A
BONDADE NÃO DESPREZA NINGUÉM
Uma atitude que se situa
do lado contrário da benignidade é o desprezo.
Quando Cristo quis desmascarar
a “bondade” hipócrita dos fariseus, começou por dizer que havia uns homens que confiavam
em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros (Lc 18, 9).
O fariseu despreza precisamente
porque se considera justo, porque é orgulhoso.
Ao julgar-se perfeito e
gabar-se das suas pretensas perfeições, considera inferiores aqueles que, em
seu conceito, não as possuem: “Não sou como os outros homens”, diz, inchado de
autocomplacência.
É próprio do orgulhoso
manifestar uma irritada intolerância com os defeitos do próximo.
Tal é o caso do homem que
se aborrece porque a mulher, o colega ou os filhos são desordenados, ou
distraídos e lerdos, ou pouco inteligentes, inoportunos, teimosos, rebeldes...
Admirando-se a si mesmo
como a um “deus”, julga intolerável que os demais não sejam “à sua imagem e semelhança”.
Por isso, está
continuamente a lançar-lhes em rosto, de modo humilhante, os defeitos que é
incapaz de compreender: “Você nunca faz nada direito”, “parece mentira que não
tenha um pingo de sensatez”, “não há quem o aguente”...
Com essa incapacidade para
a compreensão, é natural que o orgulhoso se canse, e esse cansaço em face dos
demais é outra forma – não menos dolorosa – de menosprezo.
Frases como “já chega”,
“não dá mais”, “desisto de tentar”, aplicadas ao próximo, indicam que a bondade
fracassou dentro do coração de quem as pronuncia.
A “decepção” é a morte da
bondade.
Mas, vejamos com calma.
Por que nos sentimos decepcionados com alguém?
Será, porventura, porque o
amamos?
Não, certamente. É porque
nos amamos demasiado a nós mesmos, porque nos adoramos como a um pequeno ídolo
ridículo, e por isso exigimos dos outros as qualidades que nos satisfazem e que
“servem” a nossa satisfação.
Há, por exemplo, pais que
se sentem decepcionados com os seus filhos porque não conseguiram moldá-los
como argila, de acordo com o modelo que idealizaram para a sua satisfação pessoal.
Tinham feito, como um
cineasta, o “roteiro” da vida do “filho ideal”, prevendo todas as etapas e
calculando todos os detalhes.
E eis que os filhos,
usando da sua liberdade – e, às vezes, secundando o plano que Deus preparou
para eles – rasgam o “roteiro” do pai (vai seguir a mesma carreira que eu, vai
trabalhar comigo, vai ser rico e importante, etc.) e traçam o seu próprio caminho.
Nessa altura, o pai sente que foram cortados os fios com que pretendia comandar
os filhos como marionetes, e mergulha na decepção. Mesmo as mais belas opções
de vida feitas pelos filhos, se estão à margem do “roteiro” paterno – por
exemplo, dedicar-se inteiramente a Deus, escolher uma profissão menos brilhante
mas mais aberta ao serviço do próximo, abraçar ideais de pesquisa científica ou
de arte –, parecem-lhe tolices, idealismos estúpidos que vão estragar-lhes a
vida.
Na realidade, estão
estragando apenas os sonhos egoístas do pai.
Também nos cansamos e
decepcionamos facilmente com os outros porque não corrigem os seus defeitos –
defeitos reais, falhas objectivas – com a rapidez que nós desejaríamos.
Uma e outra vez reincidem
nas mesmas faltas, continuam com as mesmas reacções, mantêm inalteradas as
arestas do seu carácter. Então, desanimados, só sabemos recriminar, repetindo
como um disco rachado: ele fala demais, esquece tudo, chega atrasado, não me
escuta, gasta sem controle, etc., etc.
E, ao pensarmos nesses
defeitos sempre reiterados, sentimo-nos com o direito de dizer: “Isso cansa”.
Daí a desistir de
compreender e ajudar há só um passo, o passo que o “cansado” acaba dando quando
se rende à decepção e conclui: “Não tem conserto”.
Extinguiu-se então a
confiança e instalou-se no coração o desprezo.
Nas próximas páginas
consideraremos como a confiança inabalável nos outros é um dos traços mais
belos da bondade.
Francisco
Faus [i]
[i]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.
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