São Josemaria Escrivá
Cristo que passa
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Além disso, esse serviço
humano, essa capacidade a que poderíamos chamar técnica, saber realizar o nosso
ofício, deve ter uma característica que foi fundamental no trabalho de S. José
e que devia ser fundamental em todo o cristão: o espírito de serviço, o desejo
de trabalhar para contribuir para o bem dos outros homens.
O trabalho de S. José não
foi um trabalho que visasse a auto-afirmação, embora a dedicação de uma vida
laboriosa tenha forjado nele uma personalidade madura, bem delineada.
O Santo Patriarca
trabalhava com a consciência de cumprir a vontade de Deus, pensando no bem dos
seus, Jesus e Maria, e tendo presente o bem de todos os habitantes da pequena
Nazaré.
Em Nazaré José era um dos
poucos artesãos da terra, se não era o único.
Possivelmente,
carpinteiro.
E, como é costume nas
pequenas povoações, também era capaz de fazer outras coisas: pôr a funcionar um
moinho que não funcionava ou arranjar, antes do inverno, as fendas de um tecto.
José tirava muita gente de
apuros, certamente com um trabalho bem acabado.
O seu trabalho
profissional era uma ocupação orientada para o serviço, para tornar agradável a
vida das outras famílias da aldeia, acompanhada de um sorriso, de uma palavra
amável, de um comentário feito como que de passagem, mas que devolve a fé e a
alegria a quem está a ponto de perdê-las.
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Às vezes, quando se
tratava de pessoas mais pobres do que ele, José trabalharia aceitando alguma
coisa de pouco valor, que deixava a outra pessoa com a satisfação de pensar que
tinha pago.
Normalmente José cobraria
o que fosse razoável; nem mais nem menos.
Saberia exigir o que em
justiça lhe era devido, já que a fidelidade a Deus não significa renúncia a
direitos que na realidade são deveres; S. José tinha de exigir o que era justo,
porque tinha de sustentar a família que Deus lhe tinha confiado, com a
recompensa desse trabalho.
A exigência dos nossos
direitos não deve ser fruto de um egoísmo individualista.
Não se ama a justiça se
não se deseja vê-la também cumprida para com os outros.
Como também não é lícito
encerrar-se numa religiosidade cómoda, esquecendo as necessidades dos outros.
Quem deseja ser justo aos
olhos de Deus também se esforça para que a justiça se realize de facto entre os
homens.
E não apenas pelo bom
motivo de que o nome de Deus não seja injuriado, mas porque ser cristão
significa captar e corresponder a todos os anseios nobres do homem.
Parafraseando um texto
conhecido, do Apóstolo S. João, pode-se dizer que mente quem afirma que é justo
com Deus mas não é justo com os outros homens; e a verdade não habita nele.
Como todos os cristãos que
viveram aquele momento, recebi com emoção e alegria a decisão de festejar a
festa litúrgica de S. José Operário.
Esta festa, que é uma
canonização do valor divino do trabalho, mostra como a Igreja, na sua vida
colectiva e pública, se fez eco das verdades centrais do Evangelho, que Deus
quer que sejam especialmente meditadas nesta nossa época.
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Já falámos muito deste
tema noutras ocasiões, mas permiti-me insistir de novo na naturalidade e na
simplicidade da vida de S. José, que não se distinguia da dos seus vizinhos nem
levantava barreiras desnecessárias.
Por isso, ainda que possa
ser conveniente nalguns momentos ou em algumas situações, habitualmente não
gosto de falar de operários católicos, de engenheiros católicos, de médicos
católicos, etc., como se se tratasse de uma espécie dentro dum género, como se
os católicos formassem um grupinho separado dos outros, dando assim a sensação
de que existe um fosso entre os cristãos e o resto da humanidade.
Respeito a opinião oposta,
mas penso que é muito mais correcto falar de operários que são católicos, ou de
católicos que são operários; de engenheiros que são católicos ou de católicos
que são engenheiros. Porque o homem que tem fé e exerce uma profissão
intelectual, técnica ou manual, está e sente-se unido aos outros, igual aos
outros, com os mesmos direitos e obrigações, com o mesmo desejo de melhorar,
com o mesmo empenho de se enfrentar com os problemas comuns e de lhes encontrar
a solução.
O católico, assumindo tudo
isto, saberá fazer da sua vida diária um testemunho de Fé, de Esperança e de
Caridade; testemunho simples, normal, sem necessidade de manifestações aparatosas,
pondo de manifesto - com a coerência da sua vida - a presença constante da
Igreja no mundo, visto que todos os católicos são, eles mesmos, Igreja, pois
são membros, com pleno direito, do único Povo de Deus.
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As relações entre José e
Jesus
Há bastante tempo que
gosto de recitar uma comovedora invocação a S. José, que a própria Igreja nos
oferece entre as orações preparatória da Missa: José, varão bem-aventurado e
feliz, ao qual foi concedido ver e ouvir a Deus, a Quem muitos reis quiseram
ver e ouvir e não viram nem ouviram; e não só vê-Lo e ouvi-Lo mas trazê-Lo nos
braços, beijá-Lo, vesti-Lo e guardá-Lo: rogai por nós.
Esta oração servir-nos-á
para entrar no último tema que hoje vou tocar: a convivência íntima e carinhosa
de José com Jesus.
Para S. José, a vida de
Jesus foi uma contínua descoberta da sua vocação.
Recordámos acima aqueles
primeiros anos cheios de circunstâncias aparentemente contraditórias:
glorificação e fuga, majestade dos magos e pobreza da gruta, canto dos Anjos e
silêncio dos homens. Quando chega o momento de apresentar o Menino no Templo,
José, que leva a modesta oferenda de um par de rolas, vê como Simeão e Ana
proclamam que Jesus é o Messias.
Seu pai e sua mãe ouviram
com admiração, diz S. Lucas.
Mais tarde, quando o
Menino fica no templo sem que Maria e José o saibam, ao encontrá-Lo de novo
depois de O procurarem três dias, o mesmo evangelista narra que se
maravilharam.
José surpreende-se, José
admira-se.
Deus vai-lhe revelando os
seus desígnios e ele esforça-se por compreendê-los.
Como toda a alma que quer
seguir de perto Jesus, descobre logo que não é possível andar com passo
ronceiro, que não pode viver da rotina.
Porque Deus não se
conforma com a estabilidade num nível conseguido, com o descanso no que já se
tem. Deus exige continuamente mais e os seus caminhos não são os nossos
caminhos humanos.
S. José, como nenhum outro
homem antes ou depois dele, aprendeu de Jesus a estar atento para conhecer as
maravilhas de Deus, a ter a alma e o coração abertos.
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Mas, se José aprendeu de
Jesus a viver de um modo divino, atrever-me-ia a dizer que, no aspecto humano,
ensinou muitas coisas ao Filho de Deus.
Há qualquer coisa que não
me agrada no título de pai adoptivo com que às vezes se designa José, porque
tem o perigo de fazer pensar que as relações entre José e Jesus eram frias e
externas.
Certamente que a nossa fé
nos diz que não era pai segundo a carne, mas não é essa a única paternidade.
A José - lemos num sermão
de Santo Agostinho - não só se lhe deve o nome de pai, mas este é-lhe devido
mais do que a qualquer outro. E continua: Como era pai? Tanto mais
profundamente pai, quanto mais casta foi a sua paternidade. Alguns pensavam que
era pai de Nosso Senhor Jesus Cristo da mesma forma que são pai os outros, que
geram segundo a carne e não recebem os seus filhos só como fruto do seu afecto
espiritual. Por isso, diz S. Lucas: pensava-se que era pai de Jesus.
Porque diz apenas
pensava-se?
Porque o pensamento e o
juízo humanos referem-se àquilo que costuma acontecer entre os homens.
E o Senhor não nasceu do
germe de José. Mas à piedade e caridade de José nasceu um filho da Virgem
Maria, que era Filho de Deus.
José amou Jesus como um
pai ama o seu filho, tratou-o dando-lhe tudo que de melhor tinha. José,
cuidando daquele Menino como lhe tinha sido ordenado, fez de Jesus um artesão:
transmitiu-lhe o seu ofício.
Por isso, os vizinhos de
Nazaré falavam de Jesus chamando-lhe indistintamente faber e fabri filius”:
artesão e filho do artesão. Jesus trabalhou na oficina de José e junto de José.
Como seria José, como
teria actuado nele a graça, para ser capaz de levar a cabo a tarefa de
desenvolver no aspecto humano o Filho de Deus?
Por isso, Jesus devia
parecer-se com José no modo de trabalhar, nos traços do seu carácter, na
maneira de falar.
No realismo de Jesus, no
seu espírito de observação, no seu modo de se sentar à mesa e de partir o pão,
no seu gosto por falar dum modo concreto tomando como exemplo as coisas da vida
corrente, reflecte-se o que foi a infância e a juventude de Jesus e, portanto,
a sua convivência com José.
Não é possível desconhecer
a sublimidade do mistério.
Esse Jesus que é homem,
que fala com o sotaque de uma determinada região de Israel, que se parece com
um artesão chamado José, esse é o Filho de Deus.
E quem pode ensinar alguma
coisa a Deus?
Mas é realmente homem e
vive normalmente: primeiro como menino; depois, como rapaz que ajuda na oficina
de José; finalmente como homem maduro, na plenitude da idade.
Jesus crescia em
sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens.
(Continua)