TEMA 9 A Encarnação
É a demonstração, por excelência do Amor de
Deus para com os homens, pois a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade - Deus -
torna-se participante da natureza humana em unidade de pessoa.
1. A
obra da Encarnação
A assunção da natureza humana de Cristo pela
Pessoa do Verbo é obra das três Pessoas divinas.
A Encarnação de Deus é a Encarnação do Filho,
não do Pai, nem do Espírito Santo.
Não obstante, a Encarnação foi obra de toda a
Trindade.
Por isso, na Sagrada Escritura, por vezes,
atribui-se a Deus Pai [i], ou ao próprio Filho
[ii], ou ao Espírito
Santo [iii].
Sublinha-se, assim, que a obra da Encarnação
foi um único acto, comum às três Pessoas divinas.
Santo Agostinho explicava que «o facto de que
Maria concebesse e desse à luz é obra da Trindade, já que as obras da Trindade
são inseparáveis» [iv].
Trata-se, com efeito, de uma acção divina ad
extra, cujos efeitos estão fora de Deus, nas criaturas, pois são obra comum das
três Pessoas divinas, já que uno e único é o Ser divino, que é o próprio poder
infinito de Deus [v].
A Encarnação do Verbo não afecta a liberdade
divina, pois Deus podia ter decidido que o Verbo não encarnasse, ou que
encarnasse outra Pessoa divina.
No entanto, dizer que Deus é infinitamente
livre não significa que as suas decisões sejam arbitrárias, nem negar que o
amor seja a razão do seu agir.
Por isso, os teólogos costumam procurar as
razões de conveniência que se possam vislumbrar nas diversas decisões divinas,
tal como se manifestam na actual economia da salvação.
Procuram apenas pôr em evidência a
maravilhosa sabedoria e coerência que existe em toda a obra divina, não uma
eventual necessidade em Deus.
2. A
Virgem Maria, Mãe de Deus
A Virgem Maria foi predestinada para ser Mãe
de Deus, desde toda a eternidade, com a Encarnação do Verbo:
«no mistério de Cristo, Maria está presente
já “antes da criação do mundo” como aquela que o Pai ‘elegeu’ como Mãe do Seu
Filho na Encarnação, e juntamente com o Pai a elegeu o Filho, confiando-a
eternamente ao Espírito de santidade» [vi].
A eleição divina respeita a liberdade de
Santa Maria, pois «o Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da
que Ele predestinara para Mãe, precedesse a Encarnação, para que, assim, como
uma mulher contribuiu para a morte, também outra mulher contribuísse para a
vida [vii]» [viii]
Por isso, desde muito cedo, os Padres da
Igreja viram em Maria a Nova Eva.
«Para vir a ser Mãe do Salvador, Maria foi
“adornada por Deus com dons dignos de uma tão grande missão” [ix]» [x].
Antes do Verbo encarnar, Maria era já, pela
sua correspondência aos dons divinos, cheia de graça.
A graça recebida por Maria fá-la grata a Deus
e prepara-a para ser a Mãe virginal do Salvador.
Totalmente possuída pela graça de Deus, pôde
dar o seu livre assentimento ao anúncio da sua vocação [xii].
Assim, «dando o seu consentimento à palavra
de Deus, Maria tornou-se Mãe de Jesus.
E aceitando de todo o coração, sem que nenhum
pecado a retivesse, a vontade divina da salvação, entregou-se totalmente à
pessoa e à obra do seu Filho para servir, na dependência d’Ele e com Ele, pela
graça de Deus, o Mistério da Redenção [xiii]» [xiv].
Os Padres da tradição oriental chamam à Mãe
de Deus «a Toda Santa», «celebram-na como “imune de toda a mancha de pecado,
visto que o próprio Espírito Santo a modelou e fez dela uma nova criatura” [xv].
Maria foi redimida desde a sua concepção: «é
o que professa o dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo Papa Pio
IX: “…por uma graça e favor singular de Deus omnipotente e em previsão dos
méritos de Jesus Cristo Salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem
Maria foi preservada intacta de toda a mancha do pecado original no primeiro
instante da sua Conceição” [xvii]» [xviii].
A Imaculada Conceição manifesta o amor
gratuito de Deus, pois foi iniciativa divina e não mérito de Maria, mas de
Cristo.
Com efeito, «este resplendor de uma
“santidade de todo singular” com que foi “enriquecida desde o primeiro instante
da sua Conceição” [xix], vem-lhe totalmente
de Cristo: foi “redimida da maneira mais sublime em atenção aos méritos do seu
Filho” [xx]» [xxi].
Santa Maria é Mãe de Deus: «com efeito,
Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que se tornou
verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do
Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade.
Certamente não gerou a divindade, mas o corpo
humano do Verbo, a que se uniu imediatamente a sua alma racional, criada por
Deus como todas as outras, dando assim origem à natureza humana que nesse mesmo
instante foi assumida pelo Verbo.
Maria foi sempre Virgem. Desde muito cedo, a
Igreja confessa no Credo e celebra na sua liturgia «Maria como a (…)
“sempre-virgem” [xxiv]» [xxv].
Esta fé da Igreja reflecte-se na antiquíssima
fórmula: «Virgem antes do parto, no parto
e depois do parto».
Desde as primeiras formulações da fé, «a
Igreja confessou que Jesus foi concebido unicamente pelo poder do Espírito
Santo no seio da Virgem Maria, afirmando igualmente o aspecto corporal desse
acontecimento: Jesus foi concebido “absque
semine ex Spiritu Sancto ” [xxvi], isto é, por obra do
Espírito Santo, sem sémen [de homem]» [xxvii].
Maria foi também virgem no parto, pois «deu-o
à luz sem detrimento da sua virgindade, como sem perder a sua virgindade tinha
concebido (…); Jesus Cristo nasceu de um seio virginal com um nascimento
admirável» [xxviii].
Com efeito, «o nascimento de Cristo “longe de
diminuir, antes consagrou a integridade virginal” da Sua mãe [xxix]» [xxx].
Maria permaneceu perpetuamente virgem depois
do parto.
Os Padres da Igreja, nas explicações dos
Evangelhos e nas respostas às diversas objecções, afirmaram sempre esta
realidade, que manifesta a sua total disponibilidade e a entrega absoluta ao
desígnio salvífico de Deus.
São Basílio resumia-o quando escreveu que «os
que amam Cristo não admitem escutar que a Mãe de Deus tivesse deixado de ser
virgem nalgum momento» [xxxi].
Maria
foi elevada ao Céu.
«A Virgem Imaculada, preservada imune de toda
a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao
céu em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como Rainha, para assim se conformar
mais plenamente com o seu Filho, Senhor de senhores e vencedor do pecado e da
morte» [xxxii].
A Assunção da Santíssima Virgem é uma
singular participação na ressurreição do seu Filho e uma antecipação da ressurreição
dos outros cristãos [xxxiii].
A realeza de Maria fundamenta-se na sua
maternidade divina e na sua associação à obra da Redenção [xxxiv].
(cont)
José Antonio Riestra
Notas
[i] Hb 10, 5; Gl 4, 4
[ii] Fl 2, 7
[iii] Lc 1, 35; Mt 1, 20
[iv] Santo Agostinho, De
Trinitate, 2, 5, 9; cf. Concílio Lateranense IV: DS 801.
[v] cf. Catecismo, 258
[vi] João Paulo II, Enc.
Redemptoris Mater, 25-III-1987, 8; cf. Pio IX, Bula Ineffabilis Deus ; Pio XII,
Bula Munificentissimus Deus, AAS 42 (1950) 9768; Paulo VI, Ex. Ap. Marialis
Cultus, 25; CIC, 488.
[vii] LG 56; cf. 61
[viii] Catecismo, 488).
[ix] LG 56
[x] Catecismo, 490
[xi] Lc 1, 28
[xii] cf. Catecismo, 490
[xiii] cf. LG 56
[xiv] Catecismo, 494
[xv] LG 56
[xvi] Catecismo, 493
[xvii] DS 2803
[xviii] Catecismo, 491
[xix] LG 56
[xx] LG 53
[xxi] Catecismo, 492
[xxii] cf. DS 252
[xxiii] Catecismo, 495
[xxiv] cf. LG 52
[xxv] Catecismo, 499; cf.
Catecismo, 496-507
[xxvi] cc. Latrão, ano 649;
DS 503
[xxvii] Catecismo, 496
[xxix] LG 57
[xxx] Catecismo, 499
[xxxi] São Basílio, In
Christi Generationem, 5.
[xxxii] Concílio Vaticano II,
Const. Lumen Gentium, 59; cf. a proclamação do dogma da Assunção da
Bem-aventurada Virgem Maria pelo Papa Pio XII em 1950: DS 3903.
[xxxiii] cf. Catecismo, 966
[xxxiv] Cf. Pio XII, Enc. Ad
Coeli Reginam, 11-X-1954: AAS 46 (1954) 625-640.
[xxxv] Cf. AAS 46 (1954)
662-666.
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