Art.
4 — Se a justiça é a principal entre as virtudes morais.
O quarto discute-se assim.
— Parece que a justiça não é a principal entre as virtudes morais.
1. — Pois, dar a alguém do
seu é mais do que lhe restituir o devido. Ora, aquilo é próprio da
liberalidade, isto, da justiça. Logo, parece que a liberalidade é maior virtude
que a justiça.
2. Demais. — O que há num
ser de mais perfeito é o que nele há também de maior. Ora, como diz a Escritura
(Tg 1, 4), a paciência é perfeita
nas suas obras. Logo, é maior que a justiça.
3. Demais. — A
magnanimidade obra o que é grande, em todas as virtudes, como se disse [2].
Logo, ela engrandece a própria justiça e portanto é maior que esta.
Mas, em contrário, diz o
Filósofo, que a justiça é a preclaríssima das virtudes [3].
SOLUÇÃO. — Uma virtude
pode ser considerada, na sua espécie, maior ou menor, absoluta ou relativamente
falando. É absolutamente maior aquela em que esplende um maior bem racional,
como já dissemos [4].
E a esta luz, a justiça tem preexcelência sobre todas as virtudes morais, como
sendo mais próxima da razão; o que claramente se manifesta tanto pelo seu
sujeito como pelo seu objecto. Pois, o sujeito da justiça é a vontade, que é o
apetite racional, segundo já foi claramente estabelecido [5].
O objecto ou matéria da justiça são os actos pelos quais o homem tem relação,
não só consigo mesmo, mas também com outrem. Por onde, a justiça é a
preclaríssima das virtudes, como se disse [6].
E quanto às outras
virtudes morais, que versam sobre as paixões, tanto mais esplenderá em cada uma
o bem da razão, quanto mais importantes forem os objectos relativamente aos
quais o movimento apetitivo se sujeitar à razão. Ora, o maior bem do homem, de
que dependem todos os outros, é a vida. E portanto, a fortaleza, que sujeita à
razão o movimento apetitivo, no relativo à morte e à vida, ocupa o primeiro
lugar entre as virtudes morais que versam sobre as paixões; contudo, ela se
subordina à justiça. E por isso o Filósofo diz, que, necessariamente, as máximas virtudes são as mais honradas pelos outros,
pois a virtude é uma potência benéfica. É por isto que se honram
principalmente, os fortes e os justos, porque, a fortaleza é útil na guerra, e
a justiça, na guerra e na paz. Depois da fortaleza vem à temperança, que
sujeita o apetite à razão no atinente ao que se ordena imediatamente à vida,
quer isso se considere individualmente, quer especificamente, como no caso dos
alimentos e das relações sexuais. E assim, essas três virtudes, simultaneamente
com a prudência, consideram-se principais, mesmo em dignidade.
Relativamente porém,
dizemos que uma virtude é maior, por acrescentar à virtude principal um
adminículo ou ornato. Assim também a substância é, absolutamente falando, mais
digna que o acidente; o que não impede seja, relativamente falando, um acidente
mais digno, por aperfeiçoar a substância por algum ser acidental.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O acto de liberalidade há-de fundar-se sobre o da justiça,
pois, o dom não seria liberal se não o fizéssemos com o que é nosso, como se
disse [7].
Donde, sem a justiça, que discerne o nosso, do alheio, não pode haver
liberalidade; mas aquela pode existir sem esta. Portanto, absolutamente
falando, a justiça é maior que a liberalidade, por ser mais geral e lhe servir
de fundamento. Mas, relativamente, a liberalidade é maior, por ser um como
ornato da justiça, e seu suplemento.
RESPOSTA À SEGUNDA. —
Diz-se que a paciência é perfeita nas suas obras, no que respeita ao sofrimento
dos males, em relação aos quais ela não só exclui a injusta vingança, que a
justiça também exclui; nem só o ódio, como o faz a caridade; nem só a ira, como
o faz a mansidão; mas também a tristeza desordenada, raiz de todos os males que
acabamos de enumerar. E por isso, é mais perfeita e maior, porque, na matéria
em questão, extirpa a raiz. Mas não é, absolutamente falando, mais perfeita que
as outras virtudes, porque a fortaleza não somente suporta os sofrimentos sem
se perturbar, o que também faz a paciência, mas também os enfrenta, quando
necessário. Donde, quem é forte é paciente, mas não, vice-versa. Pois, a paciência
é parte da fortaleza.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não
pode haver magnanimidade sem a preexistência das outras virtudes, como se disse
[8].
Por isso ela é como o ornato das outras. E portanto, é maior que todas as
outras, relativa e não absolutamente.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
[1] (Supra,
a. 1 ; IIª. lIae, q. 58, a. 12; q. 123, a. 12; q. 141, a. 8; IV Sent., dist. XXXIII,
q. 3, a. 3; De Virtut., q. 5, a. 3).
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