TEMA 4 A natureza de Deus e a Sua
actuação
Diante
da Palavra de Deus que se revela só pode haver lugar à adoração e ao
agradecimento; o homem cai de joelhos diante de um Deus que sendo transcendente
é meu íntimo.
2. Como é Deus?
…/2
A
unidade leva a reconhecer Deus como o único verdadeiro.
Mais
ainda, Ele é a Verdade e a medida e fonte de tudo o que é verdadeiro [i]; e isto porque justamente Ele é o Ser.
Por
vezes, tem-se medo desta identificação, porque parece que, dizendo que a
verdade é una, se torna impossível todo o diálogo.
Por
isso, é tão necessário considerar que Deus não é verdadeiro no sentido humano
do termo, que é sempre parcial.
Mas
que n’Ele a Verdade se identifica com o Ser, com o Bem e com a Beleza.
Não
se trata de uma verdade meramente lógica e formal, mas de uma verdade que se
identifica com o Amor que é Comunicação, em sentido pleno: efusão criativa,
exclusivo e universal ao mesmo tempo, vida íntima divina partilhada e
participada pelo homem.
Não
estamos a falar da verdade das fórmulas ou das ideias, que são sempre
insuficientes, mas da verdade do real que, no caso de Deus, coincide com o
Amor.
Além
disso, dizer que Deus é a Verdade quer dizer que a Verdade é o Amor.
Isto
não mete nenhum medo e não limita a liberdade.
De
modo que, a imutabilidade de Deus e a Sua unicidade coincidem com a sua
Verdade, enquanto que é a verdade de um Amor que não pode passar.
Assim
se vê que, para entender o sentido propriamente cristão dos atributos divinos,
é necessário unir a afirmação de omnipotência com a de bondade e misericórdia.
Só
quando se entendeu que Deus é omnipotente e eterno, a pessoa se pode abrir à
esmagadora verdade de que este mesmo Deus é Amor, vontade de Bem, fonte de toda
a Beleza e de todo o dom [ii].
Por
isso os dados oferecidos pela reflexão filosófica são essenciais embora, de
algum modo, insuficientes.
Seguindo
este percurso a partir das características que se percebem como primeiras até
às que se podem compreender apenas mediante o encontro pessoal com Deus que se
revela, chega-se a entrever como estes atributos são expressos com termos
distintos apenas na nossa linguagem, enquanto que na realidade de Deus
coincidem e se identificam.
O
Uno é o Verdadeiro e o Verdadeiro identifica-se com o Bem e com o Amor.
Com
outra imagem, pode dizer-se que a nossa razão limitada actua um pouco como um
prisma que decompõe a luz nas diferentes cores, cada uma das quais é um
atributo de Deus; mas que em Deus coincidem com o Seu próprio Ser, que é Vida e
fonte de toda vida.
3. Como conhecemos a Deus?
Pelo
que foi dito, podemos conhecer como é Deus a partir das Suas obras: só o
encontro com o Deus que cria e que salva o homem pode revelar-nos que o Único é
simultaneamente o Amor e a origem de todo o Bem.
Assim
Deus é reconhecido não só como intelecto – Logos segundo os gregos – que
outorga racionalidade ao mundo – ao ponto de que alguns o terem confundido com
o mundo, como acontecia na filosofia grega e como volta a suceder com algumas
filosofias modernas – mas que também é reconhecido como vontade pessoal que
cria e que ama.
Trata-se,
assim, de um Deus vivo; mais ainda, de um Deus que é a própria Vida.
Assim,
enquanto Ser vivo dotado de vontade, vida e liberdade, na Sua infinita
perfeição, Deus permanece sempre incompreensível; ou seja, irreduzível a
conceitos humanos.
A
partir do que existe, do movimento, das perfeições, etc. pode-se chegar a
demonstrar a existência de um Ser supremo fonte desse movimento, das
perfeições, etc.
Mas,
para conhecer o Deus pessoal que é Amor, é preciso procurá-Lo na Sua actuação
na história a favor dos homens e, por isso, faz falta a Revelação.
Olhando
para o Seu actuar salvífico descobre-se o Seu Ser, do mesmo modo que, pouco a
pouco, se conhece uma pessoa através do convívio com ela.
Neste
sentido, conhecer Deus consiste sempre e só em reconhecê-Lo, porque Ele é
infinitamente superior a nós.
Todo
o conhecimento sobre Ele procede d’Ele e é um dom Seu, fruto do Seu abrir-Se,
da Sua iniciativa.
Então,
a atitude para nos aproximarmos deste conhecimento deve ser de profunda
humildade.
Nenhuma
inteligência finita pode abarcar Aquele que é Infinito, nenhuma potência pode
sujeitar o Omnipotente.
Só
podemos conhecê-Lo através do que Ele nos dá, quer dizer, através da
participação que temos nos Seus bens, fundamentada nos Seus actos de amor com
cada um.
Por
isso, o nosso conhecimento d’Ele é sempre analógico: quando afirmamos algo
d’Ele, simultaneamente temos que negar que essa perfeição se dê n’Ele de acordo
com as limitações que vemos no criado.
A
tradição fala de uma tripla via: de afirmação, de negação e de eminência, em
que o último movimento da razão consiste em afirmar a perfeição de Deus muito
para além do que o homem pode pensar e que é origem de todas as realizações
dessa perfeição que se vêm no mundo.
Por
exemplo, é fácil reconhecer que Deus é grande, mas mais difícil é aperceber-se
de que Ele é também pequeno, porque na criação o grande e o pequeno
contrapõem-se.
No
entanto, se pensarmos que ser pequeno pode ser uma perfeição, como se vê no
fenómeno da nanotecnologia, então Deus tem que ser também fonte dessa perfeição
e, n’Ele, essa perfeição deve identificar-se com a grandeza.
Por
isso, temos que negar que é pequeno (ou grande) no sentido limitado que se lhes
dá no mundo criado, para purificar essa atribuição passando à eminência.
Um
aspecto especialmente relevante é a virtude da humildade, que os gregos não
consideravam virtude.
Por
ser uma perfeição, a virtude da humildade não só é possuída por Deus, mas Deus
identifica-Se com ela.
Chegamos
assim à surpreendente conclusão de que Deus é a Humildade; de tal modo que, só
se pode conhecê-Lo numa atitude de humildade, que não é outra coisa senão a
participação no dom de Si mesmo. Tudo isso implica que se pode conhecer o Deus
cristão mediante os sacramentos e através da oração na Igreja, que torna
presente a Sua acção salvífica para os homens de todos os tempos.
Giulio
Maspero
Bibliografia
básica
Catecismo da Igreja Católica, 199-231; 268-274. Compêndio do Catecismo
da Igreja Católica, 36-43; 50. Leituras recomendadas São Josemaria, Homilia
«Humildade», em Amigos de Deus, 104-109. J. Ratzinger, El Dios de los
cristianos. Meditaciones, Ed. Sígueme, Salamanca 2005.
Notas
[ii] «Deus revela-Se a
Israel como Aquele que tem um amor mais forte do que o pai ou a mãe pelos seus
filhos ou o esposo pela sua esposa. Ele, em Si mesmo, “é amor” (1 Jo 4, 8.16),
que se dá completa e gratuitamente, “que tanto amou o mundo que lhe deu o seu
próprio Filho unigénito, para que o mundo seja salvo por seu intermédio” (Jo 3,
16-17). Enviando o seu Filho e o Espírito Santo, Deus revela que Ele próprio é
eterna permuta de amor» (Compêndio, 42).
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.