Art.
2 — Se as virtudes intelectuais perduram depois desta vida.
O segundo discute-se
assim. — Parece que as virtudes intelectuais não perduram depois desta vida.
1. — Pois, como diz o
Apóstolo (1 Cor 13, 8), a ciência será abolida, porque conhecemos em
parte. Ora, assim como o conhecimento da ciência é parcial, i. é,
imperfeito, o mesmo se dá com o conhecimento das outras virtudes intelectuais,
enquanto durar esta vida. Logo, depois dela, todas desaparecerão.
2. Demais. — O Filósofo
diz, que a ciência, sendo um hábito, é uma qualidade dificilmente removível,
pois não o perdemos facilmente, senão só por alguma forte transmutação ou
doença [2].
Ora, nada opera maior mudança no corpo humano que a morte. Logo, a ciência e as
demais virtudes intelectuais não perduram depois desta vida.
3. Demais. — As virtudes
intelectuais tornam a inteligência apta a operar rectamente o seu acto próprio.
Ora, depois desta vida o intelecto já não age, porque a alma não pode inteligir
nada sem o fantasma, como se disse [3];
ora, os fantasmas que só podem existir em órgãos corpóreos, não permanecem
depois desta vida. Logo, também não perduram, depois dela, as virtudes
intelectuais.
Mas, em contrário, o
conhecimento do universal e do necessário é mais estável que o do particular e
contingente. Ora, o homem continua a ter, depois desta vida, o conhecimento do
particular e do contingente, p. ex., daquilo que fez ou sofreu, conforme a
Escritura (Lc 16, 25): lembra-te
que recebestes os teus bens em tua vida, e que Lázaro, semelhantemente, teve os
seus males. Logo, com maior razão, permanece o conhecimento do universal e
do necessário, objecto da ciência e das outras virtudes intelectuais.
SOLUÇÃO. — Como já
dissemos na Primeira Parte [4],
uns ensinaram que as espécies inteligíveis não permanecem no intelecto
possível, senão enquanto ele intelige em acto; e quando cessa a intelecção actual,
as espécies só se conservam na imaginativa e na memória, que, como potências
sensitivas são actos de órgãos corpóreos. Ora, tais potências se dissolvem com
a dissolução do corpo. E portanto, sendo assim, a ciência, nem qualquer outra
virtude intelectual, perdurará, depois desta vida, uma vez corrupto o corpo.
Mas esta opinião é contra
a doutrina de Aristóteles, que diz que o
intelecto possível se actualiza quando, se torna cada uma das coisas
singulares, como ciente, embora seja potencial em relação ao conhecimento actual
[5].
Também é contra a razão, por serem as espécies inteligíveis recebidas pelo
intelecto possível ao seu modo, imovelmente; sendo por isso que ele se chama
lugar das espécies [6],
quase conservador das espécies inteligíveis. Ao passo que os fantasmas, dependentemente
dos quais o homem intelige nesta vida, aplicando-lhes as espécies inteligíveis,
como dissemos na Primeira Parte [7],
desaparecem com a dissolução do corpo.
Donde, no concernente aos
fantasmas, que lhes são como materiais, as virtudes intelectuais destroem-se
com a destruição do corpo; perduram porém no atinente às espécies inteligíveis,
existentes no intelecto possível. Ora, as espécies são como as formas das
virtudes intelectuais. Donde, depois desta vida, elas permanecem, pelo que têm
de formal; não porém pelo que têm de material, como já dissemos a respeito das
virtudes morais [8].
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As palavras do Apóstolo devem-se entender relativamente ao
que há de material na ciência e ao modo de inteligir; porque, nem os fantasmas
continuarão a existir depois da destruição do corpo, nem haverá então uso da
ciência dependente dos fantasmas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pela
doença se destrói o que há de material no hábito da ciência, isto é, no
referente aos fantasmas; não porém, no concernente às espécies inteligíveis,
existentes no intelecto possível.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A
alma separada, depois da morte, tem outro modo de inteligir, sem se converter
nos fantasmas, como dissemos na Primeira Parte [9].
E, assim, a ciência permanece, não porém quanto ao mesmo modo de operar, como
já dissemos ao tratar das virtudes morais [10].
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
[1] (I,
q. 89, a. 5, 6 ; III Sent., dist. XXXI, q. 2, a. 4 ; IV, dist. I,
q. 1, a. 2; I Cor., cap. XIII, lect. III).
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