPECTIVAS PASTORAIS.

Os debates do caminho sinodal puseram a descoberto a necessidade de desenvolver novos caminhos pastorais, que procurarei agora resumir em geral. As diferentes comunidades é que deverão elaborar propostas mais práticas e eficazes, que tenham em conta tanto a doutrina da Igreja como as necessidades e desafios locais. Sem pretender apresentar aqui uma pastoral da família, limitar-me-ei a coligir alguns dos principais desafios pastorais.

Anunciar hoje o Evangelho da família.

Os Padres sinodais insistiram no facto de que as famílias cristãs são, pela graça do sacramento nupcial, os sujeitos principais da pastoral familiar, sobretudo oferecendo «o testemunho jubiloso dos cônjuges e das famílias, igrejas domésticas». Para isso – sublinharam – é preciso fazer-lhes «experimentar que o Evangelho da família é alegria que “enche o coração e a vida inteira”, porque, em Cristo, somos “libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento”[i].
À luz da parábola do semeador[ii], a nossa tarefa consiste em cooperar na sementeira: o resto é obra de Deus.[iii]
E não se deve esquecer também que a Igreja, que prega sobre a família, «é sinal de contradição», mas os esposos agradecem que os pastores lhes ofereçam motivações para uma aposta corajosa num amor forte, sólido, duradouro, capaz de enfrentar todos os imprevistos que lhes surjam.
É com humilde compreensão que a Igreja quer chegar às famílias, com o desejo de «acompanhar todas e cada uma delas a fim de que descubram a saída melhor para superar as dificuldades que encontram no seu caminho».
Não basta inserir uma genérica preocupação pela família nos grandes projectos pastorais; para que as famílias possam ser sujeitos cada vez mais activos da pastoral familiar, requer-se «um esforço evangelizador e catequético dirigido à família», que a encaminhe nesta direcção. «Por isso exige-se a toda a Igreja uma conversão missionária: é preciso não se contentar com um anúncio puramente teórico e desligado dos problemas reais das pessoas».
A pastoral familiar «deve fazer experimentar que o Evangelho da família é resposta às expectativas mais profundas da pessoa humana: a sua dignidade e plena realização na reciprocidade, na comunhão e na fecundidade.[iv]
Não se trata apenas de apresentar uma normativa, mas de propor valores, correspondendo à necessidade deles que se constata hoje, mesmo nos países mais secularizados.
De igual modo «sublinhou-se a necessidade duma evangelização que denuncie, com desassombro, os condicionalismos culturais, sociais, políticos e económicos, bem como o espaço excessivo dado à lógica do mercado, que impedem uma vida familiar autêntica, gerando discriminação, pobreza, exclusão e violência. Para isso, temos de entrar em diálogo e cooperação com as estruturas sociais, bem como encorajar e apoiar os leigos que se comprometem, como cristãos, no âmbito cultural e sociopolítico».
«A principal contribuição para a pastoral familiar é oferecida pela paróquia, que é uma família de famílias, onde se harmonizam os contributos das pequenas comunidades, movimentos e associações eclesiais». A par duma pastoral especificamente voltada para as famílias, há necessidade duma «formação mais adequada dos presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, catequistas e restantes agentes pastorais».
Nas respostas às consultações promovidas em todo o mundo, ressaltou-se que os ministros ordenados carecem, habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas actuais das famílias; para isso, pode ser útil também a experiência da longa tradição oriental dos sacerdotes casados.[v]

Os seminaristas deveriam ter acesso a uma formação interdisciplinar mais ampla sobre namoro e matrimónio, não se limitando à doutrina. Além disso, a formação nem sempre lhes permite desenvolver o seu mundo psico-afectivo. Alguns carregam, na sua vida, a experiência da sua própria família ferida, com a ausência de pais e instabilidade emocional. É preciso garantir um amadurecimento, durante a formação, para que os futuros ministros possuam o equilíbrio psíquico que a sua missão lhes exige. Os laços familiares são fundamentais para fortificar a auto-estima sadia dos seminaristas. Por isso, é importante que as famílias acompanhem todo o processo do Seminário e do sacerdócio, pois ajudam a revigorá-lo de forma realista. Neste sentido, é salutar a combinação de tempos de vida no Seminário com outros de vida em paróquias, que permitam tomar maior contacto com a realidade concreta das famílias.
De facto, ao longo da sua vida pastoral, o sacerdote encontra-se sobretudo com famílias. «A presença dos leigos e das famílias, particularmente a presença feminina, na formação sacerdotal, favorece o apreço pela variedade e complementaridade das diferentes vocações na Igreja».
As respostas às consultas exprimem, com insistência, também a necessidade de formar agentes leigos de pastoral familiar, com a ajuda de psicopedagogos, médicos de família, médicos de comunidade, assistentes sociais, advogados de menores e família, predispondo-os para receber as contribuições da psicologia, sociologia, sexologia e até aconselhamento. Os profissionais, particularmente aqueles que têm experiência de acompanhamento, ajudam a encarnar as propostas pastorais nas situações reais e nas preocupações concretas das famílias. «Os itinerários e cursos de formação destinados especificamente aos agentes pastorais poderão torná-los idóneos a inserir o próprio caminho de preparação para o matrimónio na dinâmica mais ampla da vida eclesial».
Uma boa preparação pastoral é importante, «sobretudo tendo em vista as particulares situações de emergência decorrentes dos casos de violência doméstica e abuso sexual».
Tudo isto em nada diminui, antes integra, o valor fundamental da direcção espiritual, dos recursos espirituais inestimáveis da Igreja e da Reconciliação sacramental.

Guiar os noivos no caminho de preparação para o matrimónio.

Os Padres sinodais afirmaram, de várias maneiras, que é preciso ajudar os jovens a descobrir o valor e a riqueza do matrimónio.
Devem poder captar o fascínio duma união plena que eleva e aperfeiçoa a dimensão social da vida, confere à sexualidade o seu sentido maior, ao mesmo tempo que promove o bem dos filhos e proporciona lhes o melhor contexto para o seu amadurecimento e educação.
«A complexa realidade social e os desafios, que a família é chamada a enfrentar actualmente, exigem um empenhamento maior de toda a comunidade cristã na preparação dos noivos para o matrimónio. É necessário lembrar a importância das virtudes. Dentre elas, resulta ser condição preciosa para o crescimento genuíno do amor interpessoal a castidade. A respeito desta necessidade, os Padres sinodais foram concordes em sublinhar a exigência dum maior envolvimento de toda a comunidade, privilegiando o testemunho das próprias famílias, e a exigência ainda duma radicação da preparação para o matrimónio no caminho da iniciação cristã, sublinhando o nexo do matrimónio com o baptismo e os outros sacramentos. Da mesma forma, evidenciou-se a necessidade de programas específicos de preparação próxima para o matrimónio que sejam verdadeira experiência de participação na vida eclesial e aprofundem os vários aspectos da vida familiar».[vi]

Convido as comunidades cristãs a reconhecerem que é um bem para elas mesmas acompanhar o caminho de amor dos noivos. Como justamente disseram os bispos da Itália, aqueles que se casam são, para as comunidades cristãs, «um recurso precioso, porque, esforçando-se sinceramente por crescer no amor e no dom recíproco, podem contribuir para renovar o próprio tecido de todo o corpo eclesial: a forma particular de amizade que vivem pode tornar-se contagiosa, fazendo crescer na amizade e na fraternidade a comunidade cristã de que fazem parte».

(cont)

(revisão da versão portuguesa por AMA)



[i] (Evangelii gaudium, 1)
[ii] (cf. Mt 13, 3-9)
[iii] Relatio Synodi 2014, 30.
[iv] Relatio Finalis 2015, 56. 228 Ibid., 89. 229 Relatio Synodi 2014, 32.
[v] Relatio Finalis 2015, 77.
[vi] Cf. Relatio Synodi 2014, 26. 238 Ibid., 39. 163 207.

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