TEMA 8 Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro
Jesus Cristo assumiu a natureza humana sem
deixar de ser Deus: é verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
3. A
união hipostática
No princípio do século quinto, após as
controvérsias precedentes, era clara a necessidade de defender firmemente a
integridade das duas naturezas humana e divina na Pessoa do Verbo; de modo que
a unidade pessoal de Cristo começa a constituir o centro da atenção da
cristologia e da soteriologia patrística.
Para este novo aprofundamento contribuíram
novas discussões.
A primeira grande controvérsia teve a sua
origem nalgumas afirmações de Nestório, patriarca de Constantinopla, que
utilizava uma linguagem em que dava a entender que em Cristo há dois sujeitos:
o sujeito divino e o sujeito humano, unidos entre si por um vínculo moral, mas
não fisicamente.
É neste erro cristológico que tem origem a
recusa do título de Mãe de Deus, Theotókos, aplicado a Santa Maria. Maria seria
Mãe de Cristo, mas não Mãe de Deus.
Opondo-se a esta heresia, São Cirilo de
Alexandria e o Concílio de Éfeso de 431 recordaram que «a humanidade de Cristo
não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a
fez sua desde que foi concebida.
Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, em
431, que Maria se tornou, com toda a verdade, Mãe de Deus por ter concebido
humanamente o Filho de Deus em Seu seio» [i].
Anos mais tarde surgiu a heresia monofisita.
Esta heresia tem os seus antecedentes no
apolinarismo e numa má compreensão por parte de Eutiques (ancião arquimandrita
de um mosteiro de Constantinopla), da doutrina e da linguagem empregue por São
Cirilo.
Eutiques afirmava, entre outras coisas, que
Cristo é uma Pessoa que subsiste numa só natureza, pois a natureza humana teria
sido absorvida na divina.
Este erro foi condenado pelo Papa São Leão
Magno, no seu Tomus ad Flavianum [ii] – autêntica jóia da
teologia latina – e pelo Concílio ecuménico de Calcedónia do ano 451, ponto de
referência obrigatório para a cristologia.
Ensina assim:
«há que confessar um só mesmo Filho e Senhor
nosso Jesus Cristo: perfeito na divindade e perfeito na humanidade» [iii], e acrescenta que a
união das duas naturezas é «sem confusão, sem alteração, sem divisão, sem
separação» [iv].
A doutrina de Calcedónia foi confirmada e
aclarada pelo II Concílio de Constantinopla do ano 553, que faz uma
interpretação autêntica do Concílio anterior.
Depois de sublinhar várias vezes a unidade de
Cristo [v], afirma que a união
das duas naturezas de Cristo tem lugar segundo a hipóstase [vi], superando, assim, a
possibilidade de equívocos da fórmula ciriliana que falava de unidade segundo a
“fisis”.
Nesta linha, o II Concílio de Constantinopla
indicou também o sentido em que deveria entender-se a conhecida fórmula
ciriliana de «uma natureza do Verbo de Deus encarnada» [vii], frase que São
Cirilo pensava ser de Santo Atanásio, tratando-se, na realidade, de uma
falsificação apolinarista.
Nestas definições conciliares, que tinham
como finalidade aclarar alguns erros concretos e não expor o mistério de Cristo
na sua totalidade, os Padres conciliares utilizaram a linguagem do seu tempo.
Da mesma maneira que Niceia empregou o termo
consubstancial, Calcedónia utiliza termos como natureza, pessoa, hipóstase,
etc., de acordo com o significado habitual que tinham na linguagem comum e na
teologia da sua época. Isto não significa, como afirmaram alguns, que a
mensagem evangélica se helenizasse.
Na realidade, os que se mostraram rigidamente
helenizantes foram precisamente aqueles que propunham as doutrinas heréticas,
como Arrio ou Nestório, que não souberam ver as limitações que tinha a
linguagem filosófica do seu tempo face ao mistério de Deus e de Cristo.
4. A
Humanidade Santíssima de Jesus Cristo
Por isso a Igreja ensinou «a plena realidade
da alma humana, com as suas operações de inteligência e vontade, e do corpo
humano de Cristo.
Mas, paralelamente, a mesma Igreja teve de
lembrar repetidamente que a natureza humana de Cristo pertence, como própria, à
pessoa divina do Filho de Deus que a assumiu.
Tudo o que Ele fez e faz nela, depende de “um
da Trindade”.
Portanto, o Filho de Deus comunica à sua
humanidade, o seu próprio modo de existir pessoal na Santíssima Trindade.
E assim, tanto na sua alma, como no seu
corpo, Cristo exprime humanamente os costumes divinos da Trindade [x]», [xi].
A alma humana de Cristo é dotada de um
verdadeiro conhecimento humano.
A doutrina católica ensinou tradicionalmente
que Cristo, enquanto homem, possuía um conhecimento adquirido, uma ciência
infusa e a ciência beata própria dos bem-aventurados no Céu.
O conhecimento adquirido de Cristo não podia
ser, por si mesmo, ilimitado: «por isso o Filho de Deus, fazendo-Se homem, pôde
aceitar “crescer em sabedoria, estatura e
graça” [xii] e também teve de Se
informar sobre o que, na condição humana, deve aprender-se de modo experimental
[xiii]» [xiv].
Cristo, em quem repousa a plenitude do Espírito
Santo com os Seus dons [xv], possuiu também a
ciência infusa, quer dizer, aquele conhecimento que não se adquire directamente
pelo trabalho da razão, mas é infundido directamente por Deus na inteligência
humana.
Com efeito, «o Filho também mostrava, no seu
conhecimento humano, a clarividência divina que tinha dos pensamentos secretos
do coração dos homens [xvi]» [xvii].
Cristo possuía também a ciência própria dos
beatos: «Pela sua união com a Sabedoria divina na pessoa do Verbo Encarnado, o
conhecimento humano de Cristo gozava, em plenitude, da ciência dos
Por tudo isto deve afirmar-se que Cristo,
enquanto homem, é infalível: admitir o erro n’Ele seria admiti-lo no Verbo,
única pessoa existente em Cristo.
(cont)
José Antonio Riestra
Notas:
[i] Catecismo, 466; cf.
DS 250 e 251
[ii] Cf. Ibidem, 290-295.
[iii] Cf. Ibidem, 301;
Catecismo, 467.
[iv] Cf. Idem.
[v] Cf. Ibidem, 423.
[vi] Cf. Ibidem, 425
[vii] Cf. Ibidem, 429.
[viii] GS 22, 2
[ix] Catecismo, 470
[x] cf. Jo 14, 910
[xi] Catecismo, 470
[xii] Lc 2, 52
[xiii] cf. Mc 6, 38; 8, 27;
Jo 11, 34
[xiv] Catecismo, 472
[xv] cf. Is 11, 1-3
[xvi] cf. Mc 2, 8; Jo 2, 25; 6, 61
[xvii] Catecismo, 473
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