22/03/2019

Leitura espiritual



EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL

AMORIS LÆTITIA

DO SANTO PADRE FRANCISCO

AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS

ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA  

CAPÍTULO IV


O AMOR NO MATRIMÓNIO


Matrimónio e virgindade.

A virgindade e o matrimónio são – e devem ser – modalidades diferentes de amar, porque «o homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor».

O celibato corre o risco de ser uma cómoda solidão, que dá liberdade para se mover autonomamente, mudar de local, tarefa e opção, dispor do seu próprio dinheiro, conviver com as mais variadas pessoas segundo a atracção do momento.
Neste caso, sobressai o testemunho das pessoas casadas.
Aqueles que foram chamados à virgindade podem encontrar, nalguns casais de esposos, um sinal claro da fidelidade generosa e indestrutível de Deus à sua Aliança, que pode estimular os seus corações a uma disponibilidade mais concreta e oblativa.
Com efeito, há pessoas casadas que mantêm a sua fidelidade, quando o cônjuge se tornou fisicamente desagradável ou deixou de satisfazer as suas necessidades; e fazem-no, não obstante muitas ocasiões os convidarem à infidelidade ou ao abandono. Uma mulher pode cuidar do marido doente e ali, ao pé da Cruz, volta a oferecer o «sim» do seu amor até à morte.

Em semelhante amor, manifesta-se de forma esplêndida a dignidade de quem ama, dignidade como reflexo da caridade, já que é mais próprio da caridade amar do que ser amado.
Uma capacidade de serviço oblativo e carinhoso pode ser observada também em muitas famílias, com filhos difíceis e até ingratos.[i]

Isto faz desses pais um sinal do amor livre e desinteressado de Jesus. Tudo isto se torna, para as pessoas celibatárias, um convite a viverem a sua dedicação ao Reino com maior generosidade e disponibilidade.

Hoje, a secularização ofuscou o valor duma união para toda a vida e debilitou a riqueza da dedicação matrimonial, pelo que «é preciso aprofundar os aspectos positivos do amor conjugal».

A transformação do amor.

O alongamento da vida provocou algo que não era comum noutros tempos: a relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas du­rante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha.

Talvez o cônjuge já não esteja apaixonado com um desejo sexual intenso que o atraia para outra pessoa, mas sente o prazer de lhe pertencer e que esta pessoa lhe pertença, de saber que não está só, de ter um «cúmplice» que conhece tudo da sua vida e da sua história e tudo partilha.
É o companheiro no caminho da vida, com quem se pode enfrentar as dificuldades e gozar das coisas lindas. Também isto gera uma satisfação, que acompanha a decisão própria do amor conjugal.
Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projecto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade.[ii]

O amor, que nos prometemos, supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência.
Assim, no meio de um conflito não resolvido e ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva dia-a-dia a decisão de amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira e continuar a amar-se e perdoar-se. Cada um dos dois realiza um caminho de crescimento e mudança pessoal.
No curso de tal caminho, o amor celebra cada passo, cada etapa nova.

Na história de um casal, a aparência física muda, mas isso não é motivo para que a atracção amorosa diminua. Um cônjuge enamora-se pela pessoa inteira do outro, com uma identidade própria, e não apenas pelo corpo, embora este corpo, independentemente do desgaste do tempo, nunca deixe de expressar de alguma forma aquela identidade pessoal que cativou o coração.
Quando os outros já não podem reconhecer a beleza desta identidade, o cônjuge enamorado continua a ser capaz de a individuar com o instinto do amor, e o carinho não desaparece. Reitera a sua decisão de lhe pertencer, volta a escolhê-lo, e exprime esta escolha numa proximidade fiel e cheia de ternura.
A nobreza da sua opção pelo outro, por ser intensa e profunda, desperta uma nova forma de emoção no cumprimento desta missão conjugal. Com efeito, «a emoção provocada por outro ser humano como pessoa (...) não tende, de per si, para o acto conjugal».

Adquire outras expres­sões sensíveis, porque o amor «é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais».

O vínculo encontra novas modalidades e exige a decisão de reatá-lo repetidamente; e não só para o conservar, mas para o fazer crescer.

É o caminho de se construir dia após dia.

Entretanto nada disto é possível, se não se invoca o Espírito Santo, se não se clama todos os dias pedindo a sua graça, se não se procura a sua força sobrenatural, se não Lhe fazemos presente o desejo de que derrame o seu fogo sobre o nosso amor para o fortalecer, orientar e transformar em cada nova situação.[iii]

(cont)

(revisão da versão portuguesa por AMA)



[i] Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 10: AAS 71 (1979), 274. 172 Cf. Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II, q. 27, art. 1.
[ii] Pont. Conselho para a Família, Família, matrimónio e « uniões de facto» (26 de Julho de 2000), 40.
[iii] João Paulo II, Catequese (31 de Outubro de 1984), 6: Insegnamenti 7/2 (1984), 1072; L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 04/XI/1984), 12. 175 Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 8: AAS 98 (2006), 224.

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