18/03/2018

Leitura espiritual

TEMA 22 A Penitência (I)

Cristo instituiu o sacramento da Penitência oferecendo-nos uma nova possibilidade de nos convertermos e de recuperarmos, depois do Baptismo, a graça da justificação.
  
1. A luta contra o pecado depois do Baptismo
1.1. Necessidade da conversão

Apesar do Baptismo apagar todo o pecado, de nos fazer filhos de Deus e dispor a pessoa para receber a dádiva divina da glória do Céu, ainda ficamos expostos nesta vida a cair no pecado; as quedas são frequentes e ninguém está dispensado de lutar contra ele. Jesus ensinou-nos a rezar no Pai Nosso: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», e isto não de vez em quando, mas todos os dias, frequentemente. O Apóstolo S. João também diz: «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós» (1 Jo 1, 8). E aos primeiros cristãos em Corinto, S. Paulo exortava: «Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus» (2 Cor 5, 20). Assim, a chamada de Deus à conversão: «O tempo chegou ao seu termo, o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai na boa-nova» (Mc 1, 15), não se dirige apenas aos que ainda não O conhecem, mas a todos os cristãos que também se devem converter e avivar a sua fé. «Esta segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja» (Catecismo, 1428).

1.2. A penitência interior

A conversão começa no nosso interior: a que se limita a aparências externas não é verdadeira conversão. Ninguém se pode opor ao pecado, ofensa a Deus, senão com um acto verdadeiramente bom, acto de virtude, com o qual se arrepende daquilo com que contrariou a vontade de Deus, e procura activamente eliminar essa desordem com todas as suas consequências. Nisto consiste a virtude da penitência. «A penitência interior é uma reorientação radical de toda a vida, um regresso, uma conversão a Deus de todo o nosso coração, uma rotura com o pecado, uma aversão ao mal, com repugnância pelas más acções que cometemos. Ao mesmo tempo, implica o desejo e o propósito de mudar de vida, com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda da sua graça» (Catecismo, 1431). A penitência não é obra exclusivamente humana, um reajustamento interior resultante dum forte domínio de si próprio, que coloca em jogo todos os impulsos do conhecimento próprio e uma série de decisões enérgicas. «A conversão é, antes de mais, obra da graça de Deus, a qual faz com que os nossos corações se voltem para Ele: «Convertei-nos, Senhor, e seremos convertidos» (Lm 5, 21).Deus é quem nos dá a coragem de começar de novo» (Catecismo, 1432).
1.3. Diversas formas de penitência na vida cristã

A conversão nasce do coração, mas não fica encerrada no interior do homem, mas frutifica em obras exteriores, pondo em jogo a pessoa inteira, corpo e alma. Entre essas, destacam-se, em primeiro lugar, as que estão incluídas na celebração da Eucaristia e as do sacramento da Penitência, que Jesus instituiu para que saíssemos vitoriosos na luta contra o pecado. Além disso, o cristão possui muitas outras formas de pôr em prática o seu desejo de conversão. «A Escritura e os Padres insistem sobretudo em três formas: o jejum, a oração e a esmola (cf. Tb 12, 8; Mt 6, 1-18), que exprimem a conversão, em relação a si mesmo, a Deus e aos outros» (Catecismo, 1434). A essas três formas se reconduzem, dum modo ou de outro, todas as obras que nos permitem rectificar a desordem do pecado. Por jejum entende-se não só a renúncia moderada ao gosto nos alimentos, mas também tudo o que se exige ao corpo para não lhe dar prazeres, a fim de nos dedicarmos ao que Deus nos pede para o bem dos outros e de nós próprios. Como oração, podemos entender todos os esforços das nossas faculdades espirituais – inteligência, vontade, memória – para nos unirmos a Deus nosso Pai numa conversação familiar e íntima. No que se refere à esmola, não se trata apenas de dar dinheiro ou outros bens materiais aos necessitados, mas também outros tipos de donativos: compartilhar o próprio tempo, cuidar dos doentes, perdoar aos que nos ofenderam, corrigir quem necessita de rectificar, consolar quem sofre, e muitas outras manifestações de entrega aos outros. Especialmente nalguns momentos, a Igreja impulsiona-nos a realizar obras de penitência, que nos servem também para sermos mais solidários com os nossos irmãos na fé. «Os tempos e os dias de penitência no decorrer do Ano Litúrgico (tempo da Quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor) são momentos fortes da prática penitencial da Igreja» (Catecismo, 1438).
2. O sacramento da Penitência e Reconciliação
2.1. Cristo instituiu este sacramento

«Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores da sua Igreja, antes de mais para aqueles que, depois do Baptismo, caíram em pecado grave e assim perderam a graça baptismal e feriram a comunhão eclesial. É a eles que o sacramento da Penitência oferece uma nova possibilidade de se converterem e de reencontrarem a graça da justificação. Os Padres da Igreja apresentam este sacramento como “a segunda tábua (de salvação), depois do naufrágio que é a perda da graça”» (Catecismo, 1446). Jesus, durante a sua vida pública, não só exortou os homens à penitência como, acolhendo os pecadores, os reconciliava com o Pai[1]. «Foi ao dar o Espírito Santo aos Apóstolos que Cristo ressuscitado lhes transmitiu o seu próprio poder divino de perdoar os pecados: “Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”» (Jo 20, 22-23). (Catecismo, 976). É um poder que se transmite aos bispos, sucessores dos apóstolos como pastores da Igreja, e aos presbíteros, que são sacerdotes do Novo Testamento, colaboradores dos bispos, em virtude do sacramento da Ordem. «Cristo quis que a sua Igreja fosse, toda ela, na sua oração, na sua vida e na sua actividade, sinal e instrumento do perdão e da reconciliação que Ele nos adquiriu pelo preço do seu sangue. Entretanto, confiou o exercício do poder de absolvição ao ministério apostólico» (Catecismo, 1442). 
2.2. Nomes deste sacramento

Este sacramento tem diversos nomes conforme se acentua um ou outro aspecto. «É chamado sacramento da Penitência, porque consagra uma caminhada pessoal e eclesial de conversão, de arrependimento e de satisfação por parte do cristão pecador» (Catecismo, 1423). «Sacramento da Reconciliação, porque dá ao pecador o amor de Deus que reconcilia» (Catecismo, 1424). «Sacramento da confissão, porque (…) a confissão dos pecados perante o sacerdote é um elemento essencial deste sacramento» (ibidem). «Sacramento do perdão, porque, pela absolvição sacramental do sacerdote, Deus concede ao penitente “o perdão e a paz”» (ibidem) . «Sacramento da conversão, porque realiza sacramentalmente o apelo de Jesus à conversão» (Catecismo, 1423).
2.3. Sacramento da Reconciliação com Deus e com a Igreja

«Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência, obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e, ao mesmo tempo, reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e oração, trabalha pela sua conversão» (Lumen Gentium, 11). «Como o pecado é uma ofensa a Deus, que quebra amizade com Ele, a penitência “tem como termo o amor e o abandono no Senhor”. Assim, o pecador, movido pela graça de Deus misericordioso, inicia o seu percurso de conversão, retorna ao Pai, que “nos amou primeiro”, a Cristo que se entregou por nós e ao Espírito Santo que derramado copiosamente em nós»[2]. «”Por arcanos e misteriosos desígnios de Deus, os homens estão vinculados entre si por laços sobrenaturais, de tal maneira que o pecado de um prejudica os outros, do mesmo modo que a santidade de um beneficia os outros”. Por isso a penitência tem como consequência a reconciliação com os outros, bem como a santidade de um beneficia aqueles que o próprio pecado prejudica»[3].
2.4. A estrutura fundamental da Penitência

«Os elementos essenciais do sacramento da Reconciliação são dois: os actos realizados pelo homem que se converte sob a acção do Espírito Santo e a absolvição do sacerdote, que em Nome de Cristo concede o perdão e estabelece a modalidade da satisfação» (Compêndio, 302).
3. Os actos do penitente

São «os actos do homem que se converte sob a acção do Espírito Santo, a saber, a contrição, a confissão e a satisfação» (Catecismo, 1448).
3.1. A contrição

«Entre os actos do penitente, a contrição ocupa o primeiro lugar. Ela é “uma dor da alma e uma detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no futuro” [4]» (Catecismo, 1451). Quando procedente do amor de Deus, amado sobre todas as coisas, a contrição é dita «perfeita» (contrição de caridade). Uma tal contrição perdoa as faltas veniais: obtém igualmente o perdão dos pecados mortais, se incluir o propósito firme de recorrer, logo que possível, à confissão sacramental» (Catecismo, 1452). «A contrição dita «imperfeita» (ou «atrição») é, também ela, um dom de Deus, um impulso do Espírito Santo. Nasce da consideração da fealdade do pecado ou do temor da condenação eterna e das outras penas de que o pecador está ameaçado (contrição por temor). Um tal abalo da consciência pode dar início a uma evolução interior, que será levada a bom termo sob a acção da graça, pela absolvição sacramental. No entanto, por si mesma, a contrição imperfeita não obtém o perdão dos pecados graves, mas dispõe para obtê-lo no sacramento da Penitência» (Catecismo, 1453). «É conveniente que a recepção deste sacramento seja preparada por um exame de consciência, feito à luz da Palavra de Deus. Os textos mais adaptados para este efeito devem procurar-se no Decálogo e na catequese moral dos evangelhos e das cartas dos Apóstolos: sermão da montanha e ensinamentos apostólicos» (Catecismo, 1454).
3.2. A confissão dos pecados

«A confissão ao sacerdote constitui uma parte essencial do sacramento da Penitência: “Os penitentes devem, na confissão, enumerar todos os pecados mortais de que têm consciência, após se terem seriamente examinado, mesmo que tais pecados sejam secretíssimos e tenham sido cometidos apenas contra os dois últimos preceitos do Decálogo (cfr. Ex 20, 17; Mt 5, 28); porque, por vezes, estes pecados ferem mais gravemente a alma e são mais perigosos que os cometidos à vista de todos” [5]» (Catecismo, 1456). «A confissão individual, íntegra e a absolvição continuam a ser o único modo ordinário para que os fiéis se reconciliem com Deus e a Igreja, a menos que ocorra uma impossibilidade física ou moral que impeça este modo de confissão»[6]. A confissão das culpas nasce do verdadeiro conhecimento de si próprio perante Deus, como fruto do exame de consciência e da contrição dos seus pecados. É muito mais que um desafogo humano: «A confissão sacramental não é um diálogo humano, é um colóquio divino»[7]. Ao confessar os pecados, o cristão penitente submete-se ao juízo de Jesus Cristo, que o exercita por meio do sacerdote, o qual prescreve ao penitente as obras de penitência e o absolve dos pecados. O penitente combate o pecado com as armas da humildade e obediência.
3.3. A satisfação

«A absolvição tira o pecado, mas não remedeia todas as desordens causadas pelo pecado. Aliviado do pecado, o pecador deve ainda recuperar a perfeita saúde espiritual. Ele deve, pois, fazer mais alguma coisa para reparar os seus pecados: “satisfazer” de modo apropriado ou “expiar” os seus pecados. A esta satisfação também se chama “penitência”» (Catecismo, 1459). O confessor, antes de dar a absolvição, impõe a penitência, que o penitente deve aceitar e cumprir imediatamente. Essa penitência serve-lhe como satisfação pelos pecados e o seu valor provém sobretudo do sacramento: o penitente obedeceu a Cristo cumprindo o que Ele estabeleceu sobre este sacramento, e Cristo oferece ao Pai essa satisfação de um seu membro.

ANTONIO MIRALLES
Bibliografia básica
- Catecismo da Igreja Católica, 1422-1484.
Leituras recomendadas
- Ordo Paenitentiae, Praenotanda, 1-30. - S. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et Pænitentia, 2-XII-1984, 28-34. - Paulo VI, Const. ap. Indulgentiarum Doctrina, 1-I-1967.


Notas 

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