O terceiro discute-se
assim. — Parece que as virtudes intelectuais não consistem num meio-termo.
1. — Pois, as virtudes
morais consistem num meio-termo por se submeterem à regra da razão. Ora, como
as virtudes intelectuais existem na razão mesma, não podem estar sujeitas a uma
regra superior. Logo, as virtudes intelectuais não consistem num meio-termo.
2. Demais. — O meio-termo da
virtude moral é determinado pela virtude intelectual, conforme o dito de
Aristóteles: a virtude consiste num
meio-termo determinado pela razão, como o determinaria o sábio [2].
Se pois, a virtude intelectual consistir ainda num outro meio termo, esse lhe
há de ser determinado por alguma outra virtude, e assim proceder-se-ia ao
infinito.
3. Demais. — Termo médio
existe, propriamente, entre contrários, como se vê claramente no Filósofo [3].
Ora, no intelecto não pode haver nenhuma contrariedade, porque os próprios
contrários — como preto e branco, são e doente — enquanto nele existentes,
deixam de ser tais. Logo, nas virtudes intelectuais não há meio-termo.
Mas, em contrário, a arte
é uma virtude intelectual, como já se disse [4] e
contudo, é um meio termo, como também já se estabeleceu [5].
Logo, a virtude intelectual consiste num meio-termo.
O bem de um ser
consiste num meio-termo, enquanto se submete à regra ou à medida, que pode
ultrapassar ou não alcançar, como já dissemos [6].
Ora, tanto a virtude intelectual como a moral ordenam-se para o bem, segundo
ficou estabelecido [7]. Donde,
estando o bem da virtude intelectual sujeito à medida, está sujeito também ao meio-termo
da razão. Ora, o bem da virtude intelectual é o verdadeiro: o verdadeiro
absoluto, da virtude especulativa, como se disse [8];
e o da virtude prática, o verdadeiro conforme ao apetite recto.
A verdade do nosso
intelecto, absolutamente considerada, é como medida pela realidade. Pois a
realidade é a medida do nosso intelecto, segundo se disse [9];
pois, a verdade de uma opinião ou de uma oração depende de uma realidade que é
ou não é. Assim, pois, o bem da virtude intelectual especulativa consiste num
certo meio-termo conforme a própria realidade, enquanto diz ser o que é, e não
ser o que não é; e nisso consiste a essência da verdade. O excesso manifesta-se
na afirmação falsa, que diz ser o que não é; e o defeito, em a negação falsa,
que diz não ser o que é.
Por outro lado, a verdade
da virtude intelectual prática, comparada com a realidade, está para ela como o
que é medido; e assim, tanto nas virtudes intelectuais práticas, como nas
especulativas, o meio-termo é considerado na sua conformidade com a realidade.
Mas em relação ao apetite, ele exerce o papel de regra e medida. Donde, o meio-termo
da virtude moral, i. é, a rectidão da razão, é também o da prudência; mas
desta, enquanto regula e mede e daquela, como medida e regulada.
Semelhantemente, o excesso e o defeito são tomados em acepções diversas, num e
noutro caso.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Também a virtude moral tem a sua medida, como dissemos; e
é pela conformidade com esta que é considerado o meio-termo daquela.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não
há necessidade de proceder ao infinito, em relação às virtudes, porque a medida
e a regra da virtude intelectual não é algum outro género de virtude, mas a própria
realidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As
coisas contrárias, em si mesmas, não têm contrariedade na alma, porque um é a
razão de conhecermos o outro; e contudo, no intelecto, há a contrariedade da
afirmação e da negação, que são contrárias entre si, como se diz no fim do Perihermeneias. Pois, embora o ser e o
não-ser não sejam contrários, mas opostos por contrariedade, se os
considerarmos como existentes na realidade, porque um é ente e outro, puro
não-ente; contudo, referidos ao acto da alma, um e outro exprimem algum ser. Donde,
o ser e o não-ser são contraditórios; mas a opinião que considera o bem como
bem é contrária a que o considera como não-bem. E entre esses contrários o meio-termo
é a virtude intelectual.
Revisão
da versão portuguesa por AMA
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