AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO V
O AMOR QUE SE TORNA FECUNDO
Os idosos.
«Não me rejeites no tempo da velhice; não me abandones, quando já não
tiver forças»[i].
É o brado do idoso, que
teme o esquecimento e o desprezo. Assim como Deus nos convida a ser seus
instrumentos para escutar a súplica dos pobres, assim também espera que ouçamos
o brado dos idosos.
Isto interpela as famílias
e as comunidades, porque «a Igreja não pode nem quer conformar-se com uma mentalidade
de impaciência, e muito menos de indiferença e desprezo, em relação à velhice.
Devemos despertar o sentido colectivo de gratidão, apreço, hospitalidade, que
faça o idoso sentir-se parte viva da sua comunidade.[ii]
Os idosos são homens e mulheres,
pais e mães que, antes de nós, percorreram o nosso próprio caminho, estiveram
na nossa mesma casa, combateram a nossa mesma batalha diária por uma vida digna.
Por isso, «como gostaria de uma Igreja que desafia a
cultura do descarte com a alegria transbordante dum novo abraço entre jovens e
idosos!»
São João Paulo II convidou-nos
a prestar atenção ao lugar do idoso na família, porque há culturas que, «especialmente depois dum desenvolvimento
industrial e urbanístico desordenado, forçaram, e continuam a forçar, os idosos
a situações inaceitáveis de marginalização».
Os idosos ajudam a
perceber «a continuidade das gerações»,
com «o carisma de lançar uma ponte» entre
elas. Muitas vezes são os avós que asseguram a transmissão dos grandes valores
aos seus netos, e «muitas pessoas podem
constatar que devem a sua iniciação na vida cristã precisamente aos avós».
As suas palavras, as suas
carícias ou a simples presença ajudam as crianças a reconhecer que a história
não começa com elas, que são herdeiras dum longo caminho e que é necessário
respeitar o fundamento que as precede.[iii]
Quem quebra os laços com a
história terá dificuldade em tecer relações estáveis e reconhecer que não é o dono
da realidade. Com efeito, «a atenção aos
idosos distingue uma civilização. Numa civilização, presta-se atenção ao idoso?
Há lugar para o idoso? Esta civilização irá em frente, se souber respeitar a
sabedoria dos idosos».
A falta de memória
histórica é um defeito grave da nossa sociedade. É a mentalidade imatura do «já está ultrapassado».
Conhecer e ser capaz de
tomar posição perante os acontecimentos passados é a única possibilidade de
construir um futuro que tenha sentido. Não se pode educar sem memória: «Recordai os dias passados»[iv]. As histórias dos idosos fazem muito bem às crianças e
aos jovens, porque os ligam à história vivida tanto pela família como pela
vizinhança e o país. Uma família que não respeita nem cuida dos seus avós, que
são a sua memória viva, é uma família desintegrada; mas uma família que recorda
é uma família com futuro. Por isso, «numa civilização em que não há espaço para
os idosos ou onde eles são descartados porque criam problemas, tal sociedade
traz em si o vírus da morte»,[v] porque «se
separa das próprias raízes».
O fenómeno contemporâneo
de sentir-se órfão, em termos de descontinuidade, desenraizamento e perda das
certezas que dão forma à vida, desafia-nos a fazer das nossas famílias um lugar
onde as crianças possam lançar raízes no terreno duma história colectiva.
Ser irmão.
A relação entre os irmãos
aprofunda-se com o passar do tempo, e «o
laço de fraternidade que se forma na família entre os filhos, quando se verifica
num clima de educação para a abertura aos outros, é uma grande escola de liberdade
e de paz. Em família, entre irmãos, aprendemos a convivência humana (…). Talvez
nem sempre estejamos conscientes disto, mas é precisamente a família que introduz
a fraternidade no mundo. A partir desta primeira experiência de fraternidade,
alimentada pelos afectos e pela educação familiar, o estilo da fraternidade irradia-se
como uma promessa sobre a sociedade inteira».
Crescer entre irmãos proporciona
a bela experiência de cuidar uns dos outros, de ajudar e ser ajudado. Por isso,
«a fraternidade na família, resplandece
de modo especial quando vemos a solicitude, a paciência e o carinho com que é
circundado o irmãozinho ou a irmãzinha mais frágil, doente ou deficiente».[vi]
Faz falta reconhecer que «ter um irmão, uma irmã que te ama é uma experiência
forte, inestimável, insubstituível», mas é preciso ensinar, com paciência,
os filhos a tratar-se como irmãos. Esta aprendizagem, por vezes fadigosa, é uma
verdadeira escola de sociabilidade. Nalguns países, existe uma forte tendência
para ter apenas um filho, pelo que a experiência de ser irmão começa a ser
rara. Nos casos em que não se pôde ter mais de um filho, é preciso encontrar
formas de a criança não crescer sozinha ou isolada.
Um coração grande.
Com efeito, além do
círculo pequeno formado pelos cônjuges e seus filhos, temos a família alargada,
que não pode ser ignorada. Com efeito, «o
amor entre o homem e a mulher no matrimónio e, de forma derivada e ampla, o
amor entre os membros da mesma família – entre pais e filhos, entre irmãos e
irmãs, entre parentes e familiares – é animado e impelido por um dinamismo
interior e incessante, que leva a família a uma comunhão sempre mais profunda e
intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar».[vii]
Aí se integram também os
amigos e as famílias amigas, e mesmo as comunidades de famílias que se apoiam
mutuamente nas suas dificuldades, no seu compromisso social e na fé. Esta família
alargada deveria acolher, com tanto amor, as mães solteiras, as crianças sem
pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação dos seus filhos,
as pessoas deficientes que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que
lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem
a solidão, os idosos e os doentes que não recebem o apoio dos seus filhos, até
incluir no seio dela «mesmo os mais desastrados
nos comportamentos da sua vida».
E pode também ajudar a
compensar as fragilidades dos pais, ou a descobrir e denunciar a tempo
possíveis situações de violência ou mesmo de abuso sofridas pelas crianças,
dando-lhes um amor sadio e um sustentáculo familiar, quando os seus pais não o
podem assegurar.
Por fim, não se pode
esquecer que, nesta família alargada, estão também o sogro, a sogra e todos os
parentes do cônjuge. Uma delicadeza própria do amor é evitar vê-los como
concorrentes, como pessoas perigosas, como invasores.[viii]
A união conjugal exige que
se respeite as suas tradições e costumes, se procure compreender a sua
linguagem, evitar maledicências, cuidar deles e integrá-los dalguma forma no
próprio coração, embora se deva preservar a legítima autonomia e a intimidade
do casal. Estas atitudes são também uma excelente maneira de exprimir a
generosidade da dedicação amorosa ao próprio cônjuge.
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[iii] Francisco, Catequese
(4 de Março de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
05/III/2015), 16. Catequese (11 de Março de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 12/III/2015), 16. 214 Exort. ap. Familiaris consortio (22 de Novembro
de 1981), 27: AAS 74 (1982), 113. Discurso aos participantes no «Fórum Internacional sobre o Envelhecimento
Activo» (5 de Setembro de 1980), 5: Insegnamenti 3/2 (1980), 539;
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 21/IX/1980), 14. 216 Relatio
Finalis 2015, 18.
[v] Francisco, Catequese
(4 de Março de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
05/III/2015), 16.
[vi] Discurso no Encontro
com os Idosos (28 de Setembro de 2014): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 02/X/2014), 8. 220 Idem, Catequese (18 de Fevereiro de 2015): L’Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 19/II/2015), 20.
[vii] Discurso no Encontro
com os Idosos (28 de Setembro de 2014): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 02/X/2014), 8. 220 Idem, Catequese (18 de Fevereiro de 2015): L’Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 19/II/2015), 20.
[viii]
João Paulo II,
Exort. ap. Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 18: AAS 74 (1982),
101. 224 Francisco, Catequese (7 de Outubro de 2015): L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 08/X/2015), 24.
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