Art.
4 — Se a fé e a esperança podem, às vezes, existir sem a caridade.
O quarto discute-se assim.
— Parece que a fé e a esperança nunca existem sem a caridade.
1. — Pois sendo virtudes
teologais, são mais dignas do que as virtudes morais, mesmo as infusas. Ora,
estas não podem existir sem a caridade. Logo, nem a fé e a esperança.
2. Demais. — Só crê quem
quer, diz S. Agostinho [2].
Ora, a caridade existe na vontade, da qual é, a perfeição, como já dissemos [3].
Logo, a fé não pode existir sem a caridade.
3. Demais. — Como diz
Agostinho, a esperança não pode existir
sem o amor [4].
Ora é a este, como caridade, que ele se refere. Logo, a esperança não pede
existir sem a caridade.
Mas, em contrário, a
propósito de Mateus 1, 2 a Glosa diz que
a fé gera a esperança e esta, a caridade. Ora, o gerador é anterior ao gerado
e pode existir sem este. Logo, a fé pode existir sem a esperança e esta, sem a
caridade.
SOLUÇÃO. — A fé e a
esperança, assim como as virtudes morais, podem ser consideradas à dupla luz:
como de certo modo incoativas, e como virtudes perfeitas na sua essência. Pois,
ordenando-se a virtude à prática das boas obras, é perfeita e conducente a
obras perfeitamente boas. E para isto não só boas devem elas ser, mas também,
bem feitas; do contrário não haverá bem perfeito se, por bem, se entende o que
é feito, embora não o seja bem; e portanto, também o hábito, princípio do que
obramos, não realizará perfeitamente a noção de virtude. Assim, quem pratica a
justiça por certo que faz bem; mas a sua obra não será o de uma virtude
perfeita, se não o praticar bem, i. é, segundo a eleição recta, que se inspira
na prudência. Logo, sem esta a justiça não pode ser virtude perfeita.
Assim, pois, a fé e a
esperança podem, certamente, existir de algum modo sem a caridade, mas, sem
esta, não podem realizar a noção perfeita da virtude. Pois, como a fé tem por
objecto crer em Deus, e como crer é assentir na opinião de outrem, por vontade
própria, o acto da fé não será perfeito, se a vontade não quiser do modo devido.
Ora, só influenciada pela caridade, que aperfeiçoa a vontade, pode esta querer
do modo devido; porquanto, todo movimento recto dela procede do amor, no dizer
de Agostinho [5]. Donde,
a fé pode, certamente, existir sem a caridade, mas não como virtude perfeita; assim
como a temperança ou a fortaleza não podem existir sem a prudência. E o mesmo
se deve dizer da esperança, cujo acto consiste em ter em expectativa a futura
beatitude dada por Deus. Esse acto será perfeito se se fundar nos méritos que
já temos, o que não pode ser sem a caridade. Mas, se essa expectativa se fundar
nos méritos que ainda não temos, mas que nos propomos adquirir no futuro, o acto
será imperfeito, e pode existir sem a caridade. E portanto, a fé e a esperança
podem existir sem a caridade, mas, sem esta, propriamente falando, as virtudes
não existem; porque, a virtude, por essência, exige não somente que obremos de
acordo com ela, mas ainda, que obremos rectamente, como se disse [6].
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— As virtudes morais dependem da prudência; ora, a prudência
infusa, sem a caridade, não pode realizar a essência da prudência, por lhe
faltar a relação devida com o primeiro princípio, que é o último fim. Ao passo
que a fé e a esperança, por essência, não dependem da prudência nem da
caridade; e, portanto, podem existir sem esta, embora então não sejam virtudes,
como já se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA.
— A
objecção colhe quanto à fé, que realiza perfeitamente a essência da virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA.
—
Agostinho refere-se, no lugar aduzido, à esperança pela qual temos em
expectativa a futura beatitude, fundada nos méritos que já possuímos; o que não
pode ser sem a caridade.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
[1] (IIª.
lIae, q. 23, a. 7, ad 1 ; III Sent., dist .. XXIII, q. 3, a. 1, qª 2; dist. XXVI, q. 2. a. 3, qª 2; I Cor., cap. XIII lect. 1).
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