28/03/2018

Leitura espiritual

TEMA 30. A pessoa e a sociedade

Para a pessoa humana a vida social não é uma coisa acessória, mas deriva da sociabilidade: a pessoa cresce e realiza a sua vocação somente em união com os outros.
 
1. A sociabilidade humana

Deus não criou o homem como ser solitário, mas como “um ser social” (cf. Gn 1, 27; 2, 18. 20. 23). Para a pessoa humana, a vida social não é alguma coisa acessória, mas deriva duma importante dimensão inerente à sua natureza: a sociabilidade. O ser humano só pode crescer e realizar a sua vocação em união com os outros[1]. Esta natural sociabilidade torna-se patente à luz da fé, já que existe uma certa semelhança entre a vida íntima da Santíssima Trindade e a comunhão (comum união, participação) que se deve instaurar entre os homens; e todos foram igualmente redimidos por Cristo e estão chamados ao único e mesmo fim[2]. A Revelação mostra que o relacionamento humano deve estar aberto a toda a humanidade, sem excluir ninguém; e deve caracterizar-se por plena gratuidade, já que no próximo, mais do que um igual, se vê a imagem viva de Deus, por quem é necessário estar disposto a dar-se até ao extremo[3]. O homem «está chamado a existir “para” os outros, a converter-se num dom»[4], mesmo que não se limite a isto: está chamado a existir não só “com” os outros ou “junto” dos outros, mas “para” os outros, o que implica servir, amar. A liberdade humana «degrada se quando o homem, deixando-se arrastar para uma vida de demasiadas facilidades, se encerra como numa solidão doirada»[5]. No entanto, a dimensão natural e o fortalecimento sobrenatural da sociabilidade não significa que as relações sociais se possam deixar à pura espontaneidade: muitas qualidades naturais do ser humano (por exemplo, a linguagem) requerem formação e prática para a sua correcta execução. Assim sucede com a sociabilidade: é preciso um esforço pessoal e colectivo para a desenvolver[6]. A sociabilidade não se limita aos aspectos políticos e mercantis; ainda são mais importantes as relações baseadas nos aspectos profundamente humanos: também no que diz respeito ao âmbito social se deve pôr em primeiro plano o elemento espiritual[7]. Donde se conclui que a real possibilidade de edificar uma sociedade digna das pessoas se encontra no crescimento interior do homem. A história da humanidade não se move por um determinismo interpessoal, mas pela interacção de diferentes gerações de pessoas, cujos actos livres constroem a ordem social[8]. Tudo isto evidencia a necessidade de conferir um relevo particular à autodeterminação, etc. E tudo isto, tanto como regra de conduta pessoal como de esquema organizativo da sociedade. A sociedade está ligada a outra característica humana: a igualdade radical e as diferenças acidentais das pessoas. Todos os homens possuem a mesma natureza e a mesma origem, foram redimidos por Cristo e chamados a participar na mesma bem-aventurança divina: «Todos gozam, portanto, de igual dignidade» (Catecismo, 1934). Com esta igualdade existem também diferenças, que devem ser avaliadas positivamente se não são iníquas «Estas diferenças fazem parte do plano de Deus que quer que cada um receba de outrem aquilo de que precisa e que os que dispõem de “talentos” particulares comuniquem os seus benefícios aos que deles precisam» (Catecismo, 1937).
2. A sociedade

A sociabilidade humana exerce-se através do estabelecimento de diversas associações dirigidas a alcançar diferentes finalidades: uma «sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de modo orgânico por um princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas» (Catecismo, 1880). Os objectivos humanos são múltiplos, bem como os tipos de nexos: amor, etnia, idioma, território, cultura, etc. Por isso, existe um amplo mosaico de instituições ou associações, podem ser constituídas por poucas pessoas como a família, ou por um número sempre maior à medida que passa das diversas associações às cidades, estados e à comunidade internacional. Algumas sociedades, como a família e a sociedade civil, correspondem mais imediatamente à natureza do homem e são-lhe necessárias, embora também possuam elementos culturais que desenvolvem a natureza humana. Outras são de livre iniciativa e correspondem ao que se poderia qualificar de “socialização” da tendência natural da pessoa que, como tal, se há-de favorecer (cf. Catecismo, 1882; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 151). O estreito nexo que existe entre as pessoas e a vida social explica o enorme influxo da sociedade no desenvolvimento da pessoa e a deterioração humana que acontece quando uma sociedade é defeituosamente organizada: o comportamento das pessoas depende, de algum modo, da organização social, que é um produto cultural acerca da pessoa. Sem reduzir o ser humano a um elemento anónimo da sociedade[9], convém recordar que o desenvolvimento pleno da pessoa e o progresso social se influenciam mutuamente[10]: entre a dimensão pessoal e a dimensão social do homem não existe oposição mas complementaridade, mais ainda, são duas dimensões em íntima conexão que se reforçam reciprocamente. Neste sentido, por causa dos pecados dos homens, geram-se na sociedade estruturas injustas ou estruturas de pecado[11]. Estas estruturas opõem-se à recta ordem da sociedade, tornam mais difícil a prática da virtude e mais fáceis os pecados pessoais contra a justiça, a caridade, a castidade, etc. Podem ser costumes imorais generalizados (como a corrupção política e económica) ou leis injustas (como as que permitem o aborto), etc.[12]. As estruturas de pecado devem ser eliminadas e substituídas por estruturas justas. Um meio de capital importância para desmontar as estruturas injustas e cristianizar as relações profissionais e toda a sociedade, é o empenho por viver com coerência as normas de moral profissional; tal empenho é além disso condição necessária para santificar o trabalho profissional.
3. A autoridade[13]

«Toda a comunidade humana necessita de uma autoridade que a governe. Esta tem o seu fundamento na natureza humana. Ela é necessária para a unidade da comunidade civil.

O seu papel consiste em assegurar, quanto possível, o bem comum da sociedade» (Catecismo, 1898). Como a sociedade é uma qualidade própria da natureza humana, deve-se concluir que toda e qualquer autoridade legítima emanam de Deus, como Autor da natureza (cf. Rm 13, 1; Catecismo, 1899). Mas «a determinação do regime e a designação dos governantes hão-de deixar-se à livre vontade dos cidadãos»[14]. A legitimidade moral da autoridade não procede de si mesma: é instrumento de Deus (Rm 13, 4) em ordem ao bem comum[15]. «Se a autoridade pública pode, às vezes, renunciar a reprimir algo que, se proibido, provocaria um dano maior [cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I-II. q. 96, a. 2], ela não poderá nunca aceitar como direito dos indivíduos - ainda que estes sejam a maioria dos membros da sociedade -, a ofensa infligida a outras pessoas através do menosprezo de um direito tão fundamental como o da vida»[16]. Quanto aos sistemas políticos, «a Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade de escolher e controlar os próprios governantes[17]. A ordenação democrática do Estado é parte do bem comum. Mas «o valor da democracia vive ou morre nos valores que ela encarna e promove: fundamentais e imprescindíveis são certamente a dignidade de toda a pessoa humana, o respeito dos seus direitos intangíveis e inalienáveis»[18]. «Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado»[19].
4. O bem comum

Por bem comum entende-se «o conjunto das condições sociais que permitem, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros, atingir sua própria perfeição»[20]. O bem comum não só é de ordem natural mas também espiritual (ambas interrelacionadas), e compreende “três elementos essenciais” (Catecismo, 1906): - respeitar a pessoa e a sua liberdade[21]; - procurar o bem estar social e o desenvolvimento integral[22]; - promover «a paz, quer dizer, a permanência e a segurança duma ordem justa» (Catecismo 1909)[23].

Tendo presente a natureza do homem, o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem comum e este, por sua vez, deve estar orientado para o progresso das pessoas (cf. Catecismo, 1905 e 1912)[24]. O âmbito do bem comum não abrange só a cidade e o país, existe também um «bem comum universal. E este requer uma organização da comunidade das nações» (Catecismo, 1911).
5. Sociedade e dimensão transcendente da pessoa

A sociabilidade concerne todas as características da pessoa e, portanto, a sua dimensão transcendente. A profunda verdade sobre o homem, donde deriva a sua dignidade, consiste em ser imagem e semelhança de Deus e estar chamado à comunhão com Ele[25]; por isso «a dimensão teológica torna-se necessária para interpretar e resolver os problemas actuais da convivência humana»[26]. - Isto explica a fatuidade das propostas sociais que esquecem a dimensão transcendente. De facto, o ateísmo, nas suas diferentes manifestações, é um dos fenómenos mais graves do nosso tempo e as suas consequências são deletérias para a vida social[27]. Isto é particularmente evidente no momento actual: à medida que se perdem as raízes religiosas de uma comunidade, as relações entre os seus componentes tornam-se mais tensas e violentas, porque se debilita e inclusive se perde a força moral para actuar bem[28]. Se se quer que a ordem social tenha uma base estável, é necessário um fundamento absoluto que não esteja à mercê das opiniões versáteis ou dos jogos do poder, e só Deus é fundamento absoluto[29]. Deve-se, portanto, evitar a separação, mais ainda, a contraposição entre as dimensões religiosa e social da pessoa humana[30]. É necessário harmonizar estes dois âmbitos da verdade do homem, que se implicam e promovem mutuamente: a busca incondicional de Deus (cf. Catecismo, 358 e 1721; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 109) e a solicitação pelo próximo e pelo mundo, que sai reforçada pela dimensão teocêntrica[31]. Como consequência, é indispensável o crescimento espiritual para favorecer o desenvolvimento da sociedade: a renovação social nutre-se na contemplação. Efectivamente, o encontro com Deus na oração introduz na história uma força misteriosa que modifica os corações, move-os à conversão e é a energia necessária para transformar as estruturas sociais.
Empenhar-se na mudança social, sem um empenho sério na mudança pessoal, é uma miragem para a humanidade que acaba em desilusão e, muitas vezes, numa forte degradação vital, Uma «nova ordem social» realista e, portanto, sempre aperfeiçoável requer, actualmente, acrescentar às competências técnicas e científicas necessárias[32], a formação moral e a vida espiritual; daqui virá a renovação das instituições e das estruturas[33]. Além disso, sem esquecer que o empenho por edificar uma ordem social justa enobrece a pessoa que o realiza.
6. Participação dos católicos na vida pública

Participar na promoção do bem comum, cada um conforme o lugar que ocupa e o papel que desempenha, «é um dever inerente à dignidade da pessoa humana» (Catecismo, 1913). «Ninguém se deve conformar com uma ética individualista»[34]. Por isso, «os cidadãos devem, tanto quando possível, tomar parte activa na vida pública» (Catecismo, 1915)[35]. O direito e o dever de participar na vida social deriva do princípio de subsidiariedade: «Uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências, mas deve antes apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar a sua acção com a das outras componentes sociais, tendo em vista o bem comum»[36]. Esta participação realiza-se, antes de mais, por meio do cumprimento responsável dos próprios deveres familiares e profissionais (cf. Catecismo, 1914) e das obrigações de justiça legal (como, por exemplo, o pagamento de impostos)[37]. Também se realiza mediante a prática das virtudes, especialmente da solidariedade. Tendo em conta a independência das pessoas e dos grupos humanos, a participação na vida pública deve fazer-se com espírito de solidariedade, entendido como empenho em prol dos outros[38]. A solidariedade deve ser o critério para organizar a sociedade, não como simples desej0o moralizante, mas também como explícita e legítima exigência do ser humano; em boa medida, a paz do mundo depende dela (cf. Catecismo, 1939 e 1941)[39]. Embora a solidariedade diga respeito a todos os homens, motivos de urgência tornam a solidariedade mais necessária quanto mais difíceis forem as situações das pessoas: trata-se do amor preferencial pelos necessitados (cf. Catecismo, 1932, 2443-2449); Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 183-184). 
Enquanto cidadãos, os fiéis têm os mesmos deveres e direitos dos que se encontram em idêntica situação; como católicos, têm responsabilidade crescida (cf. Tit 3, 1-2; Pe 2, 1315)[40]. Por isso, «os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na política»[41]. Esta participação é particularmente necessária para lograr «que as exigências da doutrina e da vida cristã impregnem as realidades sociais, políticas e económicas» (Catecismo, 899). Como frequentemente as leis civis não se ajustam ao ensino da Igreja, os católicos devem fazer o possível, colaborando com outros cidadãos de boa vontade, para rectificar essas leis, sempre no âmbito dos meios legítimos e com caridade[42]. Seja como for, devem ajustar a sua conduta à doutrina católica, mesmo que tal lhes possa acarretar inconvenientes, tendo em conta que se deve obedecer antes a Deus do que aos homens (cf. Act 5, 29). Em conclusão, os católicos devem exercer os seus direitos civis e cumprir os seus deveres; isto diz respeito especialmente aos fiéis leigos, que estão chamados a santificar o mundo a partir do interior deste, com iniciativa e responsabilidade, sem esperar que a Hierarquia resolva os problemas com as autoridades civis ou lhes proponha as soluções que devem adoptar[43].

ENRIQUE COLOM
Bibliografia básica
- Catecismo da Igreja Católica : 1877-1917; 1939-1942: 2234-2249. - Compêndio da Doutrina Social da Igreja: 34-43; 149-151; 164-170; 541-574.
Leituras recomendadas:
- São Josemaria, homilia «Cristo Rei», em Cristo que Passa: 179-187. - Congregação para a Doutrina da Fé: Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas ao compromisso dos católicos na vida pública, 24-XI-2002.

Notas


[1] Cf. Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 24-25; Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis Conscientia, 32; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 110. [2]«Estarmos em comunhão com Jesus Cristo envolve-nos no seu ser “para todos”, fazendo disso o nosso modo de ser. Ele compromete-nos a ser para os outros, mas só na comunhão com Ele é que se torna possível sermos verdadeiramente para os outros, para a comunidade» (Bento X VI, Enc. Spe Salvi, 28, 30-XI-2007). [3]Cf. S. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 40, 30-XII-1987. [4]S. João Paulo II, Carta Ap. Mulieris DiGnitatem, 7, 15-VIII-1988. [5]Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 31. [6]«A sociabilidade humana não desemboca automaticamente na comunhão das pessoas, no dom de si. Por causa da soberba e do egoísmo, o homem descobre em si gérmenes de insociabilidade, de fechamento individualista e de opressão do outro (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 150). [7]Cf. Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 24 a). [8]«A sociedade historicamente existente promana do entrelace das liberdades de todas as pessoas que nela interagem, contribuindo, mediante as suas opções, para edificá-la ou para empobrecê-la» (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 163). [9]«O princípio, e sujeito e o fim de todas as instituições sociais é e deve ser a pessoa humana» (Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 25). Cf. PIO XII, Radiomensagem de Natal, 24-XII-1942: AAS 35 (1943) 12: João XXIII, Enc. Mater et magistra: AAS (1961) 453; Catecismo, 1881; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 106). [10]Cf. S. João Paulo II, Enc. Sollicitudo Rei Socialis, 38; Catecismo, 1888; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 62, 82 e 124. [11]Cf. S. João Paulo II, Enc. Sollicitudo Rei Socilais, 36. [12]«A Igreja, quando fala de situações de pecado ou denuncia como pecados sociais certas situações ou certos comportamentos colectivos (…), sabe e proclama que tais casos de pecado socia são o fruto, a acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais. Trata-se dos pecados pessoalíssimos de quem gera ou favorece a iniquidade ou a desfruta; de quem, podendo fazer alguma coisa para evitar, ou eliminar, ou pelo menos limitar certos males sociais, deixa de o fazer por preguiça, por medo e temerosa conivência, por cumplicidade disfarçada ou por indiferença; de quem procura escusas na pretensa impossibilidade de mudar o mundo; e, ainda, de quem pretende esquivar-se ao cansaço e ao sacrifício» (S. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et poenitentia, 16, 2-XII-1984). [13]Cf. Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 36; S. João Paulo II, Enc. Centesimus Annus, 38, 1-V-1881; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 570. Tratase, geralmente, de um processo, não de uma mudança instantânea, a qual envolve que os fiéis muitas vezes terão que conviver com essas estruturas e sofrer as suas consequências, sem deixar-se corromper e sem perder o empenho por mudá-las. Convém meditar as palavras de Nosso Senhor: «Não te peço que os tires do mundo mas que os preserves do mal» (Jo 17, 15). [14]Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 74, Cf. Catecismo, 1901. [15]«A autoridade só é exercida legitimamente na medida em que procurar o bem comum do respectivo grupo e em que, para o atingir, empregar meios moralmente lícitos. No caso de os dirigentes promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, tais disposições não podem obrigar as consciências» (Catecismo, 1903). [16]S. João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 71, 25-III-1995. [17]S. João Paulo II, Enc. Centesimus Annus, 46. [18]S. João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 70. O Papa refere-se em particular ao direito de cada ser humano inocente à vida, ao que se opõem as leis do aborto. [19]S. João Paulo II. Enc. Centesimus Annus, 46. [20]Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 26. Cf. Catecismo, 1906 [21]«Em nome do bem comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. A sociedade humana deve empenhar-se em permitir, a cada um dos seus membros, realizar a própria vocação. De modo particular, o bem comum reside nas condições do exercício das liberdades naturais, indispensáveis à realização da vocação humana» (Catecismo, 1907). [22]A autoridade, respeitando o princípio de subsidiariedade e provendo a iniciativa privada, deve procurar que cada um disponha do necessário para levar uma vida digna: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação adequada, etc. (cf. Catecismo, 1908 e 2211). [23]A paz não é só ausência de guerra. A paz não pode alcançar-se sem a salvaguarda da dignidade das pessoas e dos povos: cf. Catecismo, 2304. A paz é a «tranquilidade da ordem» (Santo Agostinho, De Civitate Dei, 19, 13). É obra da justiça (cf. Is 32, 17). A autonomia deve procurar, por meios lícitos, «a segurança da sociedade e dos seus membros. O bem comum está na base do direito à legítima defesa, pessoal e colectiva» (Catecismo, 1909). [24]«A ordem social e o seu progresso devem subordinar-se ao bem das pessoas (…) e não ao contrário» (Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 26). [25]Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 19. [26]S. João Paulo II, Enc. Centesimus Annus, 55. Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 11 e 41. [27]Cf. S. João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 21. 24. S. João Paulo II, depois de falar do erro das ideologias, acrescentava: «Se se questiona ulteriormente onde nasce aquela errada concepção da natureza da pessoa e da subjectividade da sociedade, é necessário responder que a sua causa primeira é o ateísmo. É na resposta ao apelo de Deus, contido no ser das coisas, que o homem toma consciência da sua dignidade (…). A negação de Deus priva a pessoa do seu fundamento e consequentemente induz a reorganizar a ordem social, prescindido da dignidade e responsabilidade da pessoa» (S. João Paulo II, Enc. Centesimus Annus, 13). [28]O homem pode construir a sociedade e «organizar a terra sem Deus, mas, ao fim e ao cabo, sem Deus não pode organizá-la senão contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo inumano» (Paulo VI, Enc. Populorum Progressio, 42, 26III-1967). Cf. João XXII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961) 452-453; Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 21; Bento XVI, Enc. Deus Caritas est, 42, 25-XII2005. [29]Cf. Leão XIII, Enc. Diuturnum illud: acta Leonis XIII, 2 (1882), 227 e 278; Pio XII Caritate Christi: AAS 24 (1932) 183-184. [30]Alguns «vêem o cristianismo como um conjunto de práticas ou actos de piedade, sem perceberem a sua relação com as situações da vida corrente, com a urgência de atender as necessidades dos outros e de se esforçar por remediar as injustiças. (…). Outros, pelo contrário, têm tendência para imaginar que, para poderem ser humanos, precisam de pôr em surdina alguns aspectos centrais do dogma cristão e actuam como se a vida de oração, a intimidade habitual com Deus, constituísse uma fuga das suas responsabilidades e um abandono do mundo. Esquecem-se de que Jesus, precisamente, nos deu a conhecer até que extremos se deve ir no caminho do amor e do serviço. Só se procurarmos compreender o arcano do amor de Deus, deste amor que chega até à morte, seremos capazes de nos entregar totalmente aos outros, sem nos deixarmos vencer pelas dificuldades ou pela indiferença» São Josemaria, Cristo que Passa, 98). [31]Existe uma profunda «interacção entre o amor a Deus e o amor ao próximo (…). Se na minha vida falta totalmente o contacto com Deus, posso ver no outro sempre e apenas o outro e não consigo reconhecer nele a imagem divina. Mas, se na minha vida negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas com ser “piedoso” e cumprir os meus “deveres religiosos”, então definha também a relação com Deus» (Bento XVI, Enc. Deus Caritas est, 18. Cf. S. João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 35-36, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 40). [32]«Todo o trabalho profissional exige uma formação prévia, e depois um esforço constante para melhorar esta preparação e adaptá-la às novas circunstâncias que surjam. Esta exigência constitui um dever particularíssimo para os que aspiram a ocupar postos directivos na sociedade, visto que são chamados a um serviço também muito importante, do qual depende o bem-estar de todos» (São Josemaria, Temas Actuais do Cristianismo, 90). [33]«Só se contribui para um mundo melhor, fazendo o bem agora e pessoalmente, com paixão e em todo o lado onde for possível» (Bento XVI, Enc. Deus Caritas est, 31 b). [34]Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 30. [35]«Um homem ou uma sociedade que não reaja diante das tribulações ou das injustiças e se não esforce por as aliviar, não é um homem ou uma sociedade à medida do amor do Coração de Cristo. Os cristãos – conservando sempre a mais ampla liberdade quando se trata de estudar e de pôr em prática as diversas soluções, segundo um pluralismo bem natural – terão de convergir no mesmo anseio de servir a humanidade. Se não, o seu cristianismo não será a Palavra e a Vida de Jesus: será um disfarce, um embuste feito a Deus e aos homens» (São Josemaria, Cristo que Passa, 167). [36]S. João Paulo II, Enc. Centesimus Annus, 48. Cf. Catecismo, 1883; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 186 e 187. [37]A justiça legal é a virtude que indica à pessoa dar o que o cidadão deve equitativamente à comunidade (cf. Catecismo, 2411). [38]«Trata-se antes de tudo da interdependência apreendida como sistema determinante de relações no mundo contemporâneo, com as suas componentes – económica, cultural, política e religiosa – e assumida como categoria moral. Quando a interdependência é reconhecida assim, a resposta correlativa, como atitude moral e social e como “virtude”, é a solidariedade» (S. João Paulo II, Enc. Sollicitudo Rei Socialis, 38). [39]Cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 193-195. [40]Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et Spes, 75. [41]S. João Paulo II, Ex. Ap. Christifideles Laici, 42, 30-XII-1988. [42]Por exemplo: «Quando não fosse possível esconjurar ou abrogar completamente uma lei abortista, um deputado, cuja absoluta oposição pessoal ao aborto fosse clara e conhecida de todos, poderia licitamente oferecer o próprio apoio a propostas que visassem limitar os danos de uma tal lei e diminuir os seus efeitos negativos no âmbito da cultura e da moralidade pública» (S. João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 73). [43]Corresponde aos leigos, «pelas suas livres iniciativas e sem esperar passivamente ordens e directrizes, imbuir de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da sua comunidade de vida» (Paulo VI, Enc. Populorum Progressio, 81); cf. Concílio Vaticano II: Const. Lumen Gentium, 31; Const. Gaudium et Spes, 43; S. João Paulo II, Ex. Ap. Christifideles Laici, 15; Catecismo, 2442).

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