Art.
2 — Se as virtudes morais podem existir sem a caridade.
O segundo discute-se
assim. — Parece que as virtudes morais podem existir sem a caridade.
1. — Pois, foi dito que
todas as virtudes, excepto a caridade, podem ser comuns aos bons e aos maus.
Ora, a caridade só pode existir nos bons, como no mesmo livro se diz [2].
Logo, as outras virtudes podem ser possuídas sem a caridade.
2. Demais. — As virtudes
morais podem ser adquiridas pelos actos humanos, como se disse [3].
Ora, a caridade só pode ser possuída por infusão, conforme a Escritura (Rm
5, 5): a caridade de Deus está derramada
em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Logo, as outras
virtudes podem ser possuídas sem caridade.
3. Demais. — As virtudes
morais, enquanto dependentes da prudência, são conexas entre si. Ora, a
caridade não depende da prudência, e antes a excede, conforme a Escritura (Ef
3, 19): a caridade de Cristo excede a ciência. Logo, as virtudes morais
não são conexas com a caridade, e podem existir sem ela.
Mas, em contrário, diz a
Escritura (I Jo 3, 14): Aquele
que não ama permanece na morte. Ora,
as virtudes aperfeiçoam a vida espiritual, pois por elas é que vivemos
rectamente, como diz Agostinho [4].
Logo, não podem existir sem o amor da caridade.
Como já
dissemos [5],
as virtudes morais, enquanto operativas do bem, ordenadamente ao fim que não
excede a faculdade natural do homem, podem ser adquiridas por obras humanas. E
assim adquiridas, podem existir sem a caridade, como existiram em muitos
gentios. — Mas, enquanto operativas do bem, ordenadamente ao fim último
sobrenatural, então realizam a essência da virtude perfeita e verdadeiramente,
e não podem ser adquiridas pelos actos humanos, mas são infundidas por Deus.
Ora, tais virtudes morais não podem existir sem a caridade. Pois, como já
dissemos [6],
as virtudes morais não podem existir sem a prudência, e esta não pode existir
sem aquelas, que nos levam a proceder bem em relação a certos fins, dos quais
procede a razão da prudência. Ora, pela sua razão recta, a prudência exige, que
o homem proceda bem em relação ao último fim — a que o leva à caridade — muito
mais que em relação aos outros fins, a que o levam ás virtudes morais; assim
como, na ordem especulativa, a razão recta implica, principalmente, o primeiro
princípio indemonstrável que os contraditórios não podem ser simultaneamente
verdadeiros.
Do sobredito consta
portanto, com clareza, que só as virtudes infusas são perfeitas e se chamam
virtudes, absolutamente falando. Ao passo que as adquiridas — que são as outras
— o são parcial e não absolutamente, porque ordenam bem o homem para um fim
último, não absoluta, mas genericamente. E por isso, sobre o dito pela
Escritura (Rm 14, 23) — Tudo o que não é segundo a fé é pecado — diz a Glosa de Agostinho: Onde falta o conhecimento da verdade, a
virtude é falsa, mesmo acompanhada de óptimos costumes.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No lugar aduzido as virtudes consideram-se na sua noção
imperfeita. Do contrário, tomada a virtude moral em a noção perfeita, torna bom
quem o possui e por consequência, não pode existir nos maus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A
objecção colhe relativamente às virtudes morais adquiridas.
RESPOSTA À TERCEIRA.
—
Embora a caridade exceda a ciência e a prudência, contudo esta depende daquela,
como já dissemos, e, por consequência, também dela dependem todas as virtudes
morais infusas.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)
[1] (Iª·lIae.,
q. 23, a. 7 ; III Sent., dist. XVII, q. 2, a. 4, qª 3, ad 2; dist. XXXVI, q. 2; de Virtut., q. 5, a. 2).
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