Questão
62: Do efeito principal dos Sacramentos, que é a graça.
Art.
6 — Se os sacramentos da lei antiga causavam a graça.
O sexto discute-se assim. – Parece que
os sacramentos da lei antiga causavam a graça.
1. Pois como dissemos, os sacramentos
da lei nova tiram a sua eficácia da fé na Paixão de Cristo. Ora, a fé na Paixão
de Cristo existia na lei antiga, como na nova, conforme diz o Apóstolo: Pois, nós temos um mesmo espírito de fé.
Logo, assim como os sacramentos da lei nova conferem a graça, assim também os
da lei antiga a cumpriam.
2. Demais. — A santificação não se faz
senão pela graça. Ora, pelos sacramentos da lei antiga os homens eram
santificados, como lemos na Escritura: Como
Moisés santificasse Arão e seus filhos nos seus vestidos, etc. Logo, parece
que os sacramentos da lei antiga conferiam a graça.
3. Demais. — Beda diz: A circuncisão, na vigência da lei, exercia a
mesma cura salutar contra o ferimento do pecado original, que costuma exercer o
baptismo no tempo da graça revelada. Ora, o baptismo confere a graça. Logo,
também a conferia a circuncisão; e pela mesma razão os outros sacramentos da
lei nova, como o era a circuncisão aos sacramentos da lei antiga. Por isso diz
o Apóstolo: Protesto a todo homem que se
circuncida, que está obrigado a guardar toda a lei.
Mas, em contrário o Apóstolo: Tornai-vos outra vez aos rudimentos fracos e
pobres? E a Glosa: Isto é, à lei,
chamada fraca porque não justifica perfeitamente. Logo os sacramentos da
lei antiga não conferiam a graça.
Não se pode dizer que os
sacramentos da lei antiga conferissem a graça justificante por si mesma, isto
é, por virtude própria, porque então a paixão de Cristo não seria necessária,
segundo o Apóstolo: Se a justiça é pela
lei, segue-se que morreu Cristo em vão. – Mas nem se pode dizer que da
paixão de Cristo tenham a virtude de conferir a graça justificante. Pois, como
do sobredito se infere, a virtude da paixão de Cristo se nos aplica pela fé e
pelos sacramentos, mas diferentemente. Assim a continuidade fundada na fé resulta
de um acto da alma; ao passo que a fundada nos sacramentos resulta do uso
exterior das coisas. Ora, nada impede ao que é posterior no tempo mover, antes
de existir, enquanto tem precedência, por um acto da alma; assim o fim,
posterior no tempo, move o agente, enquanto apreendido e desejado por ele. Mas,
o ainda não existente como realidade da natureza, não move pelo uso que disso
se faça; por isso a causa eficiente não pode ser posterior na sua existência
pela ordem de duração, como a causa final. Assim, pois, é manifesto, que da
paixão de Cristo, causa da justificação humana, convenientemente deriva a
justificativa para os sacramentos da lei nova, mas não para os da lei antiga.
E, contudo pela fé da paixão de Cristo foram justificados os antigos
Patriarcas, como o somos nós. Pois, os sacramentos da lei antiga eram uma quase
manifestação dessa fé, enquanto significavam a paixão de Cristo e os seus
efeitos. - Donde é claro que os sacramentos da lei antiga não tinham em si
nenhuma virtude pela qual pudessem conferir a graça justificante: mas somente
significavam a fé, pela qual se operava a justificação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Os antigos Patriarcas tinham fé na paixão futura de Cristo, a qual, enquanto
já apreendida pela alma, podia justificar. Ao passo que nós temos fé na Paixão
de Cristo consumada, que pode justificar mesmo pelo uso real das coisas
sacramentais, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa
santificação era figurada; pois, os sacramentos da lei antiga se consideravam
como santificantes por serem aplicados ao culto divino conforme o dito dessa
lei, que toda se ordenava a figurar a paixão de Cristo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Muitas foram as
opiniões a respeito da circuncisão. Assim, alguns disseram que não era pela
circuncisão conferida a graça, mas apenas delido o pecado. – Isto, porém não é
admissível, porque o homem não é justificado do pecado senão pela graça, segundo
o Apóstolo: Tendo sido justificados
gratuitamente por sua graça. Por isso opinavam outros que pela circuncisão
era conferida a graça, quanto aos seus efeitos de removerem a culpa, mas não
quanto aos efeitos positivos dela. - Mas também esta opinião é falsa. Pois, a
circuncisão dava às crianças a faculdade de chegar à glória, que é o último
efeito positivo da graça. E, além disso, segundo a ordem da causa formal, os
efeitos positivos têm naturalmente prioridade sobre os privativos, embora o
contrário se dê segundo a ordem da causa material; pois, a forma não exclui a
privação, senão informando o sujeito.
E por isso outros dizem que a
circuncisão conferia a graça mesmo quanto a um certo efeito positivo, que é
tornar digno da vida eterna: mas não porque reprimisse a concupiscência, que
excita a pecar. E assim me pareceu algum tempo. - Mas, mais atentamente reflectindo,
verifiquei que também isto não é verdadeiro; porque uma graça mínima pode
resistir a qualquer concupiscência e merecer a vida eterna. Donde e melhor,
devemos concluir que a circuncisão era só o sinal da fé justificante. Donde o
dizer o Apóstolo: que Abraão recebeu o
sinal da circuncisão como selo da justiça da fé. Por isso a circuncisão
conferia a graça, enquanto sinal da futura paixão de Cristo, como a seguir se
dirá.
Nota: Revisão da versão portuguesa por
ama.
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