Questão
67: Da duração das virtudes depois desta vida.
Em seguida devemos tratar
da duração das virtudes depois desta vida.
E sobre esta questão seis
artigos se discutem:
Art. 1 — Se as virtudes
morais permanecem depois desta vida.
Art. 2 — Se as virtudes
intelectuais perduram depois desta vida.
Art. 3 — Se a fé perdura
depois desta vida.
Art. 4 — Se a esperança
perdura, depois da morte, no estado da glória.
Art. 5 — Se algo da fé ou
da esperança perdura na glória.
Art. 6 — Se a caridade
subsiste, depois desta vida, na glória.
Art.
1 — Se as virtudes morais permanecem depois desta vida.
O primeiro discute-se
assim.— Parece que as virtudes morais não permanecem depois desta vida.
1. — Pois no estado da
glória futura os homens serão como anjos, como diz a Escritura (Mt 22, 30).
Ora, é ridículo atribuir aos anjos virtudes morais, como se disse [2].
Logo, também os homens, depois desta vida, não terão virtudes morais.
2. Demais. — As virtudes
morais aperfeiçoam o homem na vida activa. Ora, não há actividade na vida
futura, como diz Gregório: As obras da
vida activa desaparecem com o corpo [3].
Logo, as virtudes morais não permanecem depois desta vida.
3. Demais. — A temperança e a coragem, que são virtudes
morais, são relativas às partes irracionais, como diz o Filósofo [4].
Ora, estas partes desaparecem com a desaparição do corpo, por serem actos de
órgãos corpóreos. Logo, parece que as virtudes morais não permanecem depois
desta vida.
Mas, em contrário, diz a
Escritura (Sb 1, 15): A
justiça é perpétua e imortal.
SOLUÇÃO. — Como refere
Agostinho [5],
Túlio ensinou que, depois desta vida, não
mais existem as quatro virtudes cardeais, e que então os homens serão felizes
só pelo conhecimento da natureza, que
é melhor e mais desejável que tudo, conforme diz Agostinho no mesmo lugar; mas por aquela natureza que criou todas as
naturezas. E Agostinho, por sua vez, determina que essas virtudes existem na vida futura, mas de outro modo.
Para prová-lo devemos
saber que, essas virtudes têm algo de formal e algo de quase material. O que
nelas há de material é uma inclinação da parte apetitiva para as paixões ou
operações, segundo um certo modo. Mas como este modo é determinado pela razão,
o que há de formal em todas as virtudes é a ordem própria da razão.
Portanto, devemos concluir
que as virtudes em questão, pelo que têm de material, não permanecem na vida
futura; pois, nela não existirá mais concupiscência nem prazeres do comer ou
venéreos; nem temor e coragem provocados pelo perigo da morte; nem
distribuições ou comunicações de coisas que servem ao uso da vida presente. Mas
quanto ao que há nelas de formal, permanecerão perfeitíssimamente depois desta
vida, nos bem-aventurados, sendo então a razão de cada um rectíssima quanto ao
que lhe diz respeito, nesse novo estado; e a potência apetitiva se moverá
absolutamente obediente à ordem da razão, em tudo o que a esse estado pertence.
E por isso Agostinho no mesmo lugar diz que, então, haverá prudência sem nenhum perigo de erro; fortaleza, sem o sofrimento
de suportar os males; temperança sem a repugnância da concupiscência; de
modo que a prudência consistira em não preferir nenhum bem a Deus nem com ele o
igualar; a fortaleza, em se unir com ele fortemente; a temperança, em não se
deleitar com nenhum vício nocivo. Quanto à justiça é claro que o ato que dela
permanecer será submeter-se a Deus, pois já nesta vida é ato de justiça
sujeitarmo-nos aos superiores.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No lugar aduzido o Filósofo refere-se ao que há de
material nessas virtudes morais; i. é, à justiça, quanto à comunicação e à
distribuição (dos bens); à fortaleza, quanto ao que nos causa terror e perigo;
à temperança, quanto às vis concupiscências.
E semelhantemente se deve
responder à segunda. — Tudo o que respeita a vida activa constitui a parte
material da virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Há
duplo estado depois desta vida: um, anterior à ressurreição, estando as almas
separadas do corpo; outro, posterior a ela, quando de novo se unirem aos seus
corpos. Neste último estado existirão, como agora, as potências irracionais em
órgãos corpóreos; e portanto, poderá existir a fortaleza, no irascível e no
concupiscível; a temperança, estando ambas essas potências perfeitamente
dispostas a obedecer à razão. Mas no estado anterior à ressurreição as partes
irracionais não existirão na alma, actualmente, mas só radicalmente na essência
dela, como já dissemos na primeira parte [6].
Por onde, as virtudes de que tratamos só existirão em ato na sua raiz, i. é, na
razão e na vontade, onde estão os como que seminários delas, como já dissemos [7].
A justiça porém, que reside na vontade, permanecerá mesmo em ato. E por isso
dela especialmente se diz que é perpétua e imortal, seja em razão do sujeito,
por ser a vontade incorruptível; seja também pela semelhança do acto, como já antes
se disse.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
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