TEMA 2. A revelação
1.
Deus revela-se aos homens
«Aprouve a Deus na sua
bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da Sua vontade,
segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao
Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina.
Em virtude desta revelação,
Deus invisível na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos e convive com
eles para os convidar e admitir à comunhão com Ele» [i], [ii].
A criação é revelada como
primeiro passo para esta Aliança de Deus, como primeiro e universal testemunho
de si mesmo [iii], [iv].
Através das criaturas, Deus
manifestou-Se e manifesta-Se aos homens de todos os tempos, fazendo-os conhecer
a Sua bondade e as Suas perfeições.
Dentre estas, o ser humano,
imagem e semelhança de Deus, é a criatura que em maior grau revela Deus.
No entanto, Deus quis
revelar-Se como Ser pessoal, através de uma história de salvação, criando e
educando um povo para que fosse guardião da Sua Palavra dirigida aos homens e
para preparar nele a Encarnação do Seu Verbo, Jesus Cristo [v], [vi].
N’Ele, Deus revela o
mistério da Sua vida trinitária: o projecto do Pai de reconciliar no Seu Filho
todas as coisas e de eleger e adoptar todos os homens como filhos no Seu Filho [vii],
reunindo-os para participar da Sua eterna vida divina por meio do Espírito
Santo. Deus revela-Se e cumpre o Seu plano de salvação mediante as missões do
Filho e do Espírito Santo na história [viii].
São conteúdo da Revelação
quer as verdades naturais, que o ser humano poderia conhecer também apenas
mediante a razão, quer as verdades que ultrapassam a razão humana e que podem
ser conhecidas apenas pela livre e gratuita bondade com que Deus se revela.
O objecto principal da
Revelação divina não são verdades abstractas sobre o mundo e o homem: o seu
núcleo substancial é a oferta por parte de Deus do mistério da Sua vida pessoal
e o convite para participar nela.
A Revelação divina
realiza-se com palavras e obras; é de modo inseparável mistério e evento;
manifesta, ao mesmo tempo, uma dimensão objectiva – palavra que revela verdade
e ensinamentos – e subjectiva – palavra pessoal que oferece testemunho de si e
convida ao diálogo.
Além das obras e dos sinais
externos com que Se revela, Deus concede o impulso interior da Sua graça para
que os homens possam aderir com o coração às verdades reveladas [xi].
Esta revelação íntima de
Deus nos corações dos fiéis não deve confundir-se com as chamadas “revelações
privadas”, as quais, embora sejam acolhidas pela tradição de santidade da
Igreja, não transmitem nenhum conteúdo novo e original, mas, recordam antes aos
homens a única Revelação de Deus realizada em Jesus Cristo e exortam a pô-la em
prática [xii].
2.
A Sagrada Escritura, testemunho da Revelação
O povo de Israel, sob
inspiração e mandato de Deus, ao longo dos séculos registou por escrito o
testemunho da Revelação de Deus na sua história, relacionando-a directamente
com a revelação do único e verdadeiro Deus feita aos nossos Pais.
Através da Sagrada
Escritura, as palavras de Deus manifestam-se com palavras humanas, até assumir,
no Verbo Encarnado, a própria natureza humana.
Além das Escrituras de
Israel, acolhidas pela Igreja e conhecidas como Antigo ou Primeiro Testamento,
os apóstolos e os primeiros discípulos registaram também, por escrito, o
testemunho da Revelação de Deus tal como se realizou plenamente no Seu Verbo,
de cuja passagem pela Terra foram testemunhas, de modo particular, do mistério
pascal da Sua morte e ressurreição, dando, assim, origem aos livros do Novo
Testamento.
A verdade de que o Deus, de
quem as Escrituras de Israel dão testemunho, é o único e verdadeiro Deus,
criador do céu e da terra, põe-se em evidência, em particular, nos “livros
sapienciais”.
O seu conteúdo supera os
confins do povo de Israel para suscitar o interesse pela experiência comum do
género humano diante dos grandes temas da existência, desde o sentido do cosmos
ao sentido da vida do homem [xiii];
desde as interrogações sobre
a morte e do que vem a seguir a ela, até ao significado da actividade humana
sobre a terra [xiv];
desde as relações familiares
e sociais à virtude que deve regulá-las para viver de acordo com os planos de
Deus criador e alcançar, assim, a plenitude da própria humanidade [xv]
Deus é o autor da Sagrada
Escritura, que os autores sagrados (hagiógrafos), também eles autores do texto,
redigiram sob a inspiração do Espírito Santo.
Para a sua composição, Deus
«escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas faculdades e capacidades,
para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros
autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria» [xvi], [xvii].
Tudo o que os escritores
sagrados afirmam pode considerar-se «afirmado pelo Espírito Santo, por isso
mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza,
fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse
consignada nas sagradas Letras» [xviii].
Para compreender
correctamente a Sagrada Escritura há que ter presente o sentido da Escritura –
literal e espiritual; este último reconhecível também no alegórico, moral e
analógico – e os diversos géneros literários em que foram redigidos os
diferentes livros ou partes dos mesmos [xix].
Em particular, a Sagrada
Escritura deve ser lida na Igreja, ou seja, à luz da sua tradição viva e da
analogia da fé [xx]:
a Escritura deve ser lida e
compreendida de acordo com o mesmo Espírito com que foi escrita.
Os diversos estudiosos que
se esforçam por interpretar e aprofundar o conteúdo da Escritura propõem os
seus resultados a partir da autoridade científica pessoal.
Ao Magistério da Igreja
compete a função de formular uma interpretação autêntica, vinculativa para os
fiéis, baseada na autoridade do Espírito que assiste ao ministério docente do
Romano Pontífice e dos Bispos em comunhão com ele.
Graças a esta assistência
divina, a Igreja, já desde os primeiros séculos, reconheceu os livros que
continham o testemunho da Revelação, no Antigo e no Novo Testamento, formulando
assim o “cânon” da Sagrada Escritura [xxi].
Uma recta interpretação da
Sagrada Escritura, reconhecendo os diferentes sentidos e géneros literários
nela presentes, é necessária quando os autores sagrados descrevem aspectos do
mundo que pertencem também ao âmbito das ciências naturais: a formação dos
elementos do cosmos, a aparição das diversas formas de vida sobre a terra, a
origem do género humano e, em geral, os fenómenos naturais.
Deve evitar-se o erro do
fundamentalismo, que não se separa do sentido literal e do género histórico,
quando seria lícito fazê-lo.
Também deve evitar-se o erro
de quem considera as narrações bíblicas como formas puramente mitológicas, sem
nenhum conteúdo de verdade a transmitir sobre a história dos acontecimentos e a
sua radical dependência da vontade de Deus [xxii].
José Manuel Martín (Ed),
Gabinete de informação do Opus Dei, 2016
[iii]
Concílio
Vaticano II , Const. Dei Verbum , 3; João Paulo II, Enc. Fides et Ratio ,
14-IX-1988, 19.
[xxii]
Podem
encontrar-se elementos interessantes para uma correcta interpretação da relação
com as ciências em Leão XIII, Enc. Providentissimus Deus, 18-XI-1893; Bento XV,
Enc. Spiritus Paraclitus, 15-IX-1920 e Pio XII, Enc. Humani Generis,
12-VII-1950.
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