DESCULPAR
E ESPERAR
É impossível existir
bondade sem compreensão. E é impossível existir verdadeira compreensão sem a
disposição de desculpar.
Todas as vezes que
julgamos uma pessoa e concluímos, como quem dita uma sentença:
“Ela é assim”, “é
insuportável”, “é maçante”, “é preguiçoso”, etc., estamos a condená-la.
Ao fazer tais juízos,
colocamos nos outros uma etiqueta, como se faz num frasco ou num insecto coleccionado,
e os fechamos nessa definição.
Dizer de uma pessoa: “Ela
é assim” equivale a perder a esperança deque venha a mudar.
Como se partíssemos da
base de que vai ser assim para sempre e de que o máximo de bondade que lhe
podemos dedicar é apenas sermos pacientes, suportando-a tal como é.
Mas essa apreciação é
falsa, está viciada na raiz, porque todo o ser humano tem na alma “sementes de
bondade”, latentes mas reais, que podem ser desenvolvidas.
Nenhuma pessoa consiste apenas
nos defeitos que denota exteriormente.
Todas têm infinitas
possibilidades de bem que – com a graça de Deus, o seu esforço e a nossa ajuda
– um dia podem vir a ser belas realidades.
Por isso, Cristo nos manda
não condenar ninguém (cfr. Lc 6, 37), como se já estivesse “acabado”.
O contrário de condenar é
desculpar e esperar. O coração do homem bom está sempre inclinado a desculpar.
Ao julgar os outros, evita
usar o verbo “ser” – Fulano é assim –, e prefere empregar o verbo “ter”: essa
pessoa, que – como todos os filhos de Deus – é potencialmente santa, agora, por
uma série de circunstâncias, tem tal ou qual defeito, mas isso não quer dizer
que sempre deva tê-lo.
É muito provável que uma
série de dificuldades a levem a comportar-se assim.
É justo tê-las em conta.
Talvez seja grosseira
porque não recebeu uma educação esmerada, a ou arrogante porque foi humilhado
sente necessidade de se afirmar, ou impaciente porque lhe dói o fígado...
Sempre há uma desculpa,
afectuosa, que os “bons olhos” da bondade detectam, uma desculpa com fundamento
objectivo, real, que impede que julguemos esta ou aquela pessoa com dureza e,
ainda mais, que a desclassifiquemos.
Certamente os outros têm
defeitos, como nós os temos, mas felizmente não estão acorrentados por eles
como um sentenciado a prisão perpétua.
Está nas nossas mãos –
está nas mãos da nossa bondade – desamarrar-lhes esses grilhões.
Esta é uma das mais
delicadas tarefas do amor benigno: não deixar ninguém de lado por impossível,
antes dar-lhe a mão, ajudá-lo incansavelmente – com infinita compreensão e
paciência – a soltar um a um os elos dos defeitos que compõem essas suas
correntes.
Naturalmente, isto
pressupõe que saibamos confiar – como víamos – na capacidade de bondade das
pessoas, e portanto na sua possibilidade de mudar. Já foi dito alguma vez que
perder a confiança em alguém é matá-lo.
Também é verdadeira a
afirmação contrária: confiar em alguém é dar-lhe a vida.
É claro que essa confiança
não se confunde com a credulidade ingénua, que fecha os olhos e julga que,
afinal, todo o mundo é bom.
A verdadeira confiança é outra
coisa.
O homem bom não é cego nem
insensível aos valores.
Não deixa de ver o mal, em
toda a sua dimensão perniciosa, e chama erro ao erro, e pecado ao pecado.
Mas, ao mesmo tempo,
acredita com todas as suas forças que aquelas “sementes de bondade” que dormem
em cada coração humano podem ser activadas, podem ser cultivadas.
Por isso, arregaça as
mangas e, sem reclamar dos espinhos dos outros, trabalha para que neles
desabrochem as rosas.
A
BONDADE CULTIVA O BEM
O homem bom faz bem aos
outros somente com a sua presença, pela força atraente das virtudes. Mas o seu
influxo benéfico não se limita a isso.
Acabamos de ver que tem a
disposição de trabalhar, de fazer alguma coisa para que o bem desabroche nos outros.
Vive, para dizê-lo em poucas palavras, a serviço do bem dos outros.
Não há dúvida de que este
é um belo ideal de vida. Quem não almeja passar pelo mundo deixando, como
Cristo, uma esteira de bondade, fazendo o bem (At 10, 38)? “Que a tua vida –
lê-se em Caminho – não seja uma vida estéril. – Sê útil. – Deixa rasto. –
Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor” (n. 1).
Estas palavras são todo um
empolgante programa de bondade.
A este propósito,
lembro-me de um livro que me causou impressão. Intitulava-se “Viveu para
ninguém”, e era o romance de um homem medíocre, vulgar, que passou pelo mundo
sem deixar rasto algum. Dele se poderia dizer, como um triste epitáfio, que
teria dado na mesma se nunca tivesse existido. Seria penoso que um tal epitáfio
se pudesse aplicar a nós.
Pois bem, é hora de nos
perguntarmos sinceramente o que nós deixamos de bom nos corações e nas vidas
dos que vivem e trabalham connosco. Como estamos contribuindo para o seu bem?
Comecemos por
convencer-nos de que a primeira ajuda que devemos prestar-lhes consiste em não
lhes criar dificuldades.
Porque, infelizmente, com frequência
somos mais obstáculo do que auxílio.
E o pior é que não nos
apercebemos disso.
Se nos dissessem: “A sua
esposa, o seu filho, o seu colega, o seu pai, têm tais e tais problemas, tais e
tais defeitos, e você é a causa deles”, levaríamos uma surpresa.
“Como assim?”,
retrucaríamos. “Eu, que tenho que sofrer esses defeitos, ainda por cima sou
culpado deles?” Pois sim, muitas vezes o somos.
Tomemos por exemplo um
honesto pai de família, trabalhador abnegado, daqueles que “só vivem para a
família”.
Trabalha em dois empregos
e volta cansado ao lar. Ao mesmo tempo, tem um temperamento fechado, não é
homem de muitas palavras. Os familiares vêem-no soturno e calado, e não se
atrevem a interferir no seu aparente mau humor. Caso lhe perguntem: “Está aborrecido?
Acontece-lhe alguma coisa?”, responderá, com olhar de surpresa, que não lhe
acontece nada. Talvez acrescente: “Sou assim mesmo, é o meu jeito”.
Ora, acontece que esse
“jeito” é uma barreira. Bloqueia o diálogo com a esposa e os filhos.
A mulher, sentindo-se cada
vez mais isolada, sem poder compartilhar as suas fadigas com o marido, irá
ficando cada vez mais nervosa e multiplicará as faltas de paciência com as
crianças. O marido lamentará que os nervos da mulher estejam criando um ambiente
pesado no lar. Mas nem he passará pela cabeça que foi ele quem o provocou, com
a sua cómoda abstenção. Se tivesse aprendido a chegar ao lar sorrindo,
acolhendo, interessando-se pelos problemas da mulher e dos filhos, teria criado
condições para um diálogo amável. Teria facilitado um clima cordial, em que os nervos
dos outros se dissolveriam. E haveria paz.
De modo análogo, podemos
pensar no chefe de um escritório que reclama da falta de iniciativa de um dos
seus subordinados: acha que é um homem sem garra no trabalho, que lhe falta entusiasmo
e realiza as suas tarefas de modo rotineiro e como que a contragosto. Certamente,
este não é o estado de ânimo ideal para um trabalho dinâmico e criativo.
Mas de quem é a culpa?
Pode muito bem suceder que
semelhante inibição e falta de eficiência do empregado tenha sido provocada por
esse mesmo superior, que nunca soube incentivá-lo, nem teve paciência para
ensiná-lo, nem lhe ofereceu o estímulo de uma palavra positiva, que fizesse o
outro sentir-se valorizado.
Só soube cobrar e
criticar.
A culpa, sem dúvida
nenhuma, é do chefe.
Isto é dificultar o bem
dos outros com os nossos defeitos e as nossas omissões.
Aí não há bondade, porque
não lhes fazemos bem.
Francisco
Faus [i]
[i]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.
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