6.
“In patientia vestra possidebitis animas
vestras” (Lc 21,19)
Parte
da fortaleza é a virtude da paciência, que Joseph Ratzinger descreveu como “a
forma quotidiana do amor” [24].
A
razão pela qual se deu, tradicionalmente, no cristianismo uma importância
notável a esta virtude.
Pode
deduzir-se de umas palavras de Santo Agostinho no seu tratado sobre a
paciência, que descreve como “um dom tão grande de Deus, que deve ser
proclamada como uma marca de Deus que reside em nós” [25].
A
paciência é, pois, uma característica do Deus da história da salvação [26],
como ensinava Bento XVI no início do seu pontificado: “Este é o distintivo de
Deus: Ele próprio é amor.
Quantas
vezes desejaríamos que Deus se mostrasse mais forte!
Que
actuasse duramente, derrotasse o mal e criasse um mundo melhor.
Todas
as ideologias do poder se justificam assim, justificam a destruição do que se
oporia ao progresso e à libertação da humanidade.
Nós
sofremos pela paciência de Deus. E, não obstante, todos necessitamos da Sua
paciência.
O
Deus, que se fez cordeiro, diz-nos que o mundo se salva pelo Crucificado e não
pelos crucificadores.
O
mundo é redimido pela paciência de Deus e destruído pela impaciência dos
homens” [27].
Muitas
consequências práticas se podem deduzir desta consideração. A paciência conduz
a saber sofrer em silêncio, a ultrapassar as contrariedades que se desprendem
do cansaço, do carácter alheio, das injustiças, etc.
A
serenidade de ânimo torna assim possível que procuremos fazer tudo para todos [28],
adaptar-nos aos outros, levando connosco o nosso próprio ambiente, o ambiente
de Cristo.
Por
isso mesmo o cristão procura não pôr em perigo a sua fé e a sua vocação por uma
concepção equivocada da caridade, sabendo que – para utilizar uma expressão
coloquial – pode chegar até às portas do inferno, mas não mais além, porque aí
não se pode amar a Deus.
Deste
modo, se cumprem nele as palavras de Jesus: “com a vossa paciência possuireis
as vossas almas” [29].
7.
“Aquele que perseverar até aofim, será
salvo” (Mt 10, 22)
A
paciência está em estreita correspondência com a perseverança. Esta costuma ser
definida como a persistência no exercício de obras virtuosas apesar da
dificuldade e do cansaço derivados do seu prolongamento no tempo.
Mais
precisamente, costuma-se falar de constância quando se trata de vencer a
tentação de abandonar o esforço face ao aparecimento de um obstáculo concreto;
enquanto que se fala de perseverança quando o obstáculo é simplesmente o
prolongamento no tempo desse esforço [30].
Não
se trata somente de uma qualidade humana, necessária para atingir objectivos
mais ou menos ambiciosos.
A
perseverança, a imitação de Cristo, que foi obediente ao desígnio do Pai até ao
fim [31], é necessária para a salvação, de acordo com as palavras
evangélicas: “aquele que perseverar até ao fim, será salvo” [32].
Percebe-se
então a verdade da afirmação de São Josemaria: “Começar é de todos; perseverar,
de santos” [33].
Daí
o amor deste santo sacerdote pelo trabalho bem acabado, que descrevia como um
saber pôr as “últimas pedras” em cada trabalho realizado [34].
“Toda
a fidelidade deve passar pela prova mais exigente: a duração [...]. É fácil ser
coerente por um dia, ou por alguns dias [...]. Só se pode chamar fidelidade a
uma coerência que dura ao longo de toda a vida” [35].
Estas
palavras do Servo de Deus João Paulo II ajudam a compreender a perseverança a
uma luz mais profunda, não como um mero persistir mas, antes de mais, como
autêntica coerência de vida; uma fidelidade que acaba por merecer o louvor do
senhor da parábola dos talentos e que cabe considerar como uma fórmula
evangélica de canonização:
“Muito bem, servo bom e fiel; porque foste
fiel no pouco, eu te confiarei o muito: entra na alegria do teu senhor” [36].
8. “Magnus in prosperis, in adversis maior”
“Grande
na prosperidade, maior na adversidade”. Estas palavras do epitáfio do rei
inglês Jacob II, na igreja de Saint Germain em Layes, próxima de Paris,
exprimem a harmonia entre as diferentes componentes da virtude da fortaleza:
por um lado, a paciência e a perseverança, que se relacionam com o ato de
resistir no bem e que já considerámos; por outro, a magnificência e a
magnanimidade, que fazem referência directa ao acto de atacar, de empreender
grandes façanhas, também nas pequenas empresas da vida corrente.
Com
efeito, de acordo com a teologia moral, “a fortaleza, como virtude de apetite
irascível, não só domina os nossos medos (cohibitiva
timorum) como, além disso, modera as acções atrevidas e audazes (moderativa audaciarum).
Assim,
a fortaleza ocupa-se do medo e da audácia, impedindo o primeiro e impondo um
equilíbrio à segunda” [37].
A
magnanimidade ou grandeza de alma é a prontidão para tomar a decisão de
empreender obras virtuosas excelentes e difíceis, dignas de grande honra.
Por
seu lado, a magnificência refere-se à efectiva realização de obras grandes e em
particular a procura e emprego dos recursos económicos e materiais adequados ao
cumprimento de grandes empresas ao serviço de Deus e do bem comum [38].
São Josemaria descrevia a pessoa magnânima
nestes termos: “ânimo grande, alma grande onde cabem muitos.
É
a força que nos dispõe a sairmos de nós próprios, a fim de nos prepararmos para
empreender obras valiosas, em benefício de todos.
No
homem magnânimo não tem lugar a mesquinhez; não entra a medida estreita, o
cálculo egoísta ou a deslealdade interesseira.
O
magnânimo dedica sem reservas as suas forças ao que vale a pena; por isso é
capaz de se entregar a si próprio.
Não
se conforma apenas com dar: dá-se. E então consegue compreender a maior prova
de magnanimidade: dar-se a Deus” [39].
Requer-se
magnanimidade para empreender, diariamente, a empresa da própria santificação e
do apostolado no meio do mundo, das dificuldades que sempre haverá, com a
convicção de que tudo é possível para aquele que crê [40].
Neste
sentido, o cristão magnânimo não teme proclamar e defender com firmeza, nos
ambientes em que se move, os ensinamentos da Igreja, também em momentos em que
isso possa supor ir contra-corrente [41], aspecto que tem uma
profunda raiz evangélica.
Assim,
o cristão conduzir-se-á com compreensão para com as pessoas e simultaneamente
com uma santa intransigência na doutrina [42], fiel ao lema paulino veritatem facientes in caritate, vivendo
a verdade com caridade [43], que traz consigo defender a totalidade
da fé sem violência. Isto implica também que a obediência e docilidade ao Magistério
da Igreja não se contrapõem à liberdade de opinião; pelo contrário, ajudam a
distinguir bem a verdade da fé, daquilo que são simples opiniões humanas.
*
* *
No
início fez-se referência à paciente resistência de Maria ao pé da Cruz.
A
fortaleza exemplar de Nossa Senhora inclui também a grandeza de alma que a
levou a exclamar diante da sua prima Isabel:
Magnificat anima mea Dominum ... quia
fecit mihi magna qui potens est,
a minha alma glorifica o Senhor... porque fez em mim grandes coisas [44].
A
exultação de Maria contém uma importante lição para nós, como recorda Bento
XVI: “O homem é grande, só se Deus é grande.
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