EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO III
O OLHAR FIXO EM JESUS: A VOCAÇÃO DA FAMÍLIA
A transmissão da vida e a educação dos filhos.
O
matrimónio é, em primeiro lugar, uma «íntima comunidade da vida e do amor conjugal»,
que constitui um bem para os próprios esposos; e a sexualidade «ordena-se para
o amor conjugal do homem e da mulher». Por isso, também «os esposos a quem Deus
não concedeu a graça de ter filhos podem ter uma vida conjugal cheia de
sentido, humana e cristãmente falando». Contudo, esta união está ordenada para
a geração «por sua própria natureza».[i]
O
bebé que chega «não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no
próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento». Não aparece
como o final dum processo, mas está presente desde o início do amor como uma
característica essencial que não pode ser negada sem mutilar o próprio amor.
Desde o início, o amor rejeita qualquer impulso para se fechar em si mesmo, e
abre-se a uma fecundidade que o prolonga para além da sua própria existência.
Assim nenhum acto sexual dos esposos pode negar este significado, embora, por
várias razões, nem sempre possa efectivamente gerar uma nova vida.
O
filho pede para nascer, não de qualquer maneira, mas deste amor, porque ele
«não é uma dívida, mas uma dádiva», que é «o fruto do acto específico do amor
conjugal de seus pais».
Com
efeito, «segundo a ordem da criação, o amor conjugal entre um homem e uma mulher
e a transmissão da vida estão ordenados reciprocamente[ii].
Deste
modo, o Criador tornou participantes da obra da sua criação o homem e a mulher
e, ao mesmo tempo, fê-los instrumentos do seu amor, confiando à sua responsabilidade
o futuro da humanidade através da transmissão da vida humana»[iii].
Os
Padres sinodais referiram que «não é difícil constatar como se está espalhando
uma mentalidade que reduz a geração da vida a uma variável dos projectos individuais
ou dos cônjuges».
A
doutrina da Igreja «ajuda a viver de maneira harmoniosa e consciente a comunhão
entre os cônjuges, em todas as suas dimensões, juntamente com a responsabilidade
geradora. É preciso redescobrir a mensagem da Encíclica Humanae vitae de Paulo VI, que sublinha a necessidade de respeitar
a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade.
(...) A escolha da adopção e do acolhimento exprime uma fecundidade particular
da experiência conjugal».
Com
particular gratidão, a Igreja «apoia as famílias que acolhem, educam e rodeiam
de carinho os filhos deficientes».
Neste
contexto, não posso deixar de afirmar que, se a família é o santuário da vida,
o lugar onde a vida é gerada e cuidada, constitui uma contradição lancinante
fazer dela o lugar onde a vida é negada e destruída. É tão grande o valor[iv] duma
vida humana e inalienável o direito à vida do bebé inocente que cresce no
ventre de sua mãe, que de modo nenhum se pode afirmar como um direito sobre o
próprio corpo a possibilidade de tomar decisões sobre esta vida que é fim em si
mesma e nunca poderá ser objecto de domínio doutro ser humano. A família
protege a vida em todas as fases da mesma, incluindo o seu ocaso. Por isso, «quem
trabalha nas estruturas sanitárias, lembra-se a obrigação moral da objecção de
consciência. Da mesma forma, a Igreja não só sente a urgência de afirmar o direito
à morte natural, evitando o excesso terapêutico e a eutanásia», mas também
«rejeita firmemente a pena de morte».
Os
Padres quiseram sublinhar também que «um dos desafios fundamentais que as
famílias enfrentam hoje é seguramente o desafio educativo, que se tornou ainda
mais difícil e complexo por causa da realidade cultural actual e da grande
influência dos meios de comunicação».
«A
Igreja desempenha um papel precioso de apoio às famílias, a começar pela
iniciação cristã, através de comunidades acolhedoras». Mas parece-me muito
importante lembrar que a educação integral dos filhos é, simultaneamente, «dever
gravíssimo» e «direito primário» dos pais.[v] Não é apenas um encargo ou um peso, mas também um direito
essencial e insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria
pretender tirar-lhes. O Estado oferece um serviço educativo de maneira subsidiária,
acompanhando a função não-delegável dos pais, que têm direito de poder
escolher livremente o tipo de educação – acessível e de qualidade – que querem
dar aos seus filhos, de acordo com as suas convicções. A escola não substitui
os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: « qualquer
outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos
pais, com o seu consenso e, em certa media, até mesmo por seu encargo».
Infelizmente,
«abriu-se uma fenda entre família e sociedade, entre família e escola; hoje, o
pacto educativo quebrou-se; e, assim, a aliança educativa da sociedade com a família
entrou em crise».
A
Igreja é chamada a colaborar, com uma acção pastoral adequada, para que os
próprios pais possam cumprir a sua missão educativa; e sempre o deve fazer, ajudando-os
a valorizar a sua função específica e a reconhecer que quantos recebem o
sacramento do matrimónio são transformados em verdadeiros ministros educativos,
pois, quando formam os seus filhos, edificam-na e, fazendo-o, aceitam uma vocação
que Deus lhes propõe.[vi]
A família e a Igreja.
«Com
íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha para as famílias que
permanecem fiéis aos ensinamentos do Evangelho, agradecendo-lhes pelo testemunho
que dão e encorajando-as. Com efeito, graças a elas, torna-se credível a beleza
do matrimónio indissolúvel e fiel para sempre. Na família, “como numa igreja
doméstica”[vii], amadurece a primeira experiência eclesial da comunhão
entre as pessoas, na qual, por graça, se reflecte o mistério da Santíssima
Trindade. “É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor
fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e sobretudo o culto divino, pela
oração e pelo oferecimento da própria vida”».[viii]
A
Igreja é família de famílias, constantemente enriquecida pela vida de todas as
igrejas domésticas. Assim, «em virtude do sacramento do matrimónio, cada família
torna-se, para todos os efeitos, um bem para a Igreja. Nesta perspectiva, será
certamente um dom precioso, para o momento actual da Igreja[ix], considerar também a reciprocidade entre família e
Igreja: a Igreja é um bem para a família, a família é um bem para a Igreja. A
salvaguarda deste dom sacramental do Senhor compete não só à família
individual, mas a toda a comunidade cristã».
O
amor vivido nas famílias é uma força permanente para a vida da Igreja. «O fim
unitivo do matrimónio é um apelo constante a crescer e aprofundar este amor. Na
sua união de amor, os esposos experimentam a beleza da paternidade e da maternidade;
partilham projectos e fadigas, anseios e preocupações; aprendem a cuidar um do
outro e a perdoar-se mutuamente.
Neste
amor, celebram os seus momentos felizes e apoiam-se nos episódios difíceis da
história da sua vida. (...)
A
beleza do dom recíproco e gratuito, a alegria pela vida que nasce e a amorosa
solicitude de todos os seus membros, desde os pequeninos aos idosos, são apenas
alguns dos frutos que tornam única e insubstituível a resposta à vocação da família»,
tanto para a Igreja como para a sociedade inteira.[x]
(cont)
(revisão
da versão portuguesa por AMA)
[iii] Conc. Ecum. Vat. II,
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 48. 85 Catecismo
da Igreja Católica, 2366. 86 Cf. Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de Julho
de 1968), 11-12: AAS 60 (1968), 488-489. 87 Catecismo da Igreja Católica, 2378.
88 Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. sobre o respeito da vida humana nascente
e a dignidade da procriação Donum vitae (22 de Fevereiro de 1987), II, 8: AAS
80 (1988), 97
[v] Relatio Finalis
2015, 64. 94 Relatio Synodi 2014, 60. 95 Ibid., 61. 96 Código de Direito Canónico,
c. 1136; cf. Código dos Cânones das Igrejas Orientais, 627.
[vi] Pont. Conselho para
a Família, Sexualidade humana: verdade e significado (8 de Dezembro de 1995),
23. 98 Francisco, Catequese (20 de Maio de 2015): L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 21/V/2015), 20. 71 Igreja
[ix] Cf. João Paulo II,
Exort. ap. Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 38: AAS 74 (1982),
129. 100 Cf. Francisco, Discurso à Assembleia diocesana de Roma (14 de Junho de
2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 18/VI/2015), 6. 101
Relatio Synodi 2014, 23.
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