TEMA 2. A revelação
5.
O Magistério da Igreja, guardião e intérprete autorizado da Revelação
«O encargo de interpretar
autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição, foi confiado
só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus
Cristo» [i], ou
seja, aos Bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma.
Este ofício do Magistério da
Igreja é um serviço à palavra divina e tem como fim a salvação das almas.
Logo, «este Magistério não
está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que
foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito
Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo
deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado» [ii].
Os ensinamentos do
Magistério da Igreja representam o lugar mais importante em que está contida a
Tradição apostólica: o Magistério é, a respeito desta tradição, como que a sua
dimensão sacramental.
A Sagrada Escritura, a
Sagrada Tradição e o Magistério da Igreja constituem uma certa unidade, de modo
que nenhuma destas realidades pode subsistir sem as outras [iii].
O fundamento desta unidade é
o Espírito Santo, autor da Escritura, protagonista da Tradição viva da Igreja,
guia do Magistério, a que assiste com os seus carismas.
Na sua origem, as igrejas da
Reforma protestante quiseram seguir sola
Scriptura, deixando a sua
interpretação aos fiéis individualmente: tal posição deu lugar à grande
dispersão das confissões protestantes e revelou-se pouco sustentável, já que
todo o texto tem necessidade de um contexto, concretamente uma Tradição, em
cujo seio nasceu, é lida e interpretada.
Também o fundamentalismo
separa a Escritura da Tradição e do Magistério, procurando erroneamente manter
a unidade de interpretação ancorando-se de modo exclusivo no sentido literal [iv].
Ao ensinar o conteúdo do
depósito revelado, a Igreja é sujeito de uma infalibilidade in docendo, fundada sobre as promessas
de Jesus Cristo acerca da sua indefectibilidade; ou seja, que se realizará sem
falhar a missão de salvação a ela confiada [v].
Este Magistério infalível
exercita-se:
a) quando os Bispos se
reúnem em Concílio ecuménico em união com o sucessor de Pedro, cabeça do
colégio apostólico;
b) quando o Romano Pontífice
promulga alguma verdade ex cathedra,
ou empregando um estilo nas expressões e um tipo de documento que fazem
referência explícita ao seu mandato petrino universal, promulga um ensinamento
específico que considera necessário para o bem do povo de Deus;
c) quando os Bispos da
Igreja, em união com o sucessor de Pedro, são unânimes ao professar a mesma
doutrina ou ensino, embora não se encontrem reunidos no mesmo lugar.
Se bem que a pregação de um
Bispo que propõe isoladamente um ensinamento específico não goze do carisma de
infalibilidade, os fiéis estão igualmente obrigados a uma respeitosa
obediência, bem como devem observar os ensinamentos provenientes do Colégio
episcopal ou do Romano Pontífice, ainda que não sejam formulados de modo
definitivo e irreformável [vi].
6.
A imutabilidade do depósito da Revelação
O ensino dogmático da Igreja
– dogma que significa doutrina, ensino – está presente desde os primeiros
séculos.
Os principais conteúdos da pregação apostólica
foram postos por escrito, dando origem às profissões de fé exigidas a todos os
que recebiam o baptismo, contribuindo, assim, para definir a identidade da fé
cristã.
Os dogmas crescem em número
com o desenvolvimento histórico da Igreja: não porque mude ou aumente a
doutrina, aquilo em que há que acreditar, mas porque há frequentemente
necessidade de esclarecer algum erro ou de ajudar a fé do povo de Deus com
oportunos aprofundamentos, definindo aspectos de modo claro e preciso.
Quando o Magistério da
Igreja propõe um novo dogma não está a criar nada novo, mas somente a
explicitar quanto já está contido no depósito revelado.
«O Magistério da Igreja faz
pleno uso da autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é,
quando propõe, dum modo que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável de
fé, verdades contidas na Revelação divina ou quando propõe, de modo definitivo,
verdades que tenham com elas um nexo necessário» [vii].
O ensino dogmático da
Igreja, como por exemplo os artigos do Credo, é imutável, visto que manifesta o
conteúdo de uma Revelação recebida de Deus e não feita pelos homens.
No entanto, os dogmas
admitiram e admitem um desenvolvimento homogéneo, quer porque o conhecimento da
fé se vai aprofundando com o tempo, quer porque em culturas e épocas diversas
surgem problemas novos, aos quais o Magistério da Igreja deve dar respostas que
estejam de acordo com a palavra de Deus, explicitando quanto está
implicitamente nela contido [viii].
Fidelidade e progresso,
verdade e história, não são realidades em conflito em relação à Revelação: [ix]
Jesus Cristo, sendo a
Verdade incriada é também o centro e o cumprimento da história; o Espírito
Santo, Autor do depósito da Revelação é O garante da sua fidelidade e também
Aquele que a faz aprofundar ao longo da história no sentido adequado,
conduzindo «à verdade total» [x].
«Apesar da Revelação já
estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé
cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos» [xi].
Os factores de
desenvolvimento do dogma são os mesmos que fazem progredir a Tradição viva da
Igreja: a pregação dos Bispos, o estudo dos fiéis, a oração e a meditação da
palavra de Deus, a experiência das coisas espirituais, o exemplo dos santos.
Frequentemente o Magistério
recolhe e ensina de modo autorizado coisas que previamente foram estudadas
pelos teólogos, acreditadas pelos fiéis, pregadas e vividas pelos santos.
Giuseppe Tanzella-Nitti
Bibliografia básica:
Catecismo da Igreja Católica, 50-133. Concílio
Vaticano II, Const. Dei Verbum, 1-20. João Paulo II, Enc. Fides et Ratio,
14-IX-1988, 7-15.
José Manuel Martín (Ed),
Gabinete de informação do Opus Dei, 2016
Notas
[vi] Cf. Concílio Vaticano
II, Const. Lumen Gentium, 25; Concílio Vaticano I, Const. Pastor Aeternus,
18-VII-1870, DS 3074.
[viii]
]«É conveniente,
portanto, que através de todos os tempos e de todas as épocas, cresça e
progrida a inteligência, a ciência e a sabedoria de cada uma das pessoas e do
conjunto dos homens, quer por parte da Igreja inteira, quer por parte de cada
um dos seus membros. Mas este crescimento deve seguir a sua própria natureza,
ou seja, deve estar de acordo com as linhas do dogma e deve seguir o dinamismo
de uma única e idêntica doutrina», São Vicente de Lerins, Commonitorium, 23.
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