22/02/2018

Leitura espiritual

RESUMOS DA FÉ CRISTÃ

TEMA 10 A Paixão e Morte na Cruz

Jesus morreu pelos nossos pecados [i] para nos libertar deles e nos resgatar para a vida divina.

 1. O sentido geral da Cruz de Cristo.

 1.1. Algumas premissas:

O mistério da Cruz enquadra-se na linha geral do projecto de Deus e da vinda de Jesus ao mundo.
O sentido da criação é dado pela sua finalidade sobrenatural, que consiste na união com Deus.
No entanto, o pecado alterou profundamente a ordem da criação: o homem deixou de ver o mundo como uma obra cheia de bondade e converteu-o numa realidade equívoca.
Pôs a sua esperança nas criaturas e fixou como meta falsos fins terrenos.
A vinda de Jesus Cristo ao mundo tem como finalidade reimplantar no mundo o projecto de Deus e conduzi-lo eficazmente ao seu destino de união com Ele.
Para isso, Jesus, verdadeira Cabeça do género humano [ii], assumiu toda a realidade humana degradada pelo pecado, fê-la sua, e ofereceu-a filialmente ao Pai.
Deste modo, Jesus restituiu a cada relação e situação humana o seu verdadeiro sentido na dependência de Deus Pai.

Este sentido ou fim, da vinda de Jesus realiza-se com a sua vida inteira, com cada um dos seus mistérios nos quais Jesus glorifica plenamente o Pai.

Cada acontecimento e cada etapa da vida de Cristo têm uma finalidade específica em ordem a este objectivo salvador [iii].

1.2. Aplicação ao mistério da Cruz:

A finalidade própria do mistério da Cruz é tirar o pecado do mundo [iv], algo completamente necessário para que se possa realizar a união filial com Deus.
Esta união é, como dissemos, o objectivo último do plano de Deus [v].

Jesus retira o pecado do mundo carregando-o sobre os seus ombros e anulando-o na justiça do seu coração santo [vi].

Nisto consiste essencialmente o mistério da Cruz:
a) Carregou com os nossos pecados.
Indica-o, em primeiro lugar, a história da sua paixão e morte relatada nos Evangelhos.
Estes factos, sendo a história do Filho de Deus encarnado e não de um homem qualquer, mais ou menos santo, têm um valor e uma eficácia universais que abarcam toda a raça humana.
Neles vemos que Jesus foi entregue pelo Pai nas mãos dos pecadores [vii] e que Ele próprio permitiu voluntariamente que a sua maldade (deles) determinasse em tudo a Sua sorte.
Como diz Isaías ao apresentar a impressionante figura de Jesus: [viii]
 «era maltratado e ele sofria e não abria a boca; era como um cordeiro levado ao matadouro, e como ovelha muda nas mãos do tosquiador e não abriu a boca» [ix].
Cordeiro sem mancha, aceitou livremente os sofrimentos físicos e morais impostos pela injustiça dos pecadores, e nela, assumiu todos os pecados dos homens, toda a ofensa a Deus.
Cada agravo humano é, de algum modo, causa da morte de Cristo. Dizemos, neste sentido, que Jesus “carregou" com os nossos pecados no Gólgota [x].

b) Eliminou o pecado com a sua entrega.
Mas Cristo não se limitou a carregar os nossos pecados, mas também os “destruiu", eliminou-os.
Pois levou os sofrimentos na justiça filial, na união obediente e amorosa para com o seu Pai Deus e na justiça inocente, de quem ama o pecador, embora este não o mereça: de quem procura perdoar as ofensas por amor [xi].
Ofereceu ao Pai os seus sofrimentos e a sua morte em nosso favor, para nosso perdão: «nas suas chagas fomos curados» [xii].

2. A Cruz revela a misericórdia e a justiça de Deus em Jesus Cristo
 
Fruto da Cruz é, portanto, a eliminação do pecado.
Desse fruto se apropria o homem através dos sacramentos (sobretudo da Confissão sacramental) e se apropriará definitivamente depois desta vida, se foi fiel a Deus.
Da Cruz procede a possibilidade para todos os homens de viverem afastados do pecado e de integrarem os sofrimentos e a morte no próprio caminho para a santidade.
Deus quis salvar o mundo pelo caminho da Cruz, mas não porque ame a dor ou o sofrimento, pois Deus só ama o bem e fazer o bem.
Não quis a Cruz com uma vontade incondicional, como quer, por exemplo, que existam as criaturas, mas qui-lapraeviso peccato, no pressuposto do pecado.
Há cruz porque existe o pecado, mas também porque existe o Amor.
A Cruz é fruto do amor de Deus face ao pecado dos homens.
Deus quis enviar o seu Filho ao mundo para que realizasse a salvação dos homens com o sacrifício da sua própria vida, e isto diz, em primeiro lugar, muito do próprio Deus.
Concretamente a Cruz revela a misericórdia e a justiça de Deus:
a) A misericórdia.
A Sagrada Escritura refere com frequência que o Pai entregou o seu Filho nas mãos dos pecadores [xiii], que não poupou o seu próprio Filho.
Pela unidade das Pessoas divinas na Trindade, em Jesus Cristo, Verbo encarnado, está sempre presente o Pai que O envia.
Por este motivo, depois da decisão livre de Jesus de entregar a sua vida por nós, está a entrega que o Pai nos faz do seu Filho amado, entregando-O aos pecadores.
Esta entrega manifesta, mais do qualquer outro gesto da história da salvação, o amor do Pai para com os homens e a Sua misericórdia.

b) A Cruz revela-nos também a justiça de Deus.
Esta não consiste tanto em fazer pagar o homem pelo pecado, mas antes em conduzir o homem ao caminho da verdade e do bem, restaurando os bens que o pecado destruiu.
A fidelidade, a obediência e o amor de Cristo ao seu Pai Deus; a generosidade, a caridade e o perdão de Jesus aos seus irmãos os homens; a sua veracidade, a sua justiça e inocência, mantidas e afirmadas na hora da paixão e morte, cumprem esta função: esvaziam o pecado da sua força condenatória e abrem os nossos corações à santidade e à justiça, pois entrega-Se por nós.
Deus livra-nos dos nossos pecados pela via da justiça, pela justiça de Cristo. Como fruto do sacrifício de Cristo e pela presença da sua força salvadora, podemos sempre comportar-nos como filhos de Deus, em qualquer situação por que passemos.

3. A Cruz na sua realização histórica

Jesus conheceu, desde o princípio e do modo adequado, o progresso da sua missão e da sua consciência humana, que o rumo da sua vida o conduziria à Cruz.
E aceitou-o plenamente; veio cumprir a vontade do Pai até aos últimos pormenores [xiv], e esse cumprimento levou-O a «dar a sua vida para redenção de todos» [xv].
Na realização da tarefa que o Pai Lhe tinha encomendado, encontrou a oposição das autoridades religiosas de Israel, que consideravam Jesus um impostor.
 De modo que «alguns chefes de Israel acusaram Jesus de agir contra a Lei, contra o Templo de Jerusalém, e em particular, contra a fé no Deus único, porque Ele se proclamava Filho de Deus. Por isso, O entregaram a Pilatos, para que o condenasse à morte» [xvi].
Os que condenaram Jesus pecaram ao recusar a Verdade que é Cristo.
Na realidade, todo o pecado é uma recusa de Jesus e da verdade que Ele nos trouxe da parte de Deus.
Neste sentido, todo o pecado encontra lugar na Paixão de Jesus.
«A paixão e a morte de Jesus não podem ser imputadas indistintamente ao conjunto dos judeus então vivos, nem aos outros judeus que depois viveram no tempo e no espaço.
Cada pecador, ou seja, cada homem, é realmente causa e instrumento dos sofrimentos do Redentor e culpa maior têm aqueles, sobretudo se são cristãos, que mais frequentemente caem no pecado e se deleitam nos vícios» [xvii].

ANTONIO DUCAY

(CONT)






[i] cf. Rm 4, 25
[ii] É nossa Cabeça, porque é o Filho de Deus e porque se fez solidário connosco em tudo excepto no pecado (cf. Hb 4, 15).
[iii] A infância de Jesus, a sua vida de trabalho, o seu baptismo no Jordão, a sua pregação…, tudo contribui para a Redenção dos homens. Referindo-se à vida de Cristo em Nazaré, dizia São Josemaria: «Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, nem uma simples preparação dos anos que viriam depois, os da sua vida pública. Desde 1928 compreendi claramente que Deus deseja que os cristãos tomem exemplo de toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a sua vida escondida, a sua vida de trabalho corrente no meio dos homens: o Senhor quer que muitas almas encontrem o seu caminho nos anos de vida calada e sem brilho», Cristo que Passa, 19.
[iv] cf. Jo 1,29
[v] cf. Rm 8,28-30
[vi] Cfr. Col 1, 19-22; 2, 13-15; Rm 8, 1-4; Ef 2, 14-18; Hb 9, 26.
[vii] cf. Mt 26,45
[viii] Os quatro poemas dedicados ao misterioso “Servo de Yahvé" constituem uma esplêndida profecia no Antigo Testamento da Paixão de Cristo (Is 42, 1-9; 49, 1-9; 50, 4-9; 52, 13-53, 12).
[ix] Is 53, 7
[x] cf. 1 Pe 2,24
[xi] cfr. Lc 22, 42; 23, 34
[xii] Is 53, 5
[xiii] cfr. Mt 26, 54
[xiv] cfr. Jn 19, 28-30
[xv] Mc 10, 45
[xvi] Compêndio, 113
[xvii] Compêndio, 117

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