24/09/2018

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


Cristo que passa 

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A experiência do pecado não nos deve, portanto, fazer duvidar da nossa missão. Certamente que os nossos pecados podem dificultar que Cristo seja reconhecido, e por isso devemos lutar contra as nossas misérias pessoais, buscar a purificação, sabendo, porém, que Deus não nos prometeu a vitória absoluta sobre o mal nesta vida, mas o que nos pede é luta.
Sufficit tíbi gratia mea, basta-te a minha graça, respondeu Deus a Paulo, que pedia a sua libertação do aguilhão que o humilhava.

O poder de Deus manifesta-se na nossa fraqueza, e incita-nos a lutar, a combater os nossos defeitos, mesmo sabendo que nunca obteremos completamente a vitória durante este caminhar terreno.
A vida cristã é um constante começar e recomeçar, uma renovação em cada dia.

Cristo ressuscita em nós, se nos tornarmos comparticipantes da sua Cruz e da sua Morte.
Temos de amar a Cruz, a entrega a mortificação.
O optimismo cristão não é um optimismo cómodo, nem uma confiança humana em que tudo correrá bem; é um optimismo que se enraíza na consciência da liberdade e na fé na graça; é um optimismo que nos obriga a exigirmo-nos a nós próprios, a esforçarmo-nos por corresponder ao chamamento de Deus.

Cristo manifesta-se, portanto, não já apesar da nossa miséria, mas, de certo modo, através da nossa miséria, da nossa vida de homens feitos de carne e de barro, no esforço por sermos melhores, por realizarmos um amor que aspira a ser puro, por dominarmos o egoísmo, por nos entregarmos plenamente aos demais, fazendo da nossa existência um serviço constante.

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Não quero terminar sem uma última reflexão: o cristão, ao tornar Cristo presente entre os homens, sendo ele mesmo ipse Christus, não procura apenas viver numa atitude de amor, mas também dar a conhecer o Amor de Deus através desse amor humano.

Jesus concebeu toda a sua vida como uma revelação desse amor: Filipe, - respondeu a um dos seus Apóstolos - quem me vê a Mim, vê o Pai.
Seguindo esse ensinamento, o Apóstolo João convida os cristãos a que, já que conheceram o amor de Deus, o manifestem com as suas obras:
Caríssimos, amemo-nos uns aos outros; porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-0. Aquele que não ama não conhece Deus, porque Deus é Amor.
Nisto se manifestou o amor de Deus para connosco: em ter enviado o seu Filho unigénito ao mundo para que por Ele vivamos.
Nisto consiste o seu amor: não fomos nós que amámos Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho para propiciação pelos nossos pecados.
Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros.

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É necessário, portanto, que a nossa fé seja viva, que nos leve realmente a crer em Deus e a manter um constante diálogo com Ele.
A vida cristã deve ser vida de oração constante, procurando nós estar na presença do Senhor da manhã até à noite e da noite até à manhã. O cristão nunca é um homem solitário, posto que vive numa conversa contínua com Deus, que está junto de nós e nos Céus.

Sine intermissione orate, manda o Apóstolo - orai sem interrupção.
E, recordando esse preceito apostólico, escreve Clemente de Alexandria: Manda-se-nos louvar e honrar o Verbo, a quem conhecemos como salvador e rei; e por Ele o Pai, não em dias escolhidos, como fazem alguns, mas constantemente, ao longo de toda a vida, e de todos os modos possíveis.

No meio das ocupações de cada jornada, no momento de vencer a tendência para o egoísmo, ao sentir a alegria da amizade com os outros homens, em todos esses instantes o cristão deve reencontrar Deus. Por Cristo e no Espírito Santo, o cristão tem acesso à intimidade de Deus Pai, e percorre o seu caminho buscando esse reino, que não é deste mundo, mas que neste mundo se inicia e prepara.

É preciso privar com Cristo na palavra e no Pão, na Eucaristia e na Oração.
Tratá-Lo como se trata com um amigo, com um ser real e vivo como Cristo é, porque ressuscitou.
Cristo, lemos na epístola aos Hebreus, como permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno.
Por isso, pode salvar perpetuamente os que por Ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder em seu favor.

Cristo, Cristo ressuscitado, é o companheiro, o Amigo.
Um companheiro que se deixa ver só entre sombras, mas cuja realidade enche toda a nossa vida, e que nos faz desejar a sua companhia definitiva.
O Espírito e a Esposa dizem: Vem/
E aquele que ouve, diga: Vem!
Que aquele que tenha sede, venha! Que aquele que O deseja, receba gratuitamente a água da vida...
O que dá testemunho destas coisas diz: Sim, Eu venho em breve. Assim seja. Vem, Senhor Jesus!.

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A liturgia põe, mais uma vez, diante dos nossos olhos, o último dos mistérios da vida de Jesus Cristo entre os homens: a sua Ascensão aos Céus.
Desde o seu nascimento em Belém já aconteceram muitas coisas: encontrámo-lO no berço, adorado por pastores e reis; contermplámo-lO nos longos anos de trabalho silencioso em Nazaré; acompanhámo-lO através das terras da Palestina, pregando aos homens o reino de Deus e fazendo bem a todos.
E mais tarde, nos dias da sua Paixão, sofremos ao presenciarmos como O acusavam, com que furor O maltratavam e com que ódio O crucificavam.

À dor, seguiu-se a alegria luminosa da Ressurreição.
Que fundamento tão claro e firme para a nossa fé! Já não deveríamos duvidar.
Mas talvez, como os Apóstolos, sejamos ainda fracos e neste dia da Ascensão perguntemos a Cristo: É agora que vais restaurar o reino de Israel?; será agora que vão desaparecer definitivamente todas as nossas perplexidades e todas as nossas misérias?

O Senhor responde-nos subindo aos céus.
Tal como os Apóstolos, ficamos meio admirados, meio tristes ao ver que nos deixa.
Não é fácil, na realidade, acostumar-se à ausência física de Jesus. Comove-me recordar que, num gesto magnífico de amor, Se foi embora e ficou: foi para o Céu e entrega-Se-nos como alimento na Hóstia Santa.
Sentimos, no entanto, a falta da sua palavra humana, do seu modo de actuar, de olhar, de sorrir, de fazer o bem.
Gostaríamos de voltar a vê-Lo de perto, quando se senta à beira do poço, cansado da dureza do caminho, quando chora por Lázaro, quando reza durante longo tempo, quando se compadece da multidão!

Sempre me pareceu lógico - e me encheu de alegria - que a Santíssima Humanidade de Jesus Cristo subisse à glória do Pai, mas penso também que esta tristeza, própria do dia da Ascensão, é uma prova do amor que sentimos por Jesus, Senhor Nosso.
Ele, sendo perfeito Deus, fez-Se homem, perfeito homem, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue, mas separou-Se de nós para ir para o Céu. Como não havemos de sentir a sua falta?

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Intimidade com Jesus Cristo no Pão e na Palavra

Se soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com olhos limpos, aperceber-nos-emos que também agora é possível aproximar-nos intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo assinalou-nos claramente o caminho: pelo Pão e pela Palavra, alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo e cumprindo o que veio ensinar-nos, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na oração.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.
Aquele que conhece os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.

Não são meras promessas.
São o que há de mais profundo, a realidade de uma vida autêntica: a vida da graça, que nos leva a relacionar-nos íntima, pessoal e directamente com Deus.
Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como eu observei os preceitos do meu Pai, e permaneço no seu amor.
Esta afirmação de Jesus, no discurso da última ceia, é o melhor preâmbulo para o dia da Ascensão.
Cristo sabia que era preciso ir-se embora, porque, dum modo misterioso que nunca conseguiremos compreender, depois da Ascensão iria chegar - numa nova efusão do Amor divino - a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: mas eu digo-vos a verdade: a vós convém que eu vá, porque se eu não for, não virá a vós o Paráclito; mas, se for, eu vo-lo enviarei.

Foi-se embora e enviou-nos o Espírito Santo, que rege e santifica a nossa alma.
Ao actuar em nós, o Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos de Deus; que não recebemos o espírito de escravidão para actuarmos ainda com temor, mas recebemos o espírito de adopção de filhos, mercê do qual clamamos, dizendo: Abba, Pai!

Compreendeis?
É a acção trinitária nas nossas almas.
Todo o cristão tem acesso a esta inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, se corresponde à graça que nos leva a unir-nos com Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na oração.
A Igreja põe à nossa consideração diariamente a realidade do Pão vivo e dedica-lhe duas grandes festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpo de Deus.
Neste dia da Ascensão, vamos deter-nos na forma de conviver e de nos relacionarmos com Jesus, escutando atentamente a sua Palavra.

(cont)